Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

"É preciso saber o porquê do anterior governo mentir e esconder a situação do Banif"

Constituição de uma comissão parlamentar de inquérito ao processo que conduziu à venda e resolução do Banif - Banco Internacional do Funchal (Inquérito parlamentar nº 2/XIII/1.ª) (PS, BE, PCP e Os Verdes)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado António Leitão Amaro,

Na sua intervenção, esqueceu-se de abordar todo um passado que nos traz até aqui. Na verdade, se algumas das questões que nos coloca devem ser alvo do maior escrutínio possível por parte desta Assembleia — e o PCP tudo fará para que assim seja; empenhar-se-á, na comissão de inquérito a constituir, precisamente para que não haja qualquer limitação ao apuramento dos factos e às conclusões políticas que é importante retirar —, não podemos, desde já, assumir que o passado não importa para este problema.

O Sr. Deputado omitiu, certamente de forma deliberada, que o anterior Governo deu, não emprestou, aos banqueiros do Banif mais de 1000 milhões de euros, que não fez absolutamente nada para reaver uma parte desse dinheiro, que não acompanhou a gestão do Banif apesar de o Estado já ser o maior acionista do Banif — aliás, a determinada altura, quase o único acionista do Banif —, que era um Banco detido por capitais públicos por opção do Governo que, inclusivamente, o Sr. Deputado integrava.

Sobre isso o Sr. Deputado nada disse. De facto, o seu Governo demitiu-se de acompanhar e, pior, permitiu que o Banco continuasse a sua gestão sem qualquer controlo, sem prestar contas ao Governo, sem sequer, publicamente, dizer o que estava a fazer, se é que fez alguma coisa.
O PCP questionou o Governo várias vezes nesta Assembleia, nomeadamente através do Deputado Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do partido, e de outros Deputados, na Comissão de Orçamento. Sempre tivemos oportunidade de confrontar o Governo com essa matéria, questionando-o sobre o que estava a ser feito no Banif, e a resposta foi sempre «não há nada a fazer no Banif! Tudo está bem no Banif!»

É verdade que o Banif foi entregue quase de borla ao Santander, resta saber se não foi o Governo PSD/CDS que tudo fez para esconder o problema, para que isso fosse possível.

Aproveito para lhe deixar a seguinte questão, Sr. Deputado: por que é que esconderam o problema? Por que é que fingiram que tudo estava bem no Banif? Foi para atirar o lixo dos bancos para debaixo do tapete para fingir que a saída limpa da troica era real? Foi para fingir que tudo tinha corrido bem no suposto resgaste, que, na verdade, foi um sequestro dos direitos dos portugueses e que atirou para cima da banca milhares de milhões de euros à custa dos salários, dos rendimentos e dos direitos do povo português e nada resolveu?

(…)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O PCP subscreve o projeto para a constituição de uma comissão de inquérito sobre a gestão do Banif e o processo que conduziu à sua resolução, bem como sobre todas as decisões que estão relacionadas com esse processo. E subscrevemo-lo, em primeiro lugar, porque é cada vez mais incompreensível para a generalidade dos portugueses por que é que para os bancos há sempre todos os recursos e, para a garantia do funcionamento regular do Estado e da democracia todos os recursos falham; porque é cada vez mais incompreensível por que é que os salários, as pensões, a generalidade dos direitos dos portugueses, o Serviço Nacional de Saúde e as escolas estão cada vez mais distantes das populações e, no entanto, com toda a facilidade, os sucessivos Governos, ao longo do tempo, resgatam os bancos, dando resposta não às necessidades do País, mas às necessidades da instituição, dos acionistas da instituição, dos interesses privados que a controlam, colocando, assim, os recursos públicos à mercê dos caprichos dos banqueiros, das suas aventuras. Esse é um empreendedorismo sem risco para os banqueiros, porque sabem que contam sempre com os Governos, quando estão em apuros, quando desviam o dinheiro dos seus depositantes ou quando comprometem o crédito, sem avaliação de risco, para dar crédito aos seus próprios amigos.

Esta comissão de inquérito terá de incidir sobre todos os processos que nos trouxeram até aqui, quer sobre a gestão interna do Banco — como é que foi possível desequilibrar o balanço do Banco, ao ponto de serem necessários 3000 milhões de euros públicos para recapitalizar a instituição e a entregar, como foi entregue, a uma outra instituição —, quer sobre o que o anterior Governo fez para salvaguardar o interesse público, quando comprometeu 1100 milhões de euros com aquela instituição e se demitiu de a dirigir ou, sequer, de a acompanhar, quer sobre a razão por que o anterior Governo mentiu e escondeu dos portugueses a situação interna do Banif, omitindo, inclusivamente, que já existiam oito planos de reestruturação apresentados, quando isso lhe foi perguntado, em diversas ocasiões, na Assembleia da República, designadamente pelo Partido Comunista Português, quer sobre a razão por que os responsáveis diziam para que não nos preocupássemos, porque emprestar aquele dinheiro ao Banif era um bom negócio.

