Intervenção de Silva Santos, Encontro Nacional do PCP sobre a saúde em Portugal

A saúde pública num Portugal soberano e desenvolvido

A saúde pública num Portugal soberano e desenvolvido

A saúde e ao bem-estar dos portugueses são um bem inestimável que queremos valorizar, proteger e promover. A saúde individual e colectiva é um bem público instituído constitucionalmente como um direito básico inalienável.

Todos nós trabalhadores, activos ou inactivos, sabemos que o nosso valor como produtores está directamente relacionado com os nossos saberes e capacidades físicas e intelectuais, e também, com o nosso estado de saúde. Ser saudável não é somente não estar doente, é também ser portador de conhecimentos e de experiência para, a todo o momento, saber gerir a relação connosco própria e com o mundo real de modo a garantir a homeostasia em saúde e a satisfação pessoal e profissional.

É hoje incontornável afirmar que a saúde está em todas as políticas, desde educação e o ensino até à economia e, em particular, nas políticas do trabalho e nas funções sociais do estado. Por isso valorizar a saúde pública está intrinsecamente ligado à criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, nomeadamente, a protecção da infância, da juventude e da velhice, pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva escolar e popular.

As grandes finalidades da promoção e protecção da saúde e a prevenção da doença fazem parte do Serviço Nacional de Saúde que também inclui o tratamento da doença e sua reabilitação bem como outras formas de manutenção do melhor estado de saúde possível ao longo da vida.

As relações entre as diversas políticas de direita neoliberal, conservadoras e anticivilizacionais e os efeitos negativos sobre a saúde são evidentes e mensuráveis. A actual crise geral da sociedade capitalista está a provocar uma verdadeira hecatombe humanitária.

O fardo da doença atribuído às políticas de direita impostas aos portugueses não pára de aumentar. Sacrifica-se a saúde das pessoas à dita «saúde» do capital. Para que queremos o bem-estar dos bancos, das grandes empresas multinacionais e dos grandes aglomerados capitalistas se tal desígnio tem de ser feito à custa do sofrimento e da desgraça dos povos? Por absurdo último chegaremos à situação de os produtores, na miséria total, despojados de todos os direitos incluindo o direito à saúde, não serão mais capazes de contribuir para a mais-valia que o capital se apropria, de forma contumaz, da única fonte de riqueza o trabalho humano.

Para o sistema capitalista moderno os gastos com a saúde das populações e nomeadamente com os produtores activos são custos do processo de produção que na perspectiva da maximização do lucro devem ser limitados ao mínimo básico para manter disponível a força de trabalho. Assim nasceu na Alemanha o sistema de seguros de doença do final do século XIX, modalidade que até hoje tem afloramentos ou é a base de alguns sistemas de saúde do mundo capitalista e que alguns querem ver regressado ao nosso país. O financiamento é feito na base dos rendimentos do trabalho pago pelo trabalhador ou pela entidade patronal. É de forma visível um custo do trabalho.

Depois da Segunda Grande Guerra alguns países com a Inglaterra pioneira, adoptaram o sistema integrado de cuidados de saúde de influência soviética, em que o financiamento é estatal baseado essencialmente nos impostos. É um serviço global para toda a população tendencialmente equitativo, mais humano e mais justo e economicamente mais efectivo. A administração pública assume ao mesmo tempo a função prestadora de cuidados e a função financiadora e reguladora o que permite o planeamento orientado para as necessidades reais das populações.

O nosso querido Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma versão criativa desta modalidade de serviços que atingiu altos níveis de qualidade, efectividade e satisfação pelos cuidados de saúde e de doença prestados, de uma forma descentralizada e acessível por todo o território nacional.

Os méritos do SNS, que nasce em condições políticas favoráveis da Revolução de Abril, foram postos à prova quase desde a sua origem. Tem resistido aos mais diversos ataques e armadilhas, muitas vezes apresentadas como medidas para o melhorar, regenerar, aprofundar ou mesmo sustentar.

No essencial as principais linhas estratégicas de ataque da direita, e que agora sofrem um agravamento pela mão do governo PS, têm sido: o subfinanciamento crónico, a desorganização estrutural, a ausência de planeamento e a restrição de recursos humanos e materiais. As principais consequências visíveis são a baixa significativa da acessibilidade, o aumento dos custos com a doença, o agravamento das doenças crónicas com mais episódios de agudização não tratados, o mensurável aumento do sofrimento e da doença mental e a provável degradação a curto e médio prazo dos macros indicadores de saúde em particular das taxas de mortalidade geral e específica das doenças crónicas.

O SNS cronicamente endividado passa a ser um SNS na penúria. Os hospitais e centros de saúde já estão a viver o pesadelo da míngua de meios.

Desde há muito que está diagnosticado que o subfinanciamento é a causa primeira das ineficiências e desperdícios limitativa da prestação de cuidados oportunos e ajustáveis às necessidades e por isso de qualidade. Na verdade a cadeia de disfunção económica provocada tem sido usada para pôr em causa a sustentabilidade financeira dos serviços de saúde, mas não é mais que o resultado de escolhas políticas para liquidar o SNS. O corte danoso dos recursos financeiros do SNS é acompanhado de uma bárbara transferência de responsabilidade para os doentes através de taxas ditas moderadoras que cada vez mais serão co-pagamentos, aumento dos custos com medicamentos, os transportes e outros bens de saúde.

