Intervenção de Duarte Alves na Assembleia de República, Reunião Plenária

Portugal precisa de arrepiar caminho nas políticas de urbanismo e ordenamento do território

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Senhor Presidente
Senhores deputados,

A nossa primeira palavra é de solidariedade e apreço.
 
Solidariedade para com todas as vítimas das cheias que têm assolado várias regiões do país, com gravíssimos prejuízos nas suas vidas, nos seus negócios, nos seus bens e habitações.

Apreço por todos aqueles que têm combatido as consequências desta intempérie, sejam eles bombeiros e outros agentes da proteção civil, forças e serviços de segurança, trabalhadores das autarquias locais e de diversos serviços públicos, que apesar de todos os dias lhes ser negado direitos, salários dignos e reconhecimento, dão o tudo por tudo para responder aos problemas.

Solidariedade e apreço que não apagam a necessidade de, mais uma vez - infelizmente mais uma vez! – termos de trazer a este Plenário o problema da falta de planeamento e de medidas de ordenamento do território que previnam este tipo de acontecimentos. 

Não negamos que as alterações climáticas tenham aumentado a frequência destes desastres, mas as alterações climáticas têm costas largas quando o poder político se quer desresponsabilizar das opções tomadas ao longo de décadas, num problema que não é novo. 

Recordamos as cheias de Novembro de 1967, onde morreram mais de 700 pessoas, e 20 mil casas foram destruídas.
 
Cheias que foram o resultado de condições de vida indignas, da falta de qualquer planeamento urbanístico, da falta de infraestruturas básicas, onde a cultura de risco era inexistente, porque a vida dos pobres valia de pouco para o regime fascista. 

Era a época dos planos parciais de urbanização, uma ficção de ordenamento, criando núcleos urbanos destinados a uma minoria da população, empurrando a maioria dos que migravam do Interior do país para fugir à miséria para periferias não urbanizadas, onde floresciam os bairros de barracas. 

Com o 25 de Abril, foi publicada a primeira Lei de Solos, que criminalizava o uso indevido do solo, definia áreas urbanas prioritárias, permitindo ao nascente Poder Local democrático o planeamento do crescimento urbano. 

Mas rapidamente, os governos da política de direita de PS, PSD e CDS trataram de reverter a lógica progressista dessa primeira lei de solos. 

Primeiro, com a promoção de uma lógica centrada nas grandes expansões urbanísticas, sem controlo, com a banca (já privatizada) a beneficiar da captação de renda fundiária associada ao imobiliário existente ou expectante, uma lógica plasmada na Lei de 1998 de João Cravinho.

Mais tarde, com a Lei de 2014, de Moreira da Silva, a lógica passa a ser a da exploração dos centros urbanos, para a especulação e o turismo desenfreado, complementada com a expulsão dos residentes através da lei dos despejos de Assunção Cristas, e com o inaceitável aligeirar de normas de segurança sísmica.

Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades do capital financeiro e do seu apetite pela renda fundiária.

O que não mudou, foi a submissão das políticas de uso de solos aos interesses financeiros, com PS, PSD e CDS a apostarem em lógicas de lucro máximo para promotores imobiliários e banca, descorando uma política de planeamento, de ordenamento, de respeito pela natureza e os seus limites de ocupação, com as consequências que estão à vista.

As políticas erradas de planeamento do território traduzem-se em números: entre 1995 e 2007, na Área Metropolitana de Lisboa, 
*a edificação em áreas inundáveis por cheias progressivas cresceu 51%, 
*a edificação em áreas inundáveis por cheias rápidas cresceu 39%, 
*a edificação na faixa litoral dos 500m cresceu 23% 
*e a edificação em vertentes perigosas cresceu 72%.  

Senhores deputados,

Portugal precisa de arrepiar caminho nas políticas de urbanismo e ordenamento do território.

Precisa de inverter a lógica de construção em leito de cheia, e nas zonas de cheia onde já há ocupação, não a densificar.

Precisa de impor o “dever de prevenir o risco”, e realizar investimento público que possa mitigar esses riscos, como eixos de drenagem, corredores verdes, parques lineares ao longo de ribeiras e rios.

Para isso, precisa de permitir aos municípios que possam recorrer a fundos comunitários para estes investimentos, em vez da sua exclusão, no âmbito dos quadros comunitários.

Precisa de respeitar os instrumentos de planeamento, em vez de serem atropelados sempre que um interesse económico se sobreponha, como aconteceu no caso da construção do Hospital da CUF em Alcântara.

Precisa de investir na proteção civil, dar condições laborais e sociais a todos os trabalhadores que desempenham funções de agentes de proteção civil.

Precisa, acima de tudo, que se cumpra o princípio de que cabe ao Estado e às autarquias locais a gestão do solo e da cidade, e não aos interesses do capital financeiro, que pela sua natureza, tem como única preocupação o lucro imediato. 

Para esse caminho, de respostas de fundo aos problemas de ordenamento do território que estão na base do problema das cheias, podem contar com o PCP. 
 

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