Intervenção de

Política de ensino - Intervenção de Miguel Tiago na AR

 

 

Declaração política verberando a política de ensino do Governo

 

 

 

 

 

Senhor Presidente,

Senhores Deputados,

 

Os professores estão em Luta, em defesa da sua dignidade e do seu papel social, mas em defesa da Educação enquanto instrumento nacional para o desenvolvimento. A forma despudorada, tosca e agressiva, como os membros do Governo têm reagido aos protestos é o sinal inequívoco de uma erosão e de um desgaste político cada vez mais evidentes. As visitas da polícia às escolas, a identificação sistemática de manifestantes e dirigentes, o clima de perseguição por todo o país que o Governo estimula não escondem o descontentamento e a revolta de todos.

Eram mais de 100 mil, certamente. No dia 8 de Março, Professores de todo o país trouxeram às ruas de Lisboa a força de uma unidade impressionante em torno da defesa da sua dignidade e saudamos todos esses que, de longe e de perto vieram, e com particular entusiasmo as professoras que assinalaram o Dia da Mulher em luta pelos seus direitos. Mas defendendo essa dignidade, esses professores, esse largos milhares de homens e mulheres que dedicam a sua vida a construir o "saber" e o "saber fazer" deste país, defendem também a Escola Pública enquanto instrumento de todos nós, do povo português e do Estado, essencial para a garantia da nossa soberania intelectual, económica e produtiva e para a nossa própria democracia. A luta dos professores corporizou naquele dia 8 de Março a luta nacional contra o ataque à Escola Pública, tal como o fez nas duas semanas de luta que antecederam esse dia e o fará nas seguintes.

 

Os resultados de um ataque cerrado e feroz à Escola Pública saltam à vista. Ao invés de o Governo promover o bom funcionamento da Escola, ele é o próprio factor de instabilidade e entropia. Seja o Estatuto da Carreira Docente e todas as suas consequências - como a da avaliação de professores que urge suspender como propõe o Projecto de Resolução do PCP; seja a introdução de novos factores de entropia social que visam pôr um fim político à vigência da Lei de Bases do Sistema Educativo e à Constituição da República Portuguesa, como o anunciado fim da gestão democrática dos estabelecimentos de Ensino; seja ainda a forma absolutamente insensível como o Ministério da Educação tem diariamente imposto aos docentes regras instáveis, insensatas, delirantes e inexplicáveis; ou sejam mesmo as ditas reformas do Ensino Especial e do Ensino Artístico Especializado, que visam acantonar um e elitizar outro; - tudo aponta para uma incapacidade gritante por parte deste Governo para lidar com a Educação Pública e com os seus agentes.

A reboque de justificações tão demagógicas quanto falsas, o Governo tenta, na realidade, pôr um fim à Escola Pública enquanto pilar da República Portuguesa e da Democracia e enquanto instrumento para o desenvolvimento nacional. A reboque desta política, por sua vez, vem a degradação da qualidade do Ensino que, aliada a um desinvestimento claro nas condições materiais e humanas do Sistema Educativo provoca o seu definhamento lento, mas inexorável sob a batuta da orientação de direita que este Governo vem seguindo.

Se o país pode hoje ainda afirmar que dispõe de um Sistema Educativo capaz, deve-o em grande parte à perseverança e empenho dos professores que, muitas vezes em condições absolutamente inacreditáveis e sem o devido reconhecimento dão o seu melhor para fazer a Escola Pública funcionar. Deve-o à democratização do Ensino, fruto da Revolução de Abril e à luta permanente das populações, professores, pais e estudantes, em defesa da Escola Pública, deve-o a comunidades locais que valorizam as suas escolas e à gestão democrática que, mesmo num quadro de insuficiente autonomia tem possibilitado no interior de cada escola a procura e implementação das melhores soluções para os diversos problemas. Não o deve a quem, dos gabinetes dos Ministérios dita regras distantes das escolas, desajustadas e inadequadas. Nem mesmo aos anteriores Governos que, não fosse a resistência e a luta dos professores e estudantes ao longo dos tempos, há muito teriam posto um fim à gestão democrática, à escola inclusiva, ao ensino para todos e ao próprio edifício da Escola Pública, como bem temos visto através dos sucessivos arremessos políticos contra a Lei de Bases do Sistema Educativo.