Pedra de toque da saúde pública é o planeamento das actividades e acções a desenvolver de forma ordenada, interactiva e integrada. Ora a ausência de planeamento transparente da estrutura geral e particular dos equipamentos de saúde sempre foi campo para desacertos e desequilíbrios da instalação de novos hospitais e centros de saúde e, actualmente, é campo para encerramentos e agrupamentos insensatos e mesmo irresponsáveis que leva a uma clara desorganização de serviços públicos com diminuição da acessibilidade aos cuidados de saúde e de doença e um claro favorecimento dos prestadores privados.

Os recursos humanos em saúde, médicos, enfermeiros, técnicos e administrativos são a componente mais valiosa do SNS pelo que a forma incompetente, quase provocadora, como têm sido geridos é ou devia ser considerado crime de lesa a saúde pública.

Passados quase 40 anos de SNS, continua a não existir um planeamento formativo de base e ao longo da vida que responda às necessidades de recursos humanos, minimamente estruturado a longo prazo. No que diz respeito à gestão dos recursos existentes a política tem sido a destruição das carreiras profissionais, a desorganização do tempo de trabalho, o corte nos direitos de remuneração do trabalho complementar próprio dos serviços de saúde que funcionam todos os dias. Tudo isto tem como resultado final a desmotivação profissional e pessoal e as reformas antecipadas aparecem como salvadoras do martírio do trabalho sem condições. Os profissionais de saúde, no entanto, resistem e têm sido eles que, dentro do possível, têm travado o desmando, salvaguardando a qualidade dos cuidados prestados.

Sem dúvida o ponto crítico resultante do ataque ao direito fundamental à saúde é a perda de acessibilidade. A criação de filas de espera cada vez mais longas, dificuldades de marcação de consultas e exames, restrição ao transporte doentes, meios de diagnóstico e tratamento cada vez mais afastados dos utentes, tudo isto provocado pelo encerramento de serviços e estabelecimentos e pela redução dos profissionais médicos e enfermeiros. O número de médicos nos centros de saúde continua sem aumentar significativamente, criando maior sobrecarga de trabalho sobre os que estão ao serviço. Mais de setecentos e cinquenta mil utentes ainda não tem médico de família atribuído. No que diz respeito à enfermagem nos cuidados primários a situação é mais calamitosa visto que há longos anos que os lugares nos quadros não são preenchidos, existindo muitos profissionais no desemprego que, sem outra solução, emigram.

Mas a estratégia neoliberal não deixará de tudo fazer para sangrar e capturar o SNS a favor do capital e dos privados, entregando-lhe, cada vez mais, parcelas rentáveis do património, nomeadamente hospitais. Reforçará a dispensa de recursos públicos para pagamento de cuidados de diagnóstico e terapêutica fornecidos por particulares que podiam, com economia, segurança e qualidade, serem prestados no SNS.

A eleição da prestação de cuidados de doença como área de negócio é um avanço neoliberal fortemente desfavorável à saúde e bem-estar da população. Os privados não prestam melhores e mais eficientes cuidados que os bons serviços públicos. Os cuidados de medicina privada, tendencialmente peça à peça, são por natureza crematística, como é toda a organização capitalista, muitas vezes redundantes ou desnecessários e com ganhos de saúde erráticos. A industrialização neoliberal de cuidados médicos de diagnóstico e terapêutica, por mais que os diferenciem, vai continuar a ter um carácter individual, pessoal pelo que a sua tailorização ou automação tem os seus limites. Continuarão a ser cuidados de mão-de-obra intensiva, provavelmente cada vez mais desumanizados, e com uma agravada exploração dos profissionais de saúde.

A nova versão do capitalismo na saúde com o seu cortejo de enganos e jogos de bolsa que por aí vai mostra claramente o escândalo da exploração da doença em que o capital bebe de forma segura, directamente do estado e com todas as garantias numa modalidade espúria de economia de mercado assistida: Privatização dos serviços de saúde mantendo o financiamento público garantido.

Especial atenção merece o impacto das actuais políticas de direita no sofrimento e saúde mental dos portugueses. O desemprego, a precariedade, a baixa de rendimentos e a pobreza são fatores determinantes ou agravantes de doença e mal-estar, mensuráveis, em que a elevação da taxa de suicídios, a agudização de situações crónicas de saúde mental e a desregulação humana e social de muitas famílias comprovam.

É tempo de dizer basta, denunciar as situações de injustiça e disfuncionamento dos serviços de saúde e defender o SNS público geral e gratuito para os utilizadores, com um custo social aceitável, de qualidade e que respeite o princípio solidário socializante da equidade, isto é, acesso à saúde segundo as necessidades e contributo segundo as possibilidades de acordo com um sistema fiscal justo.

É tempo de defender o bem público da saúde, com a intervenção participada, integrada e concertada da população e profissionais de saúde. É tempo de responsabilizar o governo PS pela ausência de planeamento e organização adequada dos serviços e dos recursos materiais e humanos para responder às necessidades reais da população de acordo com as suas próprias características sociais e demográficas. Os serviços centrais do ministério trabalham cada um para si.

A Direcção Geral da Saúde com escassos recursos limita-se ao exercício mais ou menos retórico de elaborar o Plano Nacional de Saúde e outros programas sectoriais mais ou menos simbólicos desconectados do financiamento e da organização dos serviços com excepção parcial da Vacinação e do Programa de Saúde Oral.

É preciso valorizar a saúde pública nas diversas vertentes, avaliando os riscos para a saúde identificar os factores determinantes da doença e os promotores da saúde e intervir na causa das coisas de forma organizada e sistemática. (Pelo menos 1% do Orçamento do Estado)

Na área da Saúde pública e dos Cuidados Primários de Saúde é preciso uma intervenção emergente e de fundo. O PCP tem apresentado e continuará a apresentar propostas e soluções para a saúde dos portugueses.

Pela saúde pública para todos. Viva o PCP.

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