Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

"As privatizações reconstituíram os monopólios que hoje dominam a economia, em prejuízo do interesse nacional"

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Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
A política de privatizações levada a cabo pelo Governo e lançada pelo pacto dos partidos da troica significa o aprofundamento da dependência estrutural e a submissão da economia aos interesses dos monopólios, em grande medida transnacionais. É, cada vez mais, a subordinação do poder político ao poder económico.
A grande maioria do capital da PT, EDP, REN, GALP, BPI, BCP, Brisa, CTT, ANA, CIMPOR, está nas mãos de interesses estrangeiros. Prosseguem negócios ruinosos para os interesses nacionais, como o saque das PPP, a privatização da TAP e a entrega ao grande capital de outras empresas públicas de transportes.
Prossegue a projetada entrega ao grande capital de empresas públicas na área do ambiente, designadamente pela privatização da EGF e pela fusão dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e saneamento e a sua abertura ao capital privado.
Para além das graves ameaças ao interesse estratégico, à soberania, desenvolvimento e coesão do País, as privatizações têm evidenciado ainda uma escandalosa dimensão de falta de transparência, de irregularidade, de manipulação política, de atropelo às populações, em que tudo vale para beneficiar o negócio e o interesse privado.
A Metropolitano de Lisboa tem a estação da Reboleira com 95% da obra concluída desde 2011. Quando, nessa altura, o Governo mandou parar a obra, perguntámos se estava a preparar o adiamento dessa inauguração para depois da entrega aos privados. Disseram que não. Agora, mais de três anos depois, o Governo anuncia o «vencedor» da subconcessão e na semana seguinte anuncia a conclusão das obras da estação da Reboleira.
Ora, a abertura desta estação vai trazer um aumento de procura estimado em quatro milhões de passageiros por ano. E «por coincidência», esse aumento de procura não está previsto no caderno de encargos da subconcessão, ou seja, vai permitir um aumento imediato da receita arrecadada pelo privado e uma renegociação dos valores a pagar pela empresa pública ao subconcessionário privado. Explique lá isto, Sr. Secretário de Estado!
No comboio da ponte, o Grupo Barraqueiro vinha exigindo há anos que as taxas de utilização devidas à REFER não tivessem de ser pagas. Em 2013, perguntámos ao Governo, perante aquelas «negociações», se tencionava continuar a drenar recursos públicos para aquele Grupo, ou se, pelo contrário, colocava um ponto final a essa PPP ruinosa. A PPP continuou, aliás, tal como as outras, e novas PPP são anunciadas.
Entretanto, o Governo lançou nova operação para vender a TAP e assinou um inacreditável contrato promessa de compra e venda para entregar a companhia aérea de bandeira a interesses privados. E o tal Grupo Barraqueiro, que é o rosto nacional desses interesses, e que ficou de pagar cerca de 6 milhões de euros na compra da TAP dos 10 milhões em transação, aparece agora a exigir 6 milhões de euros em «reequilíbrio financeiro» na PPP do comboio da ponte! Explique lá isto, Sr. Secretário de Estado.
Isto não é vender fiado e ao preço da uva, é oferecer de borla e ainda pagar a quem leve. É isto que os senhores estão a fazer ao País, Srs. Membros do Governo.
Não é de admirar que o Governo faça tudo para impedir o escrutínio público e a perceção clara do que verdadeiramente significam estes negócios e estes processos. Não é de admirar que o Governo se tenha recusado a fornecer à Assembleia da República a documentação e os elementos concretos da privatização da TAP, que estavam a ser disponibilizados às companhias concorrentes e aos interesses do sector, na qualidade de «interessados» na operação.
É que, quanto mais se sabe, maior é o repúdio que se faz sentir no País face a estes escândalos.
Veja-se o que o Tribunal de Contas veio assinalar, no recente relatório da auditoria às privatizações da EDP e REN.
