Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Política de saúde

Debate de urgência sobre saúde

Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, rejeitamos totalmente a forma como a Sr.ª Ministra se referiu a este debate e à nossa intervenção. Nós não atacamos o Serviço Nacional de Saúde, atacamos é a política de saúde do seu Governo. Quem ataca o Serviço Nacional de Saúde é a Sr.ª
Ministra com a sua política, que o está o pôr em causa.
A Sr.ª Ministra não gosta da expressão «cortes cegos». Mas o que é que são senão cortes cegos o facto de se impor que os hospitais tenham menos 5% de horas extraordinárias?
O que é que são senão cortes cegos o facto de o INEM, que tinha um plano de extensão da sua rede que era usado como justificação política para o encerramento de serviços de saúde e de serviços de atendimento permanente, estar, agora, a retirar as ambulâncias dos sítios onde foram encerrados os serviços de atendimento?
O que é senão um corte cego continuar a não contratar os profissionais necessários para dar resposta às necessidades dos serviços de saúde?
Sr.ª Ministra, se ficar mais confortável, podemos não falar em cortes cegos, mas teremos, então, de dizer que a Sr.ª Ministra corta onde não deve e não corta onde deve, porque, como disse a minha camarada Paula Santos, ao mesmo tempo que impõem estas restrições aos hospitais públicos, continuam a dar dezenas de milhões de euros aos hospitais dos grandes grupos económicos privados, e é aí que está a grande falta de coerência do seu Governo!
Como é que a Sr.ª Ministra quer que aceitemos que se defenda o Serviço Nacional de Saúde cortando nos hospitais públicos e dando mais dinheiro aos hospitais privados?
Como é que a Sr.ª Ministra quer que nós acreditemos que quer defender o Serviço Nacional de Saúde se, desde o início de Março, anda a prometer uma legislação para resolver o problema das aposentações dos médicos, o qual continua sem estar resolvido?
Como é que a Sr.ª Ministra quer que acreditemos que defendem o Serviço Nacional de Saúde se estão a tomar medidas gravíssimas no sentido de aumentar os custos com medicamentos dos utentes do serviço Nacional de Saúde?!
Entre 2005 e 2008 houve um aumento dos custos dos utentes com os medicamentos. Segundo dados do INFARMED, os custos dos utentes aumentaram 97 milhões de euros, isto é, 14,4%, enquanto a parte do Estado aumentou 21 milhões de euros, 1,4%.
Isto significa que a despesa com os medicamentos é cada vez mais suportada pelos utentes do Serviço Nacional de Saúde, incluindo os reformados, que tinham uma comparticipação de 100% nos genéricos e que, agora, só vão ter se o médico lhes prescrever um dos cinco mais baratos e se ele estiver disponível na farmácia.
É a estes mesmos cidadãos de camadas sociais desfavorecidas, que tinham benefícios de protecção social nas taxas moderadoras e na comparticipação dos medicamentos, que o seu Governo, incluindo uma condição de recursos que mais não é do que um artifício para retirar este direito às pessoas, vai fazer pagar mais pelos medicamentos, neste tempo que se segue, com a legislação publicada anteontem.
Esta é que é a política que a Sr.ª Ministra tem para o Serviço Nacional de Saúde: uma política onde não há investimento público, uma política onde não se contratam os profissionais, por um lado porque eles são difíceis de encontrar (mas não foram tomadas medidas para que fossem contratados) e por outro lado porque o Governo não os quer contratar, pois há muitas carreiras com profissionais disponíveis no mercado, como é o caso dos enfermeiros, e o Governo não os quer contratar.
Um Governo que não quer que a despesa com o medicamento seja mais baixa para o Estado, mas também para os utentes, não tomando medidas que afrontam os interesses desta área, como as farmácias e a indústria farmacêutica, é um Governo que não defende o Serviço Nacional de Saúde.
A Sr.ª Ministra pode fazer os discursos que quiser, e que normalmente faz nesta Casa, nunca querendo ver a realidade a que a sua política está a conduzir. O que sabemos é que, cada vez mais, a política do Ministério da Saúde é conduzida pelo Ministério das Finanças, porque, em vez de ter à cabeça a melhoria da qualidade na prestação, o que tem é a diminuição da despesa em saúde, mesmo que isso signifique deixar as populações mais desprotegidas, mesmo que isso signifique deixar o País mais desguarnecido na universalidade do acesso aos cuidados de saúde.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
O Governo não gosta da expressão «cortes cegos», e bem compreendemos, num certo sentido, que não queira que esta expressão seja utilizada. É que os cortes, de facto, são bem determinados, visam exactamente aquilo que o Governo sabe que vai atingir, ou seja, como aqui foi referido pela Sr.ª Ministra, o corte de 5% nas horas extraordinárias, que o Governo determinou dever ser o objectivo dos hospitais públicos.
A Sr.ª Ministra disse, e bem, que, no fundamental, este gasto com horas extraordinárias refere-se à urgência, e é isso que nos dizem também os hospitais que temos vindo a visitar, ou seja, que há um peso muito grande das horas extraordinárias exactamente na urgência.
Sr.ª Ministra, há pouco tempo, estivemos numas jornadas organizadas pelo hospital onde desempenhou funções, onde perguntámos como é que iam fazer o corte de 5% nas horas extraordinárias. A resposta foi que ou contratavam empresas de mão-de-obra, coisa que não querem, e muito bem, ou, então, precisam das horas extraordinárias para a urgência funcionar.
Portanto, Sr.ª Ministra, quando aqui diz que este corte de 5% vai ser feito com a reorganização dos serviços, isso só tem um significado: vão encerrar mais serviços; vão diminuir os horários dos serviços.