Para o Governo, o protesto era apenas uma fantasia sindical. Para o Governo, a maior parte dos professores nem sabe por que protesta. A resposta foi dada: A maior parte dos Professores deste país manifestou a sua indignação numa marcha histórica e inegavelmente consciente. Só quem despreza e desdenha o próprio Sistema Educativo Público, pode partir do princípio que ele é feito por ignorantes ou professores inconscientes.

O Governo tem de retroceder. Mais de 100 mil professores nas ruas exigem agora humildade democrática e a abertura de um verdadeiro processo de negociação. A arrogância e o autoritarismo não são instrumentos políticos, são sinais de fraqueza política e debilidade democrática. O dia oito de Março, os que o precederam e as lutas que o seguirão, não permitem a continuação desta postura. Ouvir as escolas, abrir o diálogo, trabalhar para a dignificação e valorização social dos professores como elementos centrais do processo de ensino - aprendizagem, é a tarefa que se exige ao Governo. Não bastará mudar o tom. É preciso também mudar a política e recuar no ataque dirigido aos professores iniciado por este Governo com o Estatuto da Carreira Docente.

Os resultados da política de direita e de afronta aos direitos dos portugueses estão à vista. Não estão sozinhos os professores e afinal de contas quem o está é o Ministério da Educação que se isola neste rumo de arrogância, prepotência e autoritarismo. A Escola Pública não é do Governo, não é do Ministério da Educação e muito menos coutada de interesses privados. É de todos nós, cidadãos portugueses. E sempre as comunidades educativas se empenharão na sua dignificação e defesa porque sabem o valor desses pilares do desenvolvimento que são o conhecimento e o saber.

Disse.

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado José Paulo Carvalho,

Agradeço-lhe as questões colocadas.

Pela nossa parte, falaremos aqui de educação as vezes que forem necessárias e persistentemente o temos feito tendo em conta a intervenção desastrosa deste Governo nesta área, preocupação, aliás, partilhada por outras bancadas.

A perspectiva dos professores, neste momento, e aquilo que foi trazido à rua coincide com a defesa da escola pública. Não há aqui uma perspectiva acantonada à visão dos professores. Ela coincide, de facto, com a defesa da escola pública, porque só com a dignificação e a valorização social do professor é possível reforçar a capacidade da escola pública.

É impensável atacar os direitos dos professores, debilitar a sua capacidade, enfraquecer a sua posição social e, ao mesmo tempo, esperar a melhoria da qualidade da escola pública.

Reforço esta nota: o Governo está a diminuir e a degradar a qualidade da escola pública, o que se reflecte diariamente naquilo que os alunos dela conseguem retirar.

Quanto à questão da avaliação propriamente dita, o Sr. Deputado sabe que o PCP apresentou também um projecto de resolução que propõe a abertura de um período de debate em torno desta matéria e a suspensão deste processo, como o Governo o preconiza. Porquê? Porque para nós não está só em causa o conjunto de regras burocráticas e as questões técnicas deste sistema de avaliação. O que está em causa para nós é a própria matriz política que a ele preside.

Entendemos que a avaliação dos professores, como qualquer avaliação no sistema público, deve servir antes de mais para conhecer as falhas e agir sobre elas, para conhecer as debilidades e corrigi-las, para conhecer as insuficiências e suprimi-las.

Ora, não é esta a perspectiva do Governo. A perspectiva do Governo é criar um sistema de avaliação punitivo, que tem como único objectivo limitar a progressão na carreira por parte dos professores. Mas com esse tipo de avaliação, independentemente das normas burocráticas que a rejam, o Governo não poderá nunca contar com o acordo do PCP.