Com o infame clientelismo das «assessorias», dezenas de milhões de euros dos cofres públicos foram entregues aos do costume — e só nestes dois processos! São escândalos atrás de escândalos, com mais escândalos lá dentro: medidas de reporte de informação que nunca se verificaram; apreciação a posteriori dos resultados que nunca se realizou; consultores financeiros a assinarem acordos e a subcontratarem entidades à margem da lei; assessores subcontratados cujo currículo é confidencial e que nem ao Tribunal de Contas é facultado; serviços prestados pela mesma entidade — o Banco Espírito Santo de Investimento, já devem ter ouvido falar —, primeiro, como avaliador ao serviço do Estado e, logo depois, como consultor financeiro ao serviço dos compradores.
Srs. Deputados, a lista nunca mais acaba. Fica registado que, só nestas operações, isto é, para 21% da EDP e 40% da REN, as privatizações saldaram-se por uma perda de valor para o Estado, numa ótica financeira, de perto de 2000 milhões de euros, garantindo aos investidores privados uma taxa de rendibilidade de 6,5%.
Depois, fala-se nas poupanças em juros da dívida pública que estas operações permitiram. Mas basta comparar os 115 milhões de euros que se pouparam em juros com os 180 milhões de euros que se perderam em dividendos.
Mas, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados da maioria, muito mais grave ainda do que a vergonha destes números é a dimensão não financeira mas, sim, estratégica destas alavancas da nossa economia, que os senhores estão a entregar aos interesses dos grupos económicos.
Assim: as privatizações reconstituíram os monopólios que hoje dominam a economia, em prejuízo do interesse nacional; cresceu a saída do País de volumosas verbas de lucros; o Estado perdeu receitas fiscais e dividendos das empresas privatizadas, com o consequente agravamento do défice orçamental; com as privatizações, o Estado perdeu capacidade para intervir no ordenamento do território, combater as assimetrias e promover um desenvolvimento equilibrado.
É por isso que dizemos claramente que não basta derrotar a direita, é preciso derrotar a política de direita. As políticas que PSD, PS e CDS levaram a cabo, com setores fundamentais para o nosso País, têm que ter um ponto final, de uma vez por todas.
E a exigência de rutura e de mudança, a que aqui damos voz, é o que se faz sentir de norte a sul na luta dos trabalhadores e do povo português. E será essa luta que vos vai derrotar.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Secretários de Estado,
Srs. Deputados:
O tempo esclarecerá, provavelmente, por que razão o Sr. Dr. José Maria Ricciardi, presidente do BESI, foi o único elemento do antigo Conselho Superior da família Espírito Santo que se manteve em funções, apesar de tudo o que aconteceu.
O BESI, nesta história que estamos a discutir, teve um papel interessante: trabalhou para o Estado, trabalhou para o privado, esteve dos dois lados da mesa. Não foi a primeira vez! As mesmas entidades, as mesmas pessoas, o mesmo BESI — na altura tinha outro nome, e o senhor sabe, era ESI — teve exatamente esse papel na privatização da PT. Portanto, a história repete-se pelas piores razões. É curioso que sobre isso o Governo até agora continue sem dizer nada. Tanta transparência nas privatizações, reformas estruturais, um balanço tão positivo!…
É extraordinário como os Srs. Deputados da maioria e os Srs. Membros do Governo se orgulham do que estão a fazer ao País. É extraordinário como os senhores ignoram o que se está a passar e ignoram as questões concretas com as quais são confrontados.
Então, não há uma palavra sobre o que o relatório do Tribunal de Contas veio pôr a nu, evidenciar e confrontar? Não há uma palavra sobre aquilo que ainda agora referimos no debate, em relação a uma estação de metro que está quase pronta há quatro anos e agora é anunciada a sua abertura, nas mãos do privado?! Não há uma palavra em relação às negociações com o Grupo Barraqueiro, que vem exigir o mesmo dinheiro que anuncia dar ao Estado, como se fosse «toma lá dá cá»?
Já agora, esclareçam, por favor, que história é essa de a CP Carga, que os senhores querem vender, ter um brinde, que são as locomotivas que os senhores negaram durante estes anos todos, tendo obrigado a CP Carga a alugá-las por quase 18 milhões de euros por ano.
O que acontece, hoje em dia, é uma adaptação do provérbio popular, sobretudo quando os próprios grupos económicos ficam na dúvida perante este tipo de ofertas. É caso para dizer: quando a esmola é muita o rico desconfia, Srs. Secretários de Estado! Foi este o ponto a que chegámos!
