Projecto de Resolução N.º 375/XIII/1.ª

Pela criação de uma entidade pública responsável pelo planeamento, investigação, definição das linhas estratégias e operacionalização da resposta pública de combate à toxicodependência e alcoolismo

Pela criação de uma entidade pública responsável pelo planeamento, investigação, definição das linhas estratégias e operacionalização da resposta pública de combate à toxicodependência e alcoolismo

A partir de 2002, com a criação do IDT – o Instituto da Droga e da Toxicodependência - IDT, Portugal passou a dispor de um único organismo responsável pelo desenvolvimento e implementação de uma estratégia integrada de combate à droga e à toxicodependência.
Em 2007, no quadro do PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado) do Governo PS, o IDT viu alargadas as suas competências para a área da alcoologia, integrando os Centros Regionais de Alcoologia do Norte, Centro e Sul; contudo, este alargamento não foi acompanhado dos respetivos meios. Neste ano assumiu-se uma intervenção integrada para combater o consumo de substâncias psicoativas, nomeadamente através da implementação do Plano Operacional de Respostas Integradas (PORI), assente em diagnósticos efetuados em determinados territórios, potenciando as sinergias disponíveis e adaptando as respostas aos contextos específicos.
Competia ao IDT a coordenação e execução das políticas e estratégias de combate ao fenómeno das toxicodependências, nas vertentes da prevenção, tratamento, redução de riscos e reinserção social.
Do ponto de vista organizacional, o ex- IDT articulava três níveis: central, regional e local.
Ao nível central cabia a responsabilidade de definir as “linhas de orientação técnico-normativas para a prossecução e uniformização do modelo de intervenção a nível nacional” e a coordenação do “ processo de acompanhamento e avaliação, realizado a nível local e regional”.
Ao nível regional estavam adstritas funções de “diagnóstico das necessidades e o acompanhamento dos vários programas a este nível”, pelo que permitia “em tempo real, a adequação da estratégia de intervenção, fazendo face às necessidades específicas de cada região”. Competia, ainda, às Delegações Regionais promover a “articulação entre as várias intervenções da região, desenvolver ações em função das prioridades e organizar o tratamento da informação, permitindo assim a elaboração de indicadores de mudança e de impacto na população”.
Ao nível local, composto pelas Unidades Locais, competia o desenvolvimento da intervenção. Estas unidades foram, de igual modo, responsáveis pelo envolvimento e participação de várias entidades no processo de intervenção, ou seja, desde a prevenção até à reinserção social do toxicodependente.
Em 2010 foi publicado um relatório de um estudo sobre “ O IDT visto pelas outras instituições”, da autoria de Luís Miguel Vieira e Aurea Celina Ferreira, e cujos resultados revelam um “reconhecimento generalizado da relevância e utilidade da ação do IDT, nos vários níveis em que intervém”. Globalmente, as entidades consideram positiva a atuação do IDT (cerca de 70%), principalmente, a qualidade das respostas prestadas e a competência técnica das equipas do IDT.
Pese embora estes resultados, assim como a evolução positiva na redução de consumo de estupefacientes por via endovenosa, da incidência do HIV/SIDA nos consumidores de drogas e dos consumo nas populações mais jovens, o Governo PSD/ CDS decidiu desmantelar e procedeu à extinção do IDT.
No âmbito da aplicação do PREMAC (Plano de Redução e Melhoria da Administração Central), com o objetivo de concentrar e reduzir serviços da Administração Pública, o Governo PSD/CDS-PP decidiu extinguir o Instituto da Droga e Toxicodependência (IDT) e criar o SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências), equiparado a uma direção geral do Ministério da Saúde, com competências exclusivamente de planeamento e monitorização (ainda que alargadas a outros comportamentos aditivos e dependências), transferindo toda a vertente operacional para as Administrações Regionais de Saúde (ARS).
Às ARS foi atribuída a competência de “assegurar a execução dos programas de intervenção local com vista à redução do consumo de substâncias psicoativas, a prevenção dos comportamentos aditivos e a diminuição das dependências”, e “sucedem, de acordo com a respetiva área geográfica de intervenção, nas atribuições do Instituto da Droga e Toxicodependência, I. P., no domínio do licenciamento das unidades privadas prestadoras de cuidados de saúde na área das toxicodependências (competência entretanto transferida para a Entidade Reguladora da Saúde em termos que importa clarificar) e da execução dos programas de intervenção local, do património e dos recursos humanos afetos às delegações regionais”. Ao SICAD foi atribuída a missão de “promover a redução do consumo de substâncias psicoativas, a prevenção dos comportamentos aditivos e a diminuição das dependências”, com competências atribuídas somente ao nível do planeamento, da investigação e monitorização dos programas de combate à toxicodependência, alcoolismo e outras dependências. A separação da vertente do planeamento e da investigação da vertente operacional, sem nenhuma fundamentação técnica e científica, só revela a fragilidade da solução adotada pelo XIX Governo constitucional, assim como o seu objetivo de destruir a estratégia seguida até então. Ou seja, uma estratégia integrada, global e coerente das políticas públicas na área da toxicodependência, do alcoolismo e outras dependências. Estratégia que permitiu o reconhecimento mundial do modelo português.
Para este reconhecimento concorreram vários factos: a aprovação da Lei 30/2000, de 29 de Novembro (que define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a proteção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica), conhecida pela lei da descriminalização do consumo de drogas; a criação das Comissões de Dissuasão para a Toxicodependência (CDT), e a atuação em todos os domínios, isto é, da prevenção, à dissuasão, à redução de riscos e minimização de danos, ao tratamento e à reinserção social.
Aquando da decisão, o PCP alertou para as consequências negativas que comportava tal orientação. Mais uma vez, a realidade veio dar razão ao PCP. Passados quase quatro anos da implementação da decisão estão bem à vista as consequências na capacidade de resposta dada pelos serviços. Incapacidade que foi recentemente traduzida na “Declaração de Aveiro”.
Na Declaração de Aveiro, é afirmado pelos subscritores (todos profissionais) que o que existiu foi uma “fragmentação das respostas por parte dos serviços, porventura por via de uma avaliação deficitária da cultura organizacional, metodologias e de intervenção da instituição anterior [IDT], que conduziram a uma desmotivação de profissionais, com saídas e recolocação de pessoas qualificadas e experientes, a uma falta de uniformidade de atuação no todo nacional, e por isso mesmo dificultando a prestação de melhores cuidados de saúde aos utentes.”
No seguimento da Declaração de Aveiro, os profissionais elaboraram um documento- Proposta de Rede para a Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências – no qual afirmam que “o insucesso do processo de integração nas A.R.S. e a progressiva destruição da Rede de Serviços do ex-I.D.T., está a desestruturar os cuidados às pessoas com C.A.D. [comportamentos aditivos e dependência], seus familiares e comunidade em geral, com o espectro de preocupantes consequências para a saúde individual, para a saúde pública, para a segurança percecionada pelas populações, em resumo para a qualidade de vida na nossa comunidade”.
No que respeita à fragmentação do modelo de intervenção em CAD, o documento atrás aludido refere que se “assiste hoje a assimetrias regionais na prestação de cuidados aos doentes pela falta de um serviço nacional e vertical. Deixou de haver um padrão assistencial comum, uniforme e consistente”. E, conclui “esta fragmentação e avaliação deficitária quer da cultura organizacional quer das metodologias de intervenção observadas na instituição anterior, poderão ter conduzido a um elevado nível de desmotivação e saída de alguns profissionais qualificados e experientes, criando com isso um conjunto de dificuldades na prestação de melhores cuidados de saúde aos doentes”.
A saída de profissionais sem a sua substituição conduziu à redução das equipas e comprometeu seriamente a prestação de cuidados de saúde aos utentes. O facto de não haver renovação de profissionais está a conduzir ao envelhecimento das equipas e corre-se o risco de a experiência e conhecimento adquiridos ao longo de vários anos poderem perder-se.
A extinção do IDT levada a cabo pelo anterior governo não foi sustentada por nenhum estudo, nem foram ouvidas as entidades e os técnicos que intervêm no terreno todos os dias. Mais, o Governo PSD/CDS-PP alterou uma estratégia de combate à toxicodependência, que comprovou estar no caminho certo e que tem sido amplamente valorizada a nível nacional e internacional, dando um visibilidade muito positiva do país no exterior.
Face às necessidades e às inúmeras carências identificadas, é imperioso que sejam adotadas medidas que invertam esta tendência de destruição da resposta pública na área dos comportamentos aditivos e das dependências.
Neste sentido, defendemos a existência de uma resposta pública eficaz e coerente no que respeita às áreas da toxicodependência, alcoolismo e outras dependências, a qual passa pela criação de entidade nacional que seja responsável por todas as vertentes de intervenção – prevenção, dissuasão, redução de riscos e minimização de danos, tratamento e reinserção social. Uma entidade pública que seja responsável pelo planeamento, investigação e definição das linhas estratégicas, mas também pela sua operacionalização no terreno. Uma entidade especializada, com competências técnicas e científicas. Uma entidade que seja dotada dos recursos humanos, técnicos e financeiros que permitam o reforço da resposta pública nas áreas da toxicodependência, alcoolismo e outras dependências.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que:

