Declaração de João Oliveira, Membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, Conferência de Impresa

Constituição da República Portuguesa: cumprir os direitos e projecto que consagra

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O que é relevante e decisivo a respeito da Constituição é o seu cumprimento. Os projectos de revisão constitucional apresentados por PSD, IL e Chega comprovam que o processo de revisão constitucional é determinado pelo ataque ao regime democrático e aos direitos fundamentais e pelo objectivo de dar cobertura constitucional à política de direita mutilando e subvertendo a Constituição. Ao admitir e dar cobertura à possibilidade de alteração da Constituição na sequência deste processo de revisão constitucional, o PS assume uma opção com consequências graves na vida nacional e que ameaça os direitos dos trabalhadores e do povo, a democracia e o futuro do País. O PCP intervirá, a partir do seu próprio projecto de revisão constitucional, no sentido de defender os valores de Abril e aprofundar o projecto de futuro que a Constituição comporta, dando firme combate a concepções antidemocráticas que visam a imposição de retrocessos e liquidação de direitos no plano constitucional.

1 - A realidade nacional evidencia que a questão fundamental relativamente à Constituição da República Portuguesa é o seu cumprimento.

Se a Constituição fosse respeitada nos seus princípios, se fosse concretizada na sua concepção ampla de democracia política, económica, social e cultural, se os direitos e projecto que consagra fossem realidade, Portugal seria um País diferente para melhor, mais desenvolvido, com menos injustiças e desigualdades sociais, com melhores condições para enfrentar os desafios que o futuro coloca.

No cumprimento da Constituição encontra-se o sentido da resposta aos problemas imediatos que atingem o povo e o País, mas também o sentido de uma política alternativa que enfrente os graves problemas estruturais nacionais.

O que se impõe, como prioridade, é cumprir a Constituição e o que ela consagra nos direitos à habitação, à saúde, à educação, à protecção social, à cultura. É garantir que são concretizados e respeitados os direitos dos trabalhadores, dos reformados, das crianças e dos jovens. É criar condições para uma efectiva igualdade combatendo o racismo, a xenofobia e todos os tipos de desigualdades e discriminações, tal como a Constituição prevê. É prioritário cumprir o projecto que a Constituição comporta de um País soberano, desenvolvido, democrático, de respeito e efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, de participação popular na vida democrática nacional, de um País que desenvolve as suas relações internacionais a partir de uma política de paz, amizade e cooperação entre os povos.

Essas são as verdadeiras prioridades relativamente à Constituição e não podem ser ignoradas ou secundarizadas. Elas convocam a intervenção e mobilização de todos os democratas e patriotas para a sua concretização e o PCP empenhar-se-á nesse objectivo.

2 - A abertura do processo de revisão constitucional pelo Chega e o conteúdo concreto dos projectos apresentados por PSD, IL e Chega comprovam que o sentido deste processo de revisão constitucional que em breve se iniciará é determinado pelo ataque ao regime democrático e aos direitos fundamentais e pelo objectivo de dar cobertura constitucional à política de direita mutilando e subvertendo a Constituição. Essa apreciação resulta, não tanto da circunstância de ter sido o Chega a desencadear o processo de revisão mas, sobretudo, do conteúdo concreto do que é proposto.

É particularmente significativo que o PSD, confirmando o seu papel e responsabilidades na política de retrocesso social e declínio económico que impôs ao País ao longo de décadas, tenha apresentado um projecto de revisão constitucional com propostas de carácter antidemocrático e reaccionário que nunca antes tinha apresentado, revelando uma linha de subalternização, dependência e mesmo colagem aos posicionamentos mais reaccionários, demagógicos e antidemocráticos assumidos pelo Chega e a IL.

As opções de PSD, IL e Chega estão bem visíveis no texto dos projectos que apresentaram e em que, todos em conjunto ou cada um à vez, fixam como alvo do seu ataque os valores de Abril, as liberdades democráticas e os direitos conquistados com a Revolução e consagrados pela Constituição.