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Emídio Guerreiro,

Há uma diferença entre a interpretação que o PCP faz e aquela que faz o PSD sobre o que se passa actualmente na área da educação.

Obviamente que compreendemos que o PSD, partilhando da visão estratégica deste Governo, não está de acordo com o método, não está de acordo com a forma, não está de acordo com a velocidade, mas no essencial não discorda. Portanto, não remetemos o que se está a passar no Ministério da Educação para o plano da incompetência. Tudo o que se passa actualmente faz parte de uma estratégia de desarticulação e destabilização da escola pública.

A via que foi escolhida foi a do ataque aos professores. Repito: o ataque aos professores foi a via que este Governo escolheu para atacar a escola pública, como, aliás, fez noutros sectores. Obviamente que desarticular e desmantelar os direitos dos trabalhadores é o primeiro passo para pôr fim ao próprio sector.

Portanto, a incompetência deste Governo será em fazer aquilo que os próprios senhores do PSD também gostariam de fazer, mas de forma mais pacífica. Por isso, talvez tenha razão na incompetência.

A própria forma como a legislação é produzida, as portarias, despachos, os decretos-leis, que chegam às escolas em catadupa, uns contradizendo os outros, avisos nas páginas da internet sem cobertura legal, obviamente que tudo isto não são mais do formas que o Governo vai inventando para ir destabilizando cada vez mais a escola pública e a capacidade de os professores fazerem o que lhe compete e o que querem fazer.

Sobre a questão da popularidade da Sr.ª Ministra e as sondagens, gostaria de dizer que não medimos o sucesso político das medidas pelas sondagens, nem tampouco nos deixamos enganar nessas diversões que a comunicação social, por vezes com a ajuda dos governos, vai promovendo.

Quando a escola pública tiver melhores condições, mais capacidades materiais e humanas, quando os professores estiverem motivados, quando o insucesso escolar e o abandono forem realidades do passado, aí, sim, poderemos avaliar a popularidade das políticas. Mas, de facto, pouco nos importam as diversões das sondagens!

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Manuel Mota,

Se a democracia também é saber ouvir, comece por dar essa sugestão à Sr.ª Ministra da Educação, que tem sérias dificuldades, até mesmo nesta Casa, em ouvir aquilo que os Deputados lhe vão dizendo.

Sobre as actividades de enriquecimento curricular e todas essas «maravilhas» que nos apresentou, sugiro-lhe que vá às escolas verificar como funcionam no terreno.

Sugiro-lhe que leia a Lei de Bases do Sistema Educativo e lá identifique que todas essas vertentes de ensino deviam ser incluídas nos currículos. Ora, os Srs. Deputados e este Governo tiraram-nas dos currículos.

Não cumpriram a sua missão, que é implementar a lei. Pelo contrário, retiraram dos currículos a formação integral dos indivíduos através destas actividades nas escolas.

Quanto a manter tudo na mesma, Sr. Deputado, realmente, é preciso ignorar tudo o que se passa e não ter conhecimento do conjunto de propostas que o PCP apresentou na área da educação para se poder dizer uma coisa dessa natureza.

Dou-lhe a seguinte nota, de que certamente não tem conhecimento: o PCP apresentou um projecto de lei para a gestão democrática das escolas em que, inclusivamente, coloca as questões da avaliação.

Se o Sr. Deputado está contra a gestão democrática dos estabelecimentos de ensino, se o Sr. Deputado está contra os órgãos colegiais, se o Sr. Deputado está contra um conselho pedagógico de carácter cada vez mais pedagógico e científico, então assuma essas suas divergências com as tendências da escola pública portuguesa, mas não diga que é o PCP que quer manter tudo na mesma, porque é o PCP que, sistematicamente tem vindo a criticar o que os senhores e o PSD, com ou sem o CDS, vão fazendo na área da educação.

À retórica parlamentar de que o Sr. Deputado nos acusa, nós opomos a prática dialéctica que produz as propostas que o PCP aqui vai trazendo.

 

 

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