Era exactamente isto que estava em preparação nas urgências pediátricas. Por causa da falta de profissionais e também visando diminuir as horas extraordinárias, preparou-se um «planozinho» para deixar que aquela carência, que é real, se consumasse no encerramento das
urgências.
Sr.ª Ministra, acho totalmente inaceitável que venha aqui explicar aquela situação — tal como fez o Presidente da Administração Regional de Saúde (ARS), porque a senhora não deu a cara nesse problema — com o facto de haver falta de profissionais, logo, encerramos as urgências.
Então, qual foi o esforço que o Ministério fez para resolver aquele problema em concreto?
Há quanto tempo se anda a alertar para a falta de profissionais pediatras naquelas urgências? O que fez o Ministério durante todo este tempo? E agora vem aqui dizer que foi confrontado com uma situação e que, portanto, não podia fazer mais nada?! Então, quem é responsável pelo
Ministério da Saúde, Sr.ª Ministra?
Quem é que responde perante o País pela situação do Ministério da Saúde? É a Sr.ª Ministra, quer queira, quer não. E, neste caso, tem de responder, mas não respondeu ao longo de todo este tempo.
Sr.ª Ministra, pode dizer que vai ter agora, finalmente, publicada a legislação sobre as aposentações dos médicos, mas, Sr.ª Ministra, durante os últimos anos saíram muitas dezenas ou centenas de médicos do Serviço Nacional de Saúde. Não foi só agora com o Orçamento do Estado para 2010. Houve, durante estes anos, um movimento contínuo de saída, porque as condições de trabalho no Serviço Nacional de Saúde se degradaram brutalmente; porque aquilo que era mais aliciante e mais recompensador no Serviço Nacional de Saúde para os profissionais, designadamente os médicos, e não era o salário, se degradou brutalmente.
A saída destes médicos, muitos deles para unidades privadas, outros para a aposentação, significa que a política seguida nos últimos anos pelo Governo do Partido Socialista visou directamente enfraquecer, por esta via, o Serviço Nacional de Saúde.
Sr.ª Ministra, em relação aos médicos, diz que não há profissionais para serem contratados. Então e em relação aos enfermeiros? Não há enfermeiros para contratar? Por que é que há falta de enfermeiros nos serviços e eles não são contratados? Não há profissionais no mercado? Ou
não é verdade que no nosso País há milhares de enfermeiros desempregados? Por que é que eles não são contratados? Não são contratados porque o Ministério das Finanças não deixa a Sr.ª Ministra contratá-los; não são contratados porque o Governo, entre ter serviços com maior qualidade e poupar dinheiro, poupa dinheiro, e poupa dinheiro na contratação dos enfermeiros como quer poupar na dignificação das suas carreiras também a nível salarial.
Entretanto, Sr.ª Ministra, continua intocável, repito, intocável, a transferência de dinheiro para os grupos económicos privados da saúde. Sei que a Sr.ª Ministra já nos disse aqui que é contra essa transferência, e acho bem, mas daí não vem nenhuma consequência, porque a Sr.ª Ministra não assume essa posição no Governo.
Já perguntámos ao Ministério das Finanças quanto é que vai, por ano, para os hospitais dos grupos económicos privados, quanto é que o Estado põe lá, tirando do Serviço Nacional de Saúde. Até agora, a resposta não veio, porque, provavelmente, será muitíssimo mais do que os 50 milhões de euros que a Sr.ª Ministra quer poupar com este plano de austeridade, com as consequências que estão à vista.
Será, certamente, muito mais, mas aí já não há cortes, porque é para favorecer esses grupos económicos privados, é para favorecer a privatização do Serviço Nacional de Saúde.
Quanto ao INEM, Sr. Secretário de Estado, o senhor só não explicou por que é que o INEM funciona num regime tal de carência de profissionais, sendo que, como muito bem foi aqui dito, o regime é de as horas extraordinárias serem programadas, serem o recurso normal para o funcionamento dos serviços, com cargas horárias brutais para aqueles profissionais.
Quanto ao custo com medicamentos, Sr. Secretário de Estado, não falei de dados posteriores porque o INFARMED não os disponibiliza. Se o Sr. Secretário de Estado tiver consigo a estatística do medicamento de 2009, agradeço muito que ma entregue para continuarmos a série que explicitei até aqui, a qual significa mais cerca de 100 milhões de euros para os utentes — 14,4% de aumento, segundo dados do INFARMED —, que é aumento do custo para os utentes, no total da despesa, de 2,8 pontos percentuais, portanto, quase 3 pontos percentuais de aumento, de 2005 até 2008. Venham os dados de 2009 e logo veremos.
O Sr. Presidente (José Vera Jardim): — Atenção ao tempo de que dispõe, Sr. Deputado.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Vou já terminar, Sr. Presidente.
Sr.ª Ministra, o que acontece é que, para além destas medidas implementadas nos últimos anos, agora há novas medidas: há a restrição da comparticipação a 100% para os reformados; há estas inaceitáveis medidas que vão limitar a isenção de taxas moderadoras e a melhor comparticipação. São inaceitáveis, Sr.ª Ministra!
Não vêm do seu Ministério, mas são inaceitáveis à mesma!
É preciso dizer que, se quisessem tomar medidas para poupar dinheiro com os medicamentos, podiam tomá-las impondo a prescrição pelo princípio activo, combatendo os preços elevados que a indústria farmacêutica pratica no nosso País, até em comparação com outros países da Europa. Mas isso os senhores não querem fazer, aí não vão ao confronto, aí não vão ao combate.
É por isso que dizemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que com este Governo a saúde está mais longe das populações, está mais cara, está mais lenta. Não é calando esses problemas que vamos ajudar a resolver a situação; é denunciando-os e exigindo medidas para os resolver.

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