É o carácter antidemocrático das opções de PSD, IL e Chega que justifica a apresentação de propostas que deliberadamente branqueiam o fascismo e escancaram as portas à acção dos seus herdeiros; que admitem a limitação de liberdades com a facilitação do recurso ao estado de excepção; que legalizam a devassa de informações relativas às comunicações dos cidadãos por parte dos serviços de informações; que admitem o regresso da "fichagem" de pessoas e famílias com a recolha de informações pessoais; que condicionam o pluralismo da expressão política democrática limitando as possibilidades de representação institucional; que reabilitam o recurso a penas perpétuas e tratamentos cruéis ou degradantes para os condenados; ou que recuperam os expedientes inquisitoriais de inversão do ónus da prova em matéria criminal.

É o carácter reaccionário e retrógrado das opções de PSD, IL e Chega que sustenta propostas que eliminam direitos das comissões de trabalhadores; que apagam as responsabilidades do Estado e liquidam direitos sociais na saúde, na educação ou na habitação, substituindo os direitos pela lógica do negócio apenas ao alcance de quem o possa pagar; de propostas que condicionam ainda mais a possibilidade do Estado dispor dos meios e recursos necessários ao cumprimento das suas funções sociais, incluindo meios financeiros e orçamentais; ou de propostas que põem em conflito diferentes gerações de portugueses para justificar a negação de direitos no presente e no futuro.

São estes os objectivos reaccionários e antidemocráticos que determinam a abertura do processo de revisão constitucional, a que a maioria absoluta do PS decide dar aval e possibilidades de concretização.

3 - Ao admitir a possibilidade de alteração da Constituição na sequência deste processo de revisão constitucional, o PS assume uma opção com consequências graves na vida nacional e que ameaça os direitos dos trabalhadores e do povo, a democracia e o futuro do País.

Mesmo que aproveite o processo de revisão constitucional para empolar diferenças e divergências com PSD, IL e CH a propósito de algumas das suas propostas, a verdade é que a admissão pelo PS da possibilidade de se concretizarem alterações à Constituição é em si reveladora de uma convergência que só pode ser feita em prejuízo dos trabalhadores, do povo, do País e do projecto de democracia que a Constituição consagra.

A circunstância de o próprio projecto de revisão constitucional do PS admitir a possibilidade de limitação geral de liberdades, mesmo que sem recurso ao estado de excepção, e prever também a devassa de informações relativas às comunicações dos cidadãos por parte dos serviços de informações é já um prenúncio daquilo que pode vir a constituir a base de um entendimento mais alargado entre PS e PSD para a mutilação e subversão da Constituição.

4 - Tendo sido desencadeado o processo de revisão constitucional, o PCP intervirá, a partir do seu próprio projecto de revisão constitucional, no sentido de defender os valores de Abril e aprofundar o projecto de futuro que a Constituição comporta, dando firme combate a concepções antidemocráticas que visam a imposição de retrocessos e liquidação de liberdades e direitos no plano constitucional.

As principais alterações constantes do projecto de revisão constitucional do PCP são as seguintes:

