Intervenção de António Filipe na Assembleia de República, Reunião Plenária

PCP apresenta propostas à Lei da Defesa Nacional e à LOBOFA

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Senhor Presidente,
Senhor Ministro da Defesa Nacional,
Senhora e Senhores Secretários de Estado,
Senhoras e Senhores Deputados,

Nos anos 90 do século passado, a política dos 3 R - reestruturar, reorganizar e redimensionar, alimentou discursos oficiais, durante algum tempo, e gerou alguma expectativa quanto à necessidade de adequar a estrutura de umas Forças Armadas saídas da guerra colonial, à exigência do cumprimento da sua missão constitucional. Uma expectativa que rapidamente se esfumou, considerando que, no essencial, o objetivo não era reestruturar, reorganizar ou redimensionar, mas tão só centralizar e padronizar, adotando modelos de Forças Armadas dos chamados países aliados, visando, prioritariamente, uniformizar modelos de gestão sem ter em conta a história, a cultura e a tradição da nossa instituição militar.

Foi assim, nomeadamente, com a chamada “lei dos coronéis”, foi assim com a extinção do Serviço Militar Obrigatório, foi assim com as sucessivas alterações da legislação que cercearam a autonomia das Forças Armadas, nomeadamente no que se refere ao método de escolha das chefias militares, foi assim também com a elaboração de um Novo Sistema Retributivo cujos efeitos negativos ainda hoje se fazem sentir.

As sucessivas alterações às leis da Defesa Nacional e de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA), deram passos significativos no sentido de uma governamentalização, que começa, ao nível da estrutura superior, a dar nítidos sinais de poder comprometer o princípio constitucional da isenção partidária das Forças Armadas.

Essas alterações legislativas não se traduziram na melhoria da qualidade da administração, da formação, do treino e do produto operacional, nem no reforço da solidariedade e da unidade de comando no topo da hierarquia.

A limitação de meios financeiros e humanos e a degradação da Condição Militar continuam a gerar situações de mal-estar resultantes da não resolução de problemas, nomeadamente a concretização de aspirações e expectativas dos militares em relação às carreiras e ao sistema retributivo.

Ao nível do equipamento e da operacionalidade assistimos a um desfasamento entre as necessidades nacionais e os meios existentes, com o reequipamento militar submetido ao objetivo da participação nacional em missões internacionais e em forças multinacionais, num processo com reflexos negativos ao nível dos macro indicadores das Forças Armadas, que apontam para a redução da sua capacidade operacional, de manutenção dos meios e da qualificação, treino e formação do pessoal.

Os indicadores divulgados na semana passada que apontam para o crescimento do número de efetivos militares em 2020, são inseparáveis do estado de exceção que vivemos, que determinou a retenção de militares do quadro de complemento cujos contratos terminaram durante esse período, e de terem sidos chamados à efetividade militares na reserva, e não elimina nem sequer disfarça a dramática falta de efetivos das Forças Armadas, inseparável da falta de atratividade da prestação de serviço nas Forças Armadas e das carreiras militares.

A situação das Forças Armadas é consequência de um processo promovido por PS, PSD e CDS, e pelos sucessivos Governos que têm posto em prática uma estratégia de submissão à União Europeia e à NATO, criando ao longo do tempo novos laços de envolvimento e dependência das nossas Forças Armadas, no sentido de as obrigar a partilhar meios e missões de soberania, o que conduzirá, a prazo, à sua especialização e periferização não num quadro de igualdade ou reciprocidade de vantagens e defesa dos interesses nacionais, mas de subalternização aos objetivos estratégicos das grandes potências, designadamente no plano da doutrina, da formação e do treino.

Nesse sentido, a discussão que estamos a realizar hoje deveria ter sido antecipada por um amplo debate em torno do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, e das Forças Armadas que queremos para o País, cujas conclusões deveriam ter tradução nos necessários ajustamentos na organização, incluindo na estrutura superior, no dispositivo e no sistema de forças, num período determinado e com o necessário investimento.
Um debate em que queremos participar, com o nosso contributo alicerçado na ideia de que Portugal precisa de uma estratégia nacional e patriótica, sustentada num pensamento próprio e nos valores e princípios constitucionais.

É também por isso que o PCP apresenta e submete hoje a debate, propostas de alteração às leis de Defesa Nacional e à LOBOFA. Propostas que visam, entre outros aspetos, recentrar os poderes do Comandante Supremo das Forças Armadas e adequar as regras gerais do exercício dos direitos dos militares ao quadro constitucional, aproximando-os do patamar de direitos dos militares da maioria dos países da União Europeia. Mas também com o objetivo de restabelecer alguns aspetos da autonomia dos três ramos das Forças Armadas, designadamente no processo de escolha e nomeação dos militares para a sua estrutura superior.

Em matéria de direitos fundamentais dos militares e das respetivas associações representativas, bom seria que o Governo, tão cioso de acompanhar modelos de outros países da NATO e da União Europeia, também acompanhasse alguns desses países em matéria de reconhecimento de direitos socioprofissionais dos militares e remetesse de uma vez por todas para o passado histórico uma situação em que ser dirigente associativo nas Forças Armadas signifique ser discriminado, ser prejudicado na carreira ou ser alvo de perseguição disciplinar.

Quanto às propostas do Governo, por tudo o que está dito, não consideramos desejável e muito menos urgente, começar esta discussão pela estrutura superior das Forças Armadas. Em concreto, não perspetivamos ganhos de eficiência e de eficácia suficientes que justifiquem a concentração de decisões num único chefe militar, nomeadamente através da passagem do Conselho de Chefes de Estado-Maior de órgão deliberativo a órgão de consulta do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, e a consequente subalternização formal dos chefes de Estado-Maior dos ramos em decisões relativas a matérias estruturantes como o Conceito Estratégico Militar, o dispositivo e o sistema de forças militar.

E não se diga, como alguns já o fizeram que, por haver várias situações a merecerem resposta, uma coisa não deve impedir a outra, porque os factos mostram que para umas coisas houve sempre tempo e oportunidade, mas para tantas outras nunca isso aconteceu.
Este conjunto de razões justificam a nossa discordância e o nosso voto contra.

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