Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral

Homenagem a Catarina Eufémia

Estamos aqui, mais uma vez, para prestar a nossa sentida homenagem à camarada Catarina Eufémia. A nossa presença – a minha e a de todos vós – na terra de Catarina, não constitui qualquer ritual, como é hábito dizerem aqueles que o que desejariam era riscar-nos da história e ver-nos calados e conformados em matar outra vez os nossos mortos!

Estamos aqui numa acção de luta que é, simultaneamente, de respeito e de admiração pelos que à luta por uma sociedade liberta de todas as formas de opressão e de exploração dedicaram as suas vidas; respeito e admiração pelos que nessa luta perderam as próprias vidas – e que constituem exemplos para todos nós e nos dão ânimo, força e coragem para prosseguirmos essa luta, sempre em defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País e tendo sempre no horizonte a edificação duma sociedade onde seja banida a exploração dum homem por outro homem!

Como escreveu Joaquim Namorado, num belíssimo poema de que Fernando Lopes-Graça fez uma das suas Canções Heróicas, «os mortos não os deixamos / para trás abandonados / fazemos deles bandeiras / guias e mestres soldados / do combate que travamos».

E é isso mesmo que aqui queremos dizer, hoje: os militantes comunistas que, como Catarina Eufémia, morreram na luta, ao longo dos tempos, são bandeiras da nossa luta de sempre – bandeiras que empunhamos firme e fraternalmente nas nossas mãos e que nos servem de bússolas na luta que hoje travamos, designadamente na construção da greve geral do próximo dia 30 de Maio; bandeiras que continuaremos a empunhar firme e fraternalmente nas nossas mãos e que serão nossas referências essenciais nas lutas do futuro e pelo futuro. Porque a nossa luta continua e continuará até à vitória final.

Um mês antes de ser assassinado pela PIDE, o camarada José Dias Coelho – artista plástico e funcionário clandestino do nosso Partido – fez uma gravura alusiva ao assassinato