  • A eliminação das normas que permitem a sistemática transferência da soberania nacional para as instituições da União Europeia e que admitem a prevalência das normas emanadas da União Europeia sobre o Direito interno, incluindo a própria Constituição.
  • A exigência de parecer vinculativo da Assembleia da República para que o Estado português se vincule na União Europeia em matérias da sua competência.
  • A eliminação da subordinação da Constituição Portuguesa à jurisdição do Tribunal Penal Internacional garantindo a plena competência dos tribunais portugueses para o julgamento de crimes contra a Humanidade;
  • A constitucionalização do Conselho Consultivo das Comunidades Portuguesas;
  • A garantia dos direitos fundamentais dos imigrantes;
  • A garantia do direito de voto dos cidadãos estrangeiros em eleições autárquicas, eliminando a actual exigência de reciprocidade;
  • A garantia de que o acesso à justiça e aos tribunais não possa ser condicionado ou denegado pela sua onerosidade ou por insuficiência de meios económicos;
  • A criação de um recurso constitucional de amparo contra quaisquer actos ou omissões dos poderes públicos que lesem directamente direitos fundamentais; 
  • A fixação dos mandatos do Procurador-Geral da República, do Provedor de Justiça e do Presidente do Tribunal de Contas, em seis anos, não renováveis;
  • A eliminação da possibilidade de aplicação de prisão disciplinar aos militares em tempo de paz e fora de missões militares;
  • A reposição da inviolabilidade do domicílio à noite salvo em situação de flagrante delito;
  • A retoma da proibição da extradição de cidadãos nacionais, bem como de cidadãos estrangeiros nos casos em que se apliquem nos países de destino penas de prisão perpétua ou de duração indeterminada;
  • A constitucionalização do direito dos jornalistas a não praticar actos profissionais contrários à sua consciência;
  • O alargamento do direito de petição aos órgãos das autarquias locais;
  • O reforço do direito à contratação colectiva e proibição da caducidade automática das convenções colectivas de trabalho;
  • A valorização do salário mínimo nacional;
  • A redução progressiva do horário de trabalho sem perda de direitos;
  • A especificação de garantias especiais da retribuição dos trabalhadores;
  • A consagração do direito à estabilidade dos vínculos laborais;
  • A garantia de vínculo público de nomeação dos trabalhadores da Administração Pública;
  • A garantia do carácter público, universal e solidário da segurança social;
  • A valorização das pensões e reformas e a protecção dos direitos adquiridos em matéria de segurança social;
  • A constitucionalização de um rendimento mínimo de subsistência a todos os cidadãos;
  • A gratuitidade dos cuidados de saúde, através de um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito.
  • A gratuitidade de acesso à educação pré-escolar e a todos os graus de ensino;
  • A substituição da referência a “menores” por “crianças e jovens” de acordo com os instrumentos de direito internacional relativas à protecção de crianças e jovens;
  • A protecção da casa de morada de família contra despejos;
  • A consagração inovadora do direito de todos os cidadãos à água e ao saneamento básico;
  • A introdução de um artigo inovador sobre política de pescas e do mar;
  • A garantia da soberania e segurança alimentares;
  • A consagração da defesa do mundo rural; 
  • A atribuição ao Presidente da República de competências na área dos serviços de informações;
  • A consagração constitucional do direito à protecção social dos antigos combatentes;
  • A possibilidade de submissão a referendo da aprovação de convenções internacionais, salvo quando relativas à paz e à rectificação de fronteiras.
  • A intervenção obrigatória do Governo, da Assembleia da República e do Presidente da República na decisão de envio de forças militares para o estrangeiro;
  • A eliminação da possibilidade de diminuição do número de deputados da Assembleia da República, bem como da possibilidade de existência de círculos uninominais;
  • O aumento das matérias incluídas na reserva de competência da Assembleia da República;
  • A eliminação da exigência de maiorias qualificadas de dois terços para a designação de titulares de órgãos externos por parte da Assembleia da República;
  • A elevação das leis das finanças locais e das finanças das regiões autónomas à categoria de leis orgânicas;
  • A consagração da possibilidade da Assembleia da República suspender a aplicação de decretos-leis do Governo quando submetidos a Apreciação Parlamentar;
  • O reforço da autonomia do Ministério Público;
  • A audição dos partidos representados nas Assembleias Legislativas das regiões autónomas para a nomeação e exoneração do Representante da República;
  • A aplicação do regime de incompatibilidades e impedimentos da Assembleia da República e do Governo às assembleias das regiões autónomas e aos governos regionais;
  • A garantia de eleição directa das câmaras municipais;
  • A eliminação da exigência de referendo para a criação de regiões administrativas;
  • A consagração da natureza civil de todas as forças de segurança e a eliminação das restrições constitucionais ao direito à greve dos seus profissionais.

É nos valores de Abril que se encontram as soluções para o futuro do País, será em sua defesa que o PCP irá lutar neste processo de revisão constitucional.

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