Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

PCP propõe que o Estado Português se desvincule e se afirme contra o ACTA

O PCP propôs que o Estado Português se desvincule e se afirme contra o Acordo Comercial Anti Contrafação - ACTA. João Oliveira afirmou que este acordo é um atentado aos direitos e liberdades dos cidadãos.
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Recomenda ao Governo que se desvincule e se afirme contra o Acordo Comercial Anticontrafação — ACTA
(projeto de resolução n.º 274/XII/1.ª)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
O PCP apresenta hoje um projeto de resolução recomendando ao Governo português que se desvincule do Acordo Comercial Anticontrafação, designado por ACTA.
Fazemo-lo porque este é um acordo cujas linhas foram estabelecidas de forma não democrática, sendo justificado pelos seus autores como uma resposta ao aumento da circulação global de bens falsificados e da pirataria de obras protegidas mas que, na verdade, o que pretende fazer é legalizar processos de vigilância e de espionagem sobre a vida dos cidadãos.
Este é um acordo antidemocrático que foi discutido e negociado nas costas dos cidadãos, nas costas das instituições que representam os cidadãos no espaço europeu e, por isso, deve ser rejeitado por princípio, porque não podemos aceitar que acordos desta natureza, discutidos de forma antidemocrática, possam sequer chegar a ver a luz do dia. Mas a verdade é que 22 Estados-membros da União Europeia subscreveram este acordo, entre os quais o Estado português, pela mão do atual Ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas.
Sr.as e Srs. Deputados: Este acordo, a pretexto do combate à contrafação, estabelece, de facto, medidas de vigilância e de espionagem dos cidadãos que vão desde a vigilância sobre a transação de dados informáticos, através dos fornecedores de serviços de acesso à Internet, até à revista de bagagens pessoais.
Importa aqui dizer, relativamente à contrafação, para que não haja dúvidas, o seguinte: o PCP tem, não só na Assembleia da República mas também no Parlamento Europeu, levantado inúmeras vezes a necessidade de serem estabelecidas medidas de combate à contrafação, em particular de combate à contrafação com a qual a União Europeia tem convivido, de produtos nacionais, como seja o caso do vinho do Porto e também medidas de combate à entrada de produtos têxteis, que põem em causa os interesses nacionais e os interesses das empresas portuguesas.
O que não pode acontecer é que, a pretexto do combate à contrafação, sejam estabelecidas medidas que violam a privacidade e os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos.
Relativamente ao combate à pirataria, Sr.as e Srs. Deputados, o PCP apresentará, dentro de poucos minutos, na Assembleia da República, o primeiro projeto de lei que institui o regime legal de partilha informática de ficheiros de obras protegidas na Internet.
Com essa iniciativa, procuraremos dar uma resposta aquela que é, por um lado, a defesa da livre circulação do conhecimento e da cultura e, por outro, a justa remuneração a garantir aos autores, artistas, intérpretes e outros titulares de direitos sobre as obras culturais.
Com este projeto de lei, iremos contribuir para que esta Assembleia da República tome nas suas mãos aquela que é a sua competência em resposta a essa questão que, tantas vezes, é designada como a pirataria na Internet.
Aquilo que não podemos assumir é que o Estado português se comprometa com um Tratado desta natureza, que, a pretexto do combate à pirataria, põe, sim, em causa os direitos fundamentais dos cidadãos. Essa é a proposta que aqui trazemos, ou seja, que o Governo português se desvincule do acordo antidemocrático e violador dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr. Deputado João Serpa Oliva,
O Sr. Deputado disse que o PCP só agora é que se lembrou desta matéria mas quero referir-lhe que, desde março de 2010, no Parlamento Europeu, o Eurodeputado João Ferreira tem colocado insistentemente perguntas sobre as negociações que, na altura, estavam em curso. Mas, como o Sr. Deputado sabe, era no Parlamento Europeu que essa questão tinha de ser colocada porque era ao nível da União Europeia que as negociações estavam a decorrer.
Há uma segunda questão, Sr.ª Deputada Mónica Ferro e Sr. Deputado Serpa Oliva: o que estamos hoje a tratar é de um Acordo em relação ao qual o Governo português se vinculou. É certo que as negociações foram garantidas pelo anterior governo, do Partido Socialista, mas foi este Governo que, em janeiro deste ano, o subscreveu, vinculando-se àquele Acordo.
E podiam não o ter feito porque, tal como decidiram cortar subsídios de Natal ao fim de duas semanas de terem tomado posse, também podiam ter decidido não se vincular a um Acordo que viola a privacidade dos cidadãos, viola a livre circulação da informação e do conhecimento.
Sr.as e Srs. Deputados, acabei por chegar tarde a esta sessão porque, tal como o Sr. Deputado João Serpa Oliva, estive na Sala do Senado a ouvir a Sr.ª Comissária Viviane Reding. E se os Srs. Deputados ouviram com a mesma atenção com que eu ouvi aquilo que a Sr.ª Comissária acabou de dizer há uma hora atrás naquela Sala, percebem que não há motivos para despreocupação.
O que a Sr.ª Comissária disse foi que, no entender da Comissão Europeia, em relação ao ACTA, não há conflito entre o direito à propriedade e o direito à privacidade dos cidadãos…
Quando uma Comissária europeia diz que não há conflito entre o direito à propriedade e o direito à privacidade dos cidadãos; quando uma Comissária europeia entende que as previsões deste Acordo não põem em causa a reserva da intimidade da vida privada, não põem em causa o direito à privacidade dos cidadãos, está tudo dito!
O Governo português tem mesmo de se desvincular porque, se ficarmos à espera das instituições europeias, essa desvinculação nunca vai acontecer.

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