Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

PCP propõe a proibição de os bancos alterarem unilateralmente taxas de juro e outras condições contratuais

Proíbe os bancos de alterar unilateralmente taxas de juro e outras condições contratuais
(projeto de lei n.º 52/XIII/1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A relação entre os bancos e as pessoas é uma relação desigual, porque a parte mais forte é sempre a que dispõe de mais poder negocial. E, no caso, são manifestamente, os bancos.
No caso de existir necessidade de contrair um empréstimo junto de um banco, o cliente está sempre numa posição mais frágil, por força também da crescente substituição do rendimento por crédito. Ou seja, na medida em que os salários não acompanham o aumento do custo de vida e os custos dos bens essenciais, nomeadamente os da habitação, aumenta a dependência dos cidadãos em relação ao crédito.
Os portugueses ficam, assim, na dependência de um sistema bancário quase totalmente privado ou gerido como tal e à luz das regras da concorrência da economia em mercado livre, ou seja, regras que pouco fazem distinguir a concorrência da cartelização. O sistema bancário assume a posição forte que lhe permite impor as suas próprias regras e preservar, à custa das empresas e das famílias, a rendibilidade da sua atividade.
A situação atual junta os efeitos de uma crise financeira a uma prática que vem sendo conhecida da banca, que é a da alteração das condições do crédito atribuído em função de fatores múltiplos, que podem ir desde a alteração da conjuntura económica à alteração da situação do devedor. Ou seja, os bancos encontram formas de passar exclusivamente para os clientes os riscos associados à sua própria atividade, principalmente se o cliente não for um grande grupo económico. Nesse caso, como vimos no BPN, no BES e, até, em outros casos, praticamente não são colocadas quaisquer exigências ao cliente e, muitas vezes, o crédito acaba vencido sem qualquer esforço de cobrança.
O PCP entende que é necessário introduzir um conjunto de normas que obriguem os bancos a refletir nos seus produtos e serviços de crédito a evolução das taxas de juro de referência, quando os mesmos se encontram indexados, bem como a assumir o risco próprio de qualquer negócio em que a flutuação dos preços se reflete na internalização de custos, sem a respetiva transferência para os clientes. Ou seja, se a taxa de juro indexante for negativa, o cliente deve sentir essa diminuição na sua prestação mensal, abatendo-se ao spread cobrado pelo banco.
Como já referido, é também conhecida a prática da banca de impor cláusulas contratuais condicionadas às condições de contexto. Esta prática acontece, nomeadamente, no crédito ou nas contas correntes dirigidas às micro, pequenas e médias empresas. Face à forte dependência que estas empresas apresentam destes instrumentos financeiros para a sua gestão de tesouraria, este comportamento da banca representa, de facto, uma prática de abuso de dependência económica e financeira que deverá ser clarificada e proibida, de forma inequívoca, pela lei.
O que o PCP propõe, no essencial, é que os bancos não possam mudar as regras a meio do jogo, que um cidadão ou uma família não possa ver alteradas as condições do seu empréstimo, nomeadamente no plano do spread cobrado, e que uma pequena ou média empresa não possa estar sujeita a flutuações nas condições da conta corrente ou dos créditos por qualquer alteração do contexto económico, julgada, determinada e avaliada pela própria instituição bancária que concede o crédito.
No essencial, e para terminar, só o controlo público da banca pode colocar a banca ao serviço do País e das necessidades das pessoas e das empresas e só esse controlo público pode introduzir regras que façam dos bancos um mecanismo de apoio à economia e não um sorvedouro da riqueza criada.
Contudo, no contexto atual, muito aquém ainda do controlo público, é preciso dizer, claramente, que a banca não pode fazer o que lhe apetece.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Agradeço as intervenções e os contributos e, certamente, questões de pormenor poderão ser tratadas na especialidade.
Quero, apenas, deixar o seguinte registo: o PSD e o CDS, neste debate, assumem que a negociação entre um banco e uma pessoa é uma negociação entre partes iguais e, como tal, não deve haver limites às possibilidades contratuais.
Srs. Deputados, talvez isso explique por que é que o Governo PSD/CDS governou a favor dos bancos, sacrificando a vida das pessoas.
Mas a questão objetiva é que entre um banco e um cidadão ou entre um banco e uma pequena e média empresa há uma situação de desigualdade evidente.
Sr.ª Deputada Cecília Meireles, é claro que é já hoje ilegal que um banco, unilateralmente, proceda a alterações, desde que essas alterações não estejam previstas no contrato. Repare, Sr.ª Deputada, se num contrato de um banco consigo se diz: «As condições são estas, mas…», e está lá uma cláusula que diz «… a qualquer momento posso alterá-las a meu prazer».
E a Sr.ª Deputada é obrigada, porque não tem outra opção, a assinar aquele empréstimo.
Se uma pequena e média empresa contrata com um banco uma conta corrente para gestão de tesouraria, com determinados juros em caso de conta a descoberto, e, de repente, o banco lhe altera esses juros, porque havia uma cláusula no contrato que lhe permitia fazer isso, então, isso, evidentemente, é uma alteração unilateral, porque encontrou uma via, colocando-se no contrato, de deixar de ser marginal ao contrato. Não deixamos, no entanto, de estar perante um contrato feito entre partes que não estão em igualdade.
Portanto, aquilo que o PCP propõe é que cláusulas dessa natureza, ou seja, cláusulas que abrem a porta para que os bancos façam o que querem durante a vigência do contrato não possam constar do contrato pelo simples facto de o cidadão não ter opção.
Sr. Deputado, o cidadão não tem opção entre aceitar ou não aceitar aquelas condições. Na maior parte das vezes, tem de as aceitar, precisamente por força da desigualdade entre as partes.

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