Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

PCP apresenta projectos para a proibição e extinção dos centros off-shore

Debate de atualidade sobre o tema Panama papers

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Pouco sabemos ainda da real dimensão dos valores que são desviados para offshore, tal como pouco sabemos sobre que interesses visa a informação sobre o Panamá, tendo em conta a sua divulgação parcial pelo consórcio internacional de jornalistas financiado quase exclusivamente por grandes corporações americanas. Ou seja, há muito mais firmas dedicadas ao branqueamento e ocultação de capitais, além da Mossack Fonseca, bem como há muito mais empresas e pessoas envolvidas nesses circuitos, além das que já foram reveladas.
A divulgação dos chamados «papéis do Panamá» revela uma pequena parte do circuito obscuro do crime, do tráfico de armas, de droga, de seres humanos, do crime económico, do saque a instituições bancárias, do branqueamento de capitais, do financiamento do terrorismo, da fuga aos impostos e desvio da riqueza. Os 2 milhões de milhões de euros que estão identificados nesta informação representam um valor superior ao da riqueza produzida em Portugal nos últimos 10 anos e são apenas uma pequena porção do valor real que circula através dessa complexa malha de offshore. A utilização dos offshore, com as práticas que lhes estão associadas, não são, contudo, uma irregularidade do sistema capitalista, são, sim, sua parte integrante e correspondem ao supremo objetivo do capitalismo de acumulação de capital.
Por isso mesmo, para o PCP, o problema dos offshore não é novo e nunca esperámos sequer por divulgações como aquelas que agora ocorreram para apresentar propostas. Só no final da passada Legislatura, o PCP propôs um plano nacional e internacional para a extinção dos offshore, a limitação e proibição de transações financeiras ou comerciais com offshore e a criação de uma unidade técnica para apurar os beneficiários finais dessa entidades, que serviram de esconderijo para os despojos do saque ao Banco Espírito Santo.
Hoje mesmo, o PCP entregou um requerimento ao Banco de Portugal para que lhe sejam fornecidos os memorandos sobre o sistema de controlo interno para a prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo sobre todo o sistema financeiro português. E entregaremos, hoje ainda, as versões atualizadas e melhoradas do projeto de resolução relativo à adoção do plano nacional e internacional para a extinção de offshore e do projeto de resolução que visa a constituição de uma unidade técnica para o apuramento dos beneficiários dos fluxos financeiros que lesaram a banca nacional.
A globalização do capitalismo, a circulação permanente e obscura de capitais, a que muitos chamam apenas globalização, facilita e promove a acumulação, dificulta ou impossibilita a fiscalização, principalmente quando, como é o caso, a fiscalização não passa de uma farsa para tranquilizar os mais ingénuos.
Mas o carácter global do problema não pode justificar a complacência. Cabe a cada povo, a cada Estado, travar no seu espaço os mecanismos que permitem a fuga.
Um Estado ao serviço dos poderosos e dos ricos facilita a fuga de capitais, deixando apenas os pobres a pagar os impostos.
Um Estado ao serviço do povo impede a fuga de capitais para que os poderosos paguem impostos como os restantes cidadãos.
Um Estado ao serviço dos poderosos fecha os olhos ao branqueamento de capitais e ainda promove os empreendedores, os agiotas e os banqueiros como cidadãos exemplares.
Um Estado ao serviço do povo impede o crime económico e pune o enriquecimento à custa do trabalho dos outros.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
A economia de mercado, tão louvada principalmente por alguns partidos nesta Assembleia, e a banca nas mãos de privados não representam, supostamente, um perigo para o interesse público porque são supervisionados.
Portanto, há entidades independentes — independentes ninguém sabe bem de quê, independentes, certamente, do interesse público, não sei se são independentes do mercado e das entidades financeiras — que supervisionam.
Mas as mesmas pessoas, os mesmos partidos que nos dizem que podemos estar tranquilos com um sistema financeiro nas mãos de privados são os que autorizam e legitimam toda uma malha de offshore que funciona como um universo paralelo, onde não há qualquer supervisão.
Se a supervisão independente já é um embuste à vista de todos e uma farsa, nesse universo paralelo constituído pelos offshore, então, nem sequer há supervisão. Portanto, todo o capital que passa do perímetro supervisionado para esse perímetro foge a qualquer malha de controlo — e a malha de controlo, como sabemos, já não é grande coisa.
Srs. Deputados, diz-se que os offshore são muito maus mas não se pode fazer nada, porque é uma coisa que está muito distante, é muito longínqua e tem de ser uma coisa internacional…
Srs. Deputados, os Estados, os povos, as assembleias, como esta, têm os mecanismos para aprovar as leis e os instrumentos para impedir a utilização destes centros de offshore. Não podemos acabar com um offshore no Panamá, é verdade. Mas podemos impedir e proibir as transferências para esses offshore, podemos impedir e proibir as transações comerciais com esse offshore e, portanto, utilizemos esses mecanismos.
O PCP propôs um plano para a ação nacional e internacional com vista à extinção dos offshore e o PSD e o CDS votaram contra.
O PCP propôs a constituição de uma unidade técnica para ir à procura dos dinheiros que saíram de dentro do BES e que lesaram o povo português em muitos milhares de milhões de euros e o PSD e o CDS votaram contra. O PCP propôs a limitação e a proibição das transações comerciais e financeiras com offshore não cooperantes e o PSD e o CDS votaram contra.
O Sr. Deputado João Galamba disse-nos agora que isto não vai lá com proclamações e indignações exaltadas, à boleia de notícias de jornais.
É verdade, Sr. Deputado, e é por isso mesmo que muito mais do que indignações exaltadas o PCP traz, desde há vários anos, à Assembleia, propostas para que seja aqui, não numa esfera intangível que os portugueses não podem controlar mas aqui, na Assembleia que os portugueses elegeram, que os problemas sobre a fuga e o branqueamento de capitais sejam resolvidos.

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