Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhores membros do Governo,
Mais uma vez, a Assembleia da República acolhe parte deste ritual de submissão do país ao poder supranacional de Bruxelas.
Cumpre-se o cerimonial com a apresentação pelo Governo de um Programa dito de Estabilidade, apontando cenários, critérios, metas, que servem no fundamental para mostrar e “validar” junto de burocratas que hão de carimbar um “visto prévio”. Virá a autorização superior às opções orçamentais, que deveriam ser uma expressão de soberania – mas que são de subordinação.
Seguindo a cartilha do Semestre Europeu e do Pacto dito de Estabilidade e Crescimento, temos assim a apresentação de um programa que traz a “estabilidade” no nome, mas que a nega ao país.
Porque a pergunta deve ser feita: estabilidade para quem?! Para os trabalhadores, os reformados, que veem o salário ou a pensão cada vez mais curtos para uma vida digna?
Estabilidade para os profissionais – e os utentes! – do Serviço Nacional de Saúde e da generalidade dos serviços públicos, dos transportes à segurança social, onde a falta de meios é crónica e a carência de pessoal é gritante?
Estabilidade para as micro e pequenas empresas, para os sectores produtivos, esmagados pelos grupos económicos nos custos e na concorrência desleal e por uma degradação cada vez mais grave do poder de compra e da procura interna?
A “estabilidade” que aqui se discute, senhores deputados, é a estagnação no investimento, é o congelamento dos salários, é o retrocesso nos direitos sociais e económicos perante o garrote dos constrangimentos da política orçamental imposta pela União Europeia.
O Governo PS assume-se como entusiasta defensor dessa obsessão do défice, como o alfa e o ómega da nossa existência – agravando as restrições precisamente quando os problemas são mais gritantes e exigem respostas e recursos.
Nas “contas certas” do PS e do Governo, a resposta aos problemas nacionais não conta – só a obediência cega a Bruxelas e aos mercados.
É esse o caminho que o Governo segue de forma acrítica. Esquecendo que, nos últimos 20 anos, com a adoção das regras do Euro (bem presentes nos documentos agora apresentados), a dívida pública portuguesa disparou, a economia praticamente estagnou (com largos períodos de recessão), o investimento caiu, os serviços públicos degradaram-se, a precariedade, o desemprego e a exploração aumentaram.
Insistir neste rumo corresponderá ao aprofundamento das políticas que fragilizaram e acentuaram a dependência do País.
E de resto coloca-se ainda a incontornável questão da credibilidade da fundamentação dessas opções – com a infame doutrina das inevitabilidades – com previsões do Governo que o próprio Governo desmente.
O Governo prevê uma taxa de inflação de 2,9% em 2022 e de 4,2 no cenário adverso, previsões já ultrapassadas pela realidade. As projeções do Banco de Portugal apontam para uma inflação de 4% em 2022 – valor que o Governo já assume, na proposta de OE para 2022, que pode ir até 5,9%.
O cenário macroeconómico apresentado não tem qualquer correspondência com a realidade, sobretudo num contexto de instabilidade e incerteza no plano internacional.
Olhando para tais cenários, para a realidade nacional e para as prioridades, algumas delas já afirmadas pelo próprio Governo, então a conclusão é óbvia: os critérios e opções do Pacto de Estabilidade são contrárias ao interesse nacional.
Aliás, é particularmente revelador que o Governo venha tentar impor a reescrita da História, repetir falsidades já desmentidas, passando as culpas para o PCP pela recusa e pelas dificuldades sistemáticas que o Governo sempre colocou ao aumento das pensões de reforma, que o PCP propôs e defendeu – e que foi (e é) o Governo PS a travar.
Esperava-se que o Governo tivesse mais respeito pelos reformados portugueses – e mais respeito pela verdade!
Está cada vez mais claro para que serve afinal a maioria absoluta. Mas não deixaremos de afirmar e defender outra política, e outra forma de estar na política. Se o Sr. Ministro das Finanças quer mesmo dizer que fala verdade, tem de deixar de dizer do PCP aquilo que disse.
Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhores membros do Governo, o país não está condenado a este caminho sem saída.
Como o PCP sempre afirmou, são os interesses nacionais que devem prevalecer nas decisões políticas e não a submissão à moeda única e a outras imposições da União Europeia.
Hoje, mais do que nunca, responder aos problemas do presente e preparar o país para o futuro reclama outras opções e outra política:
A opção pela valorização dos direitos e salários dos trabalhadores como condição e objetivo de desenvolvimento económico e social, pela elevação da proteção social, por melhores reformas e pensões.
A opção pelo controlo e fixação de preços máximos para os bens essenciais, nomeadamente nos combustíveis, na eletricidade, no gás, nos produtos alimentares.
A opção pela redução da dívida pública por via de um maior crescimento económico, articulada com a perspetiva de recuperação da soberania monetária, libertando recursos para o investimento e serviços públicos.
A opção pela defesa do aparelho produtivo nacional, substituindo importações pela produção nacional, criando emprego, diminuindo a dependência e exposição externas, dinamizando o tecido económico, em particular as micro, pequenas e médias empresas.
A opção pelo reforço dos serviços públicos, do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública, dos transportes públicos; dos apoios sociais, da cultura, da promoção de oferta pública de habitação; da rede pública de creches e de outros equipamentos sociais como os lares; das estruturas para o desenvolvimento científico e tecnológico, e dos instrumentos para a coesão do território e para a defesa da floresta e do mundo rural.
São opções fundamentais para um Portugal soberano e desenvolvido. E a coragem política de assumir esse caminho implica desde logo recusar as opções assentes na submissão à União Europeia e ao Euro, bem como os instrumentos de condicionamento do país daí decorrentes, afirmando o direito soberano do Estado português a decidir do seu futuro.