1. Crie no âmbito da Administração Pública uma entidade, dotada de autonomia administrativa e financeira, que tenha como missão a coordenação, o planeamento, a investigação e a intervenção no combate à toxicodependência, ao alcoolismo e a outras dependências, que integre as vertentes da prevenção, da dissuasão, da redução de riscos e minimização de danos, do tratamento e da reinserção social;
2. Faça um levantamento dos constrangimentos no acesso ao sistema de prestação de cuidados, designadamente de eventuais listas de espera;
3. Contrate os profissionais em falta nos Centros de Respostas Integradas e respetivas equipas de prevenção, tratamento, redução de riscos e minimização de danos e de reinserção social, nas Unidades de Desabituação, nas Comunidades Terapêuticas, nas Unidades de Alcoologia e ainda nas Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência, para o desenvolvimento eficaz do modelo integrado de intervenção;
4. Adapte e amplie a rede pública de serviços na área da toxicodependência, do alcoolismo e outras dependências face às necessidades de cada região, priorizando a intervenção de proximidade;
5. Assuma as competências de licenciamento e acompanhamento de respostas dos setores social e privado, com a possibilidade de celebração de contratos de convenção numa perspetiva de complementaridade, e que assegure a gestão do Plano Operacional de Respostas integradas;
6. Proceda a um levantamento das carências em termos das infraestruturas onde estão a funcionar os Centros de Respostas Integradas e as Equipas de Tratamento e elabore um plano de realização das obras e intervenções necessárias, abrindo a possibilidade de recurso aos fundos comunitários para a sua concretização.

Assembleia da República, em 14 de junho de 2016

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