O Sr. Deputado Hélder Amaral veio falar da PPP do Metro Sul do Tejo e ainda bem que trouxe o assunto a discussão, mas veja lá se não se arrepende. É que o senhor tinha a obrigação de saber que o projeto, que foi durante anos proposto e defendido pelas autarquias locais, acabou por ser transformado numa PPP desastrosa por um contrato negociado pelo anterior Governo PSD/CDS-PP. Afinal, em que é que ficamos?
É o próprio Tribunal de Contas que deita por terra algumas verdades inquestionáveis, como as imposições da União Europeia e dos respetivos tratados, e é essa a justificação que os Governos do PSD, do CDS-PP e do PS têm dado para as privatizações e para a alienação incondicional de quaisquer instrumentos de controlo público sobre as empresas do setor estratégico.
O que verificamos é que o atual Governo e os anteriores acordaram a capitulação da entrega das empresas estratégicas para o País, por ordem dos credores de Bruxelas, Berlim, Nova Iorque e Frankfurt. Em momento algum defenderam os interesses e a segurança nacionais.
Quaisquer outras conclusões sobre estes processos de privatização a que o Tribunal de Contas tenha chegado ou a que o povo possa chegar vêm sempre no contexto desta traição aos interesses e à segurança nacionais, que tem vindo a ser cometida com a conversa das modernizações, dos investimentos, das dinamizações económicas, que ficam à porta dos dividendos distribuídos aos novos grupos económicos e financeiros e às transnacionais e dos milhões que são oferecidos pela Parpública e pelos Governos às assessorias financeiras e jurídicas destes negócios. É disto que estamos a falar, Srs. Membros do Governo.
(…)
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados:
Acho inacreditável que, confrontado com questões concretas como o escândalo que está a acontecer nas empresas que acabámos de citar, o Sr. Secretário de Estado não tenha dito uma palavra para esclarecer isso. Penso que, nesta altura, ainda vai muito a tempo para responder às questões que lhe foram colocadas.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
O Sr. Secretário de Estado fala em defender os interesses dos cidadãos.
Os cidadãos cujos interesses o Governo está a defender são aqueles que estão a tomar conta da economia nacional, que estão a levar para os seus cofres e para as suas companhias os recursos do nosso País. Por cada 1000 € de dividendos distribuídos das empresas portuguesas, 19 € ficam cá e o resto vai para esses cidadãos em relação aos quais o senhor está a falar.
Não se preocupe com os pré-avisos de greve, porque a luta dos trabalhadores vai continuar e é o que faz com que a história avance. Os senhores têm muitos problemas, têm muito medo das greves, têm uma grande alergia às greves.
Pela parte do PCP, continuaremos a dar voz à luta que se continua a travar de norte a sul, exatamente para defender o acesso das populações ao transporte público, para defender a soberania nacional, para defender a própria segurança nacional, quando o que estão em causa são decisões que fragilizam o futuro coletivo deste País.
Sr. Secretário de Estado, verificámos que o próprio Tribunal de Contas veio demonstrar o que já dissemos há muito tempo, ou seja, que a generalidade dos regimes em vigor nos países europeus dispõe de medidas que, nos setores de importância estratégica, visam assegurar que são adequadamente acautelados os interesses e a segurança nacionais, o que inclui, designadamente, o capital acionista das empresas que os senhores estão a vender em vendas de fogo. O que os senhores estão a fazer é pegar fogo à casa e dizer: «Com a casa a arder até a vendemos por um preço muito bom».
Essa conversa é velha, Sr. Secretário de Estado. Não venha falar de demagogia, porque o senhor tem muito para contar acerca disso, mas tem muito mais para contar acerca das consultorias, matéria em relação à qual o senhor fugiu como o diabo da cruz.
Havia muito para falar sobre essas consultorias e assessorias financeiras, de que os senhores têm boa experiência de um lado e de outro da mesa, mas não se enganem, Srs. Membros do
Governo e Srs. Deputados, porque a verdade vem mesmo ao de cima e a luta das populações e dos trabalhadores é um fator decisivo.

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