Estão a passar dois meses sobre a fixação de disponibilidades de vagas nas creches gratuitas e o início do ano lectivo na educação pré-escolar. Está à vista que a falta de vagas cria uma situação preocupante para muitas crianças e pais. É necessário fazer uma avaliação actualizada da situação e, acima de tudo, não perder tempo na adopção das medidas capazes de resolver o problema para que as carências não se eternizem. Esse é o sentido do alerta e da iniciativa do PCP.
Assegurar a todas as crianças um elevado nível de qualidade de vida é um direito de cada uma, mas também um factor de desenvolvimento do País. Isso implica que as famílias tenham condições económicas e sociais para apoiar o seu crescimento, condição em que pesam de forma determinante os salários, os horários, os vínculos e o direito à habitação, mas também a garantia pelo Estado de serviços públicos de qualidade às crianças.
O acesso às creches e à educação pré-escolar assume nesta matéria enorme importância. Uma educação de qualidade, construída a pensar nos direitos das crianças e no seu desenvolvimento integral, é fundamental. Quer a creche quer o pré-escolar são facultativos, mas têm no nosso País níveis bastante altos de frequência, o que é positivo, apesar de não estarem asseguradas a universalidade e a gratuitidade.
A dificuldade de acesso tem a mesma origem: há mais crianças desta faixa etária do que vagas.
Em 2020, segundo dados oficiais, existiam cerca de 250 mil crianças dos zero aos três anos, mas apenas 120 mil vagas em creche, mesmo somando todas as que existiam em IPSS e no privado. Seria preciso duplicar o número de vagas para garantir que havia lugar para todos e esta realidade não se alterou.
A diferença é que até há quatro anos todas as vagas eram pagas, custando várias centenas de euros a muitas famílias. Por proposta e insistência do PCP, de forma faseada e encontrando sempre obstáculos por parte dos governos do PS, o caminho da gratuitidade das creches começou a fazer-se em 2020.
Todas as crianças nascidas depois de 1 de Setembro de 2021 têm esse direito. Em 2024, são 100 mil as crianças que frequentam uma creche gratuitamente. Ficam ainda muitas de fora, mas é uma extraordinária evolução em tão pouco tempo. O caminho não é andar para trás, é preciso criar condições para que o direito se efective para todos.
Como o PCP afirma desde a primeira hora, o que é necessário é criar uma rede pública de creches, integrada no sistema educativo, que garanta o desenvolvimento integral a todas as crianças, independentemente da sua condição económica e social. O PCP propõe que a rede pública assuma o objectivo de criar 100 mil vagas até 2028, atingindo mais 148 mil até 2030. O projecto de lei do PCP para a criação desta rede pública foi discutido no final de Setembro e foi rejeitado com os votos contra do PSD, PS e CDS-PP, e as abstenções da IL e do Chega. Não desistiremos desta importante proposta.
No ano lectivo 2022/23 existiam cerca de 265 mil crianças matriculadas na educação pré-escolar. A rede pública cobria menos de metade (54,5%, cerca de 144 mil crianças), a maior parte das quais já com os cinco anos feitos, porque o primeiro critério de seriação é a data de nascimento. É isso que explica que, das crianças inscritas na rede pública de educação pré-escolar no ano lectivo passado, pouco mais de 30 mil tinham três anos. A realidade não é igual no território nacional, com uma situação de muito maior pressão e falta de vagas nas áreas metropolitanas e nas maiores cidades.
Esta dificuldade em encontrar vagas é um enorme factor de pressão para as famílias, incluindo no plano financeiro, porque a frequência do pré-escolar em IPSS ou no privado pode custar muitas centenas de euros. Perante esta realidade, o Governo martela os números. A referência que tem feito de que faltariam 20 mil vagas de educação pré-escolar contabiliza apenas as crianças que frequentaram a creche gratuitamente em anos anteriores e que, tendo feito os 3 anos, não tiveram vaga na rede pública. O anúncio do Primeiro-ministro de que garantiria por contrato de associação o acesso das crianças a instituições de educação pré-escolar privadas não resolve o problema, como é bom de ver.
Tal como nas creches, a solução passa por criar mais vagas na rede pública. No Orçamento do Estado para 2024, o PCP propôs a abertura de pelo menos mais 150 salas de educação pré-escolar, proposta que mereceu os votos contra do PS e a abstenção da IL e do PSD. Na discussão do Orçamento do Estado para 2025 voltaremos a insistir.
E o problema não está apenas nas vagas. É essencial que ambas as redes tenham muita qualidade. Não é aceitável que se limitem a ser o sítio onde se guardam as crianças enquanto os pais trabalham, com horários desregulados e sem profissionais qualificados.
É necessário garantir a estabilidade de um corpo docente muito qualificado, sobretudo nestas faixas etárias. Não é admissível que aos educadores que trabalham em creche nem sequer seja contado o tempo de serviço. É necessário garantir o número adequado de profissionais, sejam auxiliares, sejam outros técnicos, uma alimentação de qualidade, tempo para brincar, acesso a espaços exteriores. É desumano aumentar as vagas em creche pondo mais bebés em cada sala e promover creches nocturnas. Não é aceitável que na educação pré-escolar se continue a retirar às crianças o direito à sesta, ou que se imponha o desfralde.
Acesso universal e gratuito às redes de creche e de educação pré-escolar são investimentos absolutamente necessários ao País e às crianças. O PCP não se cansará de lutar por eles e insistirá nestas propostas. Não se diga que são investimentos caros e que não há meios: os 1800 milhões de euros de benefícios fiscais em IRC, ou os mais de 1500 milhões de euros em PPP que são entregues de bandeja aos principais grupos económicos, seriam muito mais bem empregues se investidos numa rede pública de creches e na garantia da universalidade da educação pré-escolar. Contribuem mais para o desenvolvimento das crianças, para a diminuição das desigualdades sociais, para dar confiança e apoiar as famílias mais jovens. É um desafio que deixamos ao Governo.