Intervenção de João Dias na Assembleia de República, Reunião Plenária

Precisamos de um SNS que valorize e respeite os profissionais e crie condições para a sua fixação

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Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Apesar de todos os problemas e contrariedades a que o Serviço Nacional de Saúde está sujeito, e são muitos, não o escondemos, é notável a sua capacidade de resistir e responder aos problemas de saúde da população.  Uma capacidade de atender e cuidar que só é possível graças à sua forte ligação à população, mas muito também ao empenho e dedicação dos seus profissionais de saúde.

O SNS, essa conquista da Revolução de Abril, que estando inscrita na nossa Constituição, acima de tudo pertence ao povo português. O que torna ainda mais relevante que o Estatuto do SNS seja um elemento que o defenda dos ataques a que tem sido alvo desde a sua criação, que resolva os seus principais problemas, que ponha o direito à saúde em primeiro lugar, que rompa com os interesses daqueles que querem fazer da doença e da saúde um negócio, um Estatuto que responda e corresponda às necessidades da população, cujas carências no financiamento, na planificação e na gestão só beneficiam os grupos privados que aproveitam para fazer da doença uma fonte de lucro.

O novo estatuto do SNS não veio responder às exigências de recuperação do Serviço Nacional de Saúde, antes pelo contrário é mesmo um retrocesso face à aprovação da nova Lei de Bases da Saúde, a prova disso é que hoje quando deveríamos estar a falar da abertura de mais serviços no SNS, do que na verdade se fala é do encerramento! Quando hoje se deveria tranquilizar a população com a garantia dos serviços de saúde necessários, em todos os níveis e especialidades, reforçando os seus meios humanos e físicos e a sua capacidade de resposta, o que se vê é a falta de investimento, garrote do Ministério das Finanças e a uma preocupante e crescente transferência de dinheiros públicos, valências e serviços para os grupos económicos privados. 

Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PCP vem propor a alteração ao novo estatuto do SNS, publicado pelo Governo, que não corresponde de forma cabal ao Estatuto que o PCP entende dever existir, não se trata de apresentar o estatuto do SNS que o PCP entende ser necessário, procuramos isso sim corrigir as suas orientações mais negativas. Queremos assim introduzir as principais medidas que respondam aos problemas que o SNS enfrenta atualmente.

Propomos retirar a abertura para a entrega de mais serviços ao setor privado, seja nos cuidados de saúde primários ou nos cuidados hospitalares, retomando inclusivamente as formulações estabelecidas na Lei de Bases da Saúde, que prevê o carácter supletivo e temporário de recurso aos privados.

Neste sentido, entendemos que os prestadores privados não devem integrar o SNS, deve ser excluída a possibilidade de concessão de serviços hospitalares, bem como a gestão privada de unidades públicas. Elimina-se igualmente a possibilidade de entrega de Unidades de Saúde Familiares a entidades externas ao SNS, previstas no modelo C tão desejado por PSD, IL e CH.

No plano da arquitetura institucional, rejeitamos a criação de uma nova Direção Executiva, optando-se pelo reforço das competências da atual ACSS, que passa a ser Administração Central do Serviço Nacional de Saúde (ACSNS) e não do sistema de saúde como ardilosamente foi designada. Clarificamos a permanência das Administrações Regionais de Saúde (ARS), cuja manutenção se tornou dúbia com o Estatuto aprovado pelo Governo, por se entender como necessária a existência de um patamar regional desconcentrado, para o qual não há neste momento qualquer alternativa.

O PCP com este projeto de lei que altera o Estatuto do SNS entende que com o novo estatuto o Governo mantém a desvalorização dos trabalhadores da saúde, fator de desmobilização e abandono do SNS que importaria inverter. Perpetua e consolida como regra o contrato individual de trabalho e o regime do Código do Trabalho, com o que isso significa de desvalorização das carreiras e da vinculação à administração pública, a que acresce a indisponibilidade que o Governo tem manifestado para melhorar as remunerações dos profissionais de saúde. 

O governo inclui no novo estatuto um regime de dedicação plena, que na verdade ninguém conhece e do pouco que se sabe distingue-se totalmente do anterior regime de dedicação exclusiva, aliás igualmente interrompido por um Governo do PS, e que se traduzirá na manutenção da acumulação de funções no privado e num aumento da carga horária. Mantém a possibilidade de prática ilimitada de horas extraordinárias, sem cuidar dos direitos dos trabalhadores da saúde, nem sequer das condições de qualidade e de segurança para o exercício das suas funções.

Sr. Presidente, Srs. Deputados

Do que precisamos é de um Estatuto que abra a porta a mais médicos, enfermeiros e assistentes técnicos e operacionais, mas também psicólogos, farmacêuticos, técnicos de diagnóstico, terapeutas, dentistas, nutricionistas e tantas outras profissões para garantir um trabalho que é cada vez mais multidisciplinar e de equipa.

Queremos o SNS com investimento assegurado a partir do Orçamento do Estado e que não esteja dependente de fundos comunitários, alocados muitas vezes a outras prioridades e interesses que não os do País.

Defendemos o SNS da participação democrática na gestão das instituições e na definição das prioridades, com participação dos profissionais na escolha dos seus dirigentes e das populações nas suas unidades de saúde.

Lutamos pelo SNS dos cuidados de saúde primários com mais médicos e enfermeiros de família e outros profissionais indispensáveis ao acompanhamento de todos os que deles precisam.

Enfim, precisamos de um SNS que valorize e respeite os profissionais e crie condições para a sua fixação.

Isto tem custos, claro que sim! Mas custará sempre menos do que entregar serviços de saúde aos grupos privados, isso sim, sai caro aos portugueses.

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