Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

PCP apresenta Comissão de Inquérito sobre a situação que envolve o BES e o GES

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Sr.a Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Os portugueses foram confrontados com o colapso do BES e do Grupo Espírito Santo, cujas repercussões económicas e financeiras, ainda não inteiramente determinadas, serão muito superiores às conhecidas em situações anteriores.

As situações do BPN, do BCP, do BPP e do BANIF eram já exemplo das práticas especulativas e de acumulação de capital que determinou o funcionamento desse setor no quadro do domínio pelos grupos monopolistas e das suas consequências para os trabalhadores, o povo e o País.

A esses casos acrescenta-se agora o do BES e GES, confirmando a forma como os grupos monopolistas desenvolveram uma rede de domínio sobre a economia e a vida nacional e de promiscuidade com o poder político, comprometendo o desenvolvimento e prejudicando os interesses nacionais.

O Grupo Espírito Santo é o resultado das privatizações de sectores e empresas estratégicas e da financeirização da economia, das políticas comunitárias de liberalização financeira e do euro forte, das políticas da livre circulação de capitais, da internacionalização, dos offshore, da banca sombra, sem ninguém que a tutele.

É o resultado da total cumplicidade do poder político na atividade predatória dos grupos bancários junto das PME (pequenas e médias empresas), dos sectores produtivos, dos seus pequenos depositantes e clientes, da evasão e elisão fiscal, por planeamento agressivo, durante anos, da captura de negócios em setores não transacionáveis, como a saúde e o imobiliário, ou das PPP.

O ruir do império Espírito Santo é um símbolo da falência da política de direita, da política de recuperação capitalista, da falência das políticas económicas de PSD, CDS e PS, que fizeram da reconstituição dos grupos económicos monopolistas o alfa e o ómega das suas políticas.

O que esta situação revela é uma realidade que não podemos aceitar.

Não aceitamos que, tal como aconteceu no BPN, depois de toda a especulação financeira, da acumulação de lucros milionários, das fraudes e dos crimes, sejam os trabalhadores e o povo a pagar a fatura.

E queremos deixar bem clara a posição do PCP relativamente a algumas questões que estão hoje colocadas na ordem do dia a esse respeito.

O PCP opõe-se à operação em curso de desvalorização e venda do banco, à venda dos ativos do grupo e à destruição dos postos de trabalho no banco e nas empresas do GES, ao escândalo da venda da Tranquilidade por 50 milhões de euros, a que querem somar a entrega de novas fatias do negócio da saúde a outros grupos ou ao capital estrangeiro.

Independentemente do apuramento de responsabilidades que é obrigatório fazer, devem ser travadas as medidas de desvalorização dos ativos do Novo Banco, que visam facilitar a sua venda e garantir a concentração de capital, dando cobertura a uma negociata destinada a sustentar a continuação da especulação com comprometimento de dinheiros públicos.

Sr.a Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, propomos esta comissão de inquérito com o objetivo de obter todos os esclarecimentos sobre esta situação que envolve o BES e o GES, sem limitações ou obstáculos, mas também com a intenção de retirar desses esclarecimentos as devidas consequências.
Interviremos neste inquérito com o objetivo de fazer com que dele resultem também as medidas que garantam que a banca e todo o setor financeiro sejam colocados ao serviço do povo e do País.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Obviamente que, sobre o funcionamento do sistema financeiro e dos grupos económicos, há nesta Assembleia da República opiniões diferentes e, em muitas circunstâncias, verdadeiramente antagónicas. Não nos iludimos, nem estamos à espera que outros partam para o inquérito assumindo as nossas posições, mas também não nos peçam para assumirmos as que não são as nossas.

Onde outros veem o funcionamento livre do mercado, uma atividade em que o Estado não se deve intrometer e que deve ficar à livre disposição dos privados, onde veem a inteira nacionalização da economia, onde veem a regulação e a supervisão a tomarem conta de tudo isso para que nada corra mal, o PCP vê coisas diferentes. O PCP vê um setor demasiado importante para o País para poder ficar subordinado a orientações de acumulação de lucro privado.

Vê um setor demasiado importante para o País para que o Estado não o possa controlar de forma a ter um mecanismo de intervenção financeira e económica que conduza Portugal a objetivos de desenvolvimento e de progresso.

Não alimentamos a ilusão de que, por via da supervisão e da regulação, se pode pôr ordem em algo que, para cumprir os seus objetivos, tem, naturalmente, de ser desordenado.

Sr.as e Srs. Deputados, o exemplo do BES deve ser esclarecido até ao fim, porque é o exemplo cabal da forma como o setor financeiro funciona hoje, orientado por esses objetivos de acumulação de lucro e de práticas especulativas.

Não é admissível que um banco possa funcionar à margem de qualquer controlo e que, orientado por esses objetivos de obtenção e distribuição de lucros e dividendos pelos acionistas, possa recorrer a práticas, sejam elas lícitas ou ilícitas, e que conduzam o banco a esta situação sem que nada o impeça.

Não é admissível que, durante anos, se vão sucedendo notícias sobre o envolvimento em situações de fraude e branqueamento de capitais, de especulação e de tráfico de influências sem que nada o impeça e sem que haja uma intervenção que impeça esse tipo de práticas.

Para terminar, não é admissível que, durante anos, a situação do BES e do GES se tenha deteriorado perante a passividade dos governos e a cumplicidade ou a inoperância complacente dos supervisores e dos reguladores, ou até mesmo perante afirmações públicas de que nada havia a temer e depois sermoa confrontados com o resultado com que fomos confrontados.

Propomos a constituição desta comissão de inquérito com o objetivo de esclarecer e caraterizar tudo o que conduziu o BES e o Grupo Espírito Santo à situação em que se encontram.

Queremos também retirar desses esclarecimentos todas as consequências para que a banca e o setor financeiro sejam definitivamente colocados ao serviço dos País e dos portugueses.

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