Declaração de João Frazão, Membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência de Imprensa

Sobre a defesa da Floresta e o Relatório da Comissão Técnica Independente

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A propósito do Dia Mundial da Árvore e do Dia Mundial da Floresta e da apresentação pública do Relatório da Comissão Técnica Independente sobre os Incêndios de 15 e 16 de Outubro de 2017, assistimos a novos desenvolvimentos no debate sobre a floresta portuguesa.

O PCP sublinha que este Relatório é um contributo mais, no conjunto de documentos anteriormente elaborados, quer os relatórios aprovados com largo consenso na Assembleia da República e amplamente publicitados, em 2003, 2005, 2009, 2013, quer os diversos relatórios elaborados a propósito dos Incêndios de Pedrógão Grande.

Relatórios e documentos que deixam bem claras as marcas profundas que décadas de política de direita, protagonizadas por PS, PSD e CDS, provocaram no mundo rural e na floresta portuguesa e nas vulnerabilidades estruturais, nos planos energético, do ordenamento do território, demográfico, de infraestruturas (incluindo as comunicações), alimentar e de serviços públicos, que ficaram expostas com os fatídicos acontecimentos do ano passado.

Nomeadamente, aspectos como o despovoamento e a desertificação económica de muitas áreas e regiões do País, o desmantelamento das estruturas do Estado para a floresta, a agricultura e o mundo rural, designadamente o ICNF, com os impactos que isso tem na prevenção estrutural, ou a desigualdade e o desequilíbrio na distribuição dos fundos comunitários, canalizados, no essencial, para a grande propriedade do sul do País, muito menos exposta aos riscos de incêndios e, também, as fragilidades e insuficiências do dispositivo de combate aos incêndios florestais.

Como já tivemos oportunidade de afirmar, a questão não está em produzir mais legislação, mas em fazer cumprir a muita legislação que já existe, da Lei de Bases da Política Florestal à Estratégia Nacional para a Floresta, da Lei do Sistema de Defesa da Floresta contra incêndios (pese embora as suas insuficiências) à publicação do Inventário Florestal Nacional, entre outras.

Mais do que legislação e ameaças aos pequenos proprietários, assentes em normativos de duvidosa fundamentação, é necessário assegurar os meios humanos, técnicos e financeiros para que toda essa legislação possa produzir efeito, e aplicá-los onde fazem falta e não para servir outros interesses.

Meios para dotar o Ministério da Agricultura dos técnicos capazes de assegurar o apoio aos pequenos e médios proprietários e apoiar o seu livre associativismo. Para reforçar os serviços públicos no mundo rural. Para os investimentos públicos indispensáveis à fixação de pessoas e empresas. Para uma política agroflorestal que possa garantir a sobrevivência das explorações agrícolas familiares, onde tem um papel decisivo a garantia de preços justos à produção.

Nove meses passados sobre os incêndios de Pedrogão Grande, e enquanto outros insistem na ideia difusa de que o Estado, essa entidade abstracta, falhou, o PCP, considerando necessário que se apurem todas as responsabilidades políticas por tudo o que falhou, não deixa de apontar os responsáveis por uma política que desprezou e despreza o mundo rural e a floresta, que promoveu o seu abandono, que fragilizou todas as estruturas que deviam defender as populações e o património natural. Inclusive na política de sucessivos Orçamentos do Estado dos Governos PS, PSD e CDS, e muito em especial nos investimentos e aplicações dos fundos comunitários.

Os mesmos que, ao longo das últimas décadas, no Governo, na Assembleia da República, no Parlamento Europeu, promoveram o desordenamento florestal e a monocultura do eucalipto. Os que não concretizaram a política de prevenção e defesa da floresta, inclusive a que constava das leis que aprovaram. Os que aceitaram a destruição, a mando da PAC, de centenas de milhares de explorações agrícolas, substituídas, quantas vezes, por uma florestação forçada para os terrenos não ficarem a monte. Os que favoreceram a ditadura da grande distribuição e o autêntico duopólio Altri/Portucel no eucalipto e o monopólio da SONAE no pinho, que esmagaram preços à produção, designadamente o preço da madeira, impedindo, na prática, a gestão activa da floresta. Os que concentraram os apoios públicos nos grandes proprietários do sul do País, inclusive com a reprogramação de fundos comunitários levada a cabo por Assunção Cristas que desviou 150 milhões de euros da floresta, deixando à míngua toda a região do minifúndio, de maior incidência florestal. Os que não responderam aos problemas nem desenvolveram a capacidade e eficiência das estruturas da ANPC para intervenção nos incêndios florestais, nomeadamente, as carências dos corpos de bombeiros, insuficiências de meios aéreos e dos sistemas de comunicação, e à cabeça do SIRESP e os problemas de comando, articulação e disponibilidade das diversas forças do dispositivo de combate.

Bem podem PS, PSD e CDS pôr as barbas de molho, tais são as responsabilidades que também nesta matéria estão igualmente repartidas pelos três!

No seguimento dos incêndios de Pedrogão Grande, o PCP, em declaração política, chamou a atenção para a necessidade de “medidas urgentes para assegurar um dispositivo capaz de combater os incêndios neste Verão que, previsivelmente será muito duro e nós sabemos que as corporações de bombeiros estão muito fragilizadas pelos cortes que sofreram”. Medidas que notoriamente não foram tomadas.

Face à multiplicação de anúncios e medidas legislativas que, na sequência dos incêndios do ano passado, viram a luz do dia, o PCP propôs, e viu aprovado na Assembleia da República, a audição trimestral do Governo sobre todas estas matérias, que infelizmente, por indisponibilidades do Governo, ainda não se concretizou.

É necessário que o Governo não fuja à fiscalização política da Assembleia da República! Não é admissível que os deputados da Assembleia da República não estejam a monitorizar de forma rigorosa o que está a ser e também o que não está a ser feito.

É necessário que não se esconda atrás da operação de propaganda e desresponsabilização que pôs em marcha, que visa, no essencial, fazer passar a ideia de que se está a fazer tudo o que é possível, e, quando o fogo tomar de novo conta de matos e florestas, apontar responsabilidades a outros, contribuindo para a sua desresponsabilização e para um passa culpas para as autarquias e a pequena propriedade.

Numa fase em que o empenhamento colectivo está em assegurar a prevenção e designadamente a necessária limpeza das florestas, o PCP reafirma que, no caminho da ruptura necessária com a política de direita de quatro décadas, as medidas para valorizar a floresta têm de se centrar no rendimento dos produtores; na defesa dos Baldios e do seu uso e gestão pelos povos, com os apoios necessários; na elaboração do Cadastro Florestal investindo os meios necessários para tal tarefa; na atribuição de mais meios públicos – humanos, técnicos, financeiros e materiais – às estruturas do Estado que intervêm na floresta; na inversão da diminuição do peso relativo do sobreiro e do pinheiro e de espécies autóctones, face ao eucalipto. E, naturalmente, acelerar a preparação e melhorar a capacidade das forças do dispositivo de combate da ANPC e dos Bombeiros, tendo em conta os problemas verificados em 2017.

Só assim se assegurará, no quadro de uma política patriótica e de esquerda, o objectivo de garantir o aproveitamento e preservação dos recursos hídricos e agroflorestais do solo e áreas de uso agrícola e o ordenamento florestal que privilegie o uso múltiplo, as economias locais e a função ambiental da floresta.

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