Todos nos recordamos de que o Governador do Banco de Portugal, ancorado e apoiado pelo Governo, disse aos portugueses que não se preocupassem, porque não só o Banif não tinha problemas, como aquele empréstimo era um ótimo investimento e iria render 10%.

Nós, agora, gostávamos de saber quem é que ia pagar esses 10%!

E quem é que ia pagar o capital que foi perdido! É que já nem se fala de ganhar os 10% de juros, fala-se até da recuperação dos 1100 milhões ou, melhor, não se fala, está esquecida, está posta de lado, porque o anterior Governo decidiu comprometer aquele dinheiro, sem qualquer contrapartida, com a gestão de um banco. Podia ter nomeado gestores, e não os nomeou, poderia ter tido um papel na administração, e não teve.

O Governo PSD/CDS tenta, agora, escapar às suas responsabilidades, através das propostas das bancadas parlamentares dos respetivos partidos, como a proposta para a realização de uma auditoria. Vejamos bem: as bancadas do PSD e do CDS querem agora chamar as mesmas empresas que escondem os problemas, para que venham descobrir os problemas antecipadamente, antes do trabalho de uma comissão de inquérito.

Aquelas que, ao longo dos anos, trabalharam para esconder os problemas que existiam dentro do Banif são exatamente aquelas que o PSD e o CDS querem chamar, para esconderem, se calhar, os problemas dos anteriores Governos.

Da parte do PCP, não contam com qualquer apoio nessa manobra.

Srs. Deputados, para terminar, quero dizer o seguinte: o PCP fará tudo para que esta comissão de inquérito não seja mais uma. Mas também todos dissemos isto no caso do BES! E no caso do BPN o problema foi o da regulação! Depois, no caso do BES, o problema foi o banqueiro, que enganou toda a gente.

Até quando é que os Srs. Deputados vão andar, de comissão de inquérito em comissão de inquérito, a esconder que o problema é o capitalismo e que isto é o capitalismo, que os bancos, nas mãos dos acionistas privados, servem os interesses dos acionistas privados, independentemente do interesse público?!
Srs. Deputados, o silogismo é cada vez mais simples. Se os acionistas e quem controla os bancos os usa a seu favor e nós, o povo português e o País, precisamos dos bancos a nosso favor, a solução é só uma: sermos nós, o povo português, o seu acionista!

(…)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Sobre a auditoria a que, há pouco, referi levemente, gostava de dizer ainda que, da parte do PCP, essa proposta do PSD não contará com o nosso apoio. Em primeiro lugar, porque as auditorias externas são precisamente os mecanismos utilizados — e temos visto isso nas sucessivas comissões de inquérito — para ir escondendo os problemas ao longo dos anos. E, por uma outra razão, Srs. Deputados — e podemos aqui dizer: «É claro, mas esta seria encomendada pela Assembleia da República, portanto será mais fiável» —, que é a de que uma auditoria externa desta natureza compete, desde já, ao Banco de Portugal que deve apurar todos os factos.

Da parte do PCP, até entendemos que o Banco de Portugal deveria ter meios próprios para realizar as suas auditorias, como, aliás, propusemos.
O Sr. Deputado Leitão Amaro, agora, acena que sim, e ainda bem que o faz, mas quando propusemos isso na anterior Legislatura, o PSD e o CDS votaram contra.

Entendemos que o Banco de Portugal deveria poder realizar as suas próprias auditorias sem ter de contratar empresas, sem ter de contratar as mesmas empresas que o enganaram durante anos. Por exemplo, no caso do BES, lembramo-nos bem que o Banco de Portugal foi enganado durante cerca de uma década por uma empresa de auditoria externa que escondia os problemas internos do BES, que só os comunicava internamente e não os revelava ao Banco de Portugal.

Portanto, é, no mínimo, caricato que o Banco de Portugal esteja obrigado a recorrer a estas empresas para detetar os problemas da banca, mas isso revela bem as insuficiências ou, melhor, as incapacidades do sistema de supervisão.

A supervisão é uma espécie de selo de qualidade num produto envenenado. A supervisão sabe que o produto está envenenado, mas não o pode dizer. Sabe que está envenenado, mas é obrigada a dizer que os portugueses podem confiar naquele produto. E é isso que nos tem trazido até aqui.

Queremos forjar a confiança num sistema que não merece a confiança dos portugueses e esse sistema é o sistema financeiro nas mãos de acionistas privados.

A única forma, Sr. Deputado João Almeida, que temos de garantir que, no futuro, não seremos confrontados com a necessidade de constituir novas comissões de inquérito para apurar novos factos sobre novas falências bancárias e novas ajudas públicas é travar este ciclo de permitir que a banca esteja nas mãos de privados, porque não podemos pagar esse luxo. O Estado português, os portugueses não podem pagar o luxo de um banqueiro poder ser dono de um banco!
Devemos chamar a nós a responsabilidade de gerir o crédito e o dinheiro. O controlo público da banca é o único instrumento que nos possibilita garantir que não teremos mais comissões de inquérito.

Mas, mais do que isso, também nos possibilita utilizar o crédito, o dinheiro e os fluxos de crédito ao serviço da economia, das pequenas e médias empresas, da produção, das famílias, dando resposta aos problemas do País e não desviando milhares de milhões de euros para as empresas-satélite como a própria banca faz, como os banqueiros fazem e como temos visto nas comissões de inquérito.

Sr. Deputado João Pinho de Almeida, para terminar, o PCP também não entra, nem entrou, no passado, em jogos de passa-culpas.

Não dizemos que a culpa é deste, é daquele ou daqueloutro! Não é essa a nossa perspetiva. Mas uma coisa é certa, Sr. Deputado: também já estamos fartos de não haver culpas de ninguém.

E tudo faremos para que a responsabilidade política — termo mais adequado do que culpa — seja apurada.

E, no nosso entendimento, a responsabilidade política é muito clara: é das políticas de direita, da submissão às orientações da Comissão Europeia e da subordinação ao funcionamento de um sistema financeiro que está nas mãos de privados, que está cativo dos interesses privados e que, por essa via, também captura os interesses do Estado.
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Determina a realização de uma auditoria externa e independente à gestão do Banif, à evolução do valor do Banco e às medidas de recapitalização pelo Estado (janeiro de 2013) de resolução do Banco e à venda da respetiva atividade ao Santander Totta (dezembro de 2015)
(projeto de resolução n.º 67/XIII/1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Sobre o voto do Grupo Parlamentar do Partido Comunista, quanto à constituição da comissão de inquérito, julgamos que não é adequada a crítica que nos foi dirigida pelo Sr. Deputado João Pinho de Almeida, por uma simples razão. O Sr. Deputado diz que há perguntas que o PCP, o PS e o BE não querem fazer. Sr. Deputado, só para lhe explicar, o requerimento para a constituição da comissão de inquérito que foi aprovado por parte destes partidos coloca muito mais perguntas e contém aquelas que os senhores formulam.
Portanto, o universo de perguntas é mais vasto. Logo, a questão coloca-se exatamente ao contrário: por que é que só querem colocar as vossas?
Portanto, Sr. Deputado, tendo em conta que este projeto é continente das perguntas que colocam no vosso, julgamos que a sua aprovação, por força dessa inclusão, prejudica a votação do vosso.
Sobre a questão das auditoras externas, Srs. Deputados, gostava de deixar claro o seguinte: o Banif, tal como todas as instituições bancárias, é anualmente alvo de auditorias externas, que são, precisamente, aquelas que avalizam as suas contas.
Quando o Sr. Deputado Leitão Amaro diz que há uma entidade externa independente, esquece-se de dizer que essa entidade externa independente é precisamente uma das que, ao longo do tempo, tem vindo a esconder os problemas da banca em Portugal.
E também se esquece de dizer de quem é independente. Isto de «independente» tem muito que se lhe diga! É independente de quê?! É independente dos seus acionistas? É independente do sistema financeiro português? É independente dos seus principais clientes, que são os bancos?!
É que isso de independente, Sr. Deputado! Convém dizer sempre, Sr. Deputado, de que é independente e se é independente, de facto, do interesse público.
Os acionistas das auditoras externas não têm nada a ver com o interesse público.
Portanto, o Banco de Portugal deve cumprir o seu papel, se entender contratar auditoras, como, aliás, está obrigado a fazer — apesar de os Srs. Deputados não permitirem que o Banco de Portugal realize as suas próprias auditorias —, que o faça. Achamos que esse é um papel do Banco de Portugal e que, aliás, já deve estar a fazer.
Quanto à vossa proposta, ela não é mais, e nota-se bem, do que uma tentativa, desde já, de condicionar e desvalorizar os trabalhos da comissão de inquérito.
Condicionar, balizando quais os temas sobre os quais querem que os Deputados se debrucem e desvalorizar no sentido de remeter para a esfera técnica aquilo que deve ser político, porque esta comissão de inquérito é sobre responsabilidades políticas.
É verdade que não será uma comissão de passa-culpas, faremos tudo para que não seja, mas não daremos ao CDS-PP a possibilidade de não assumir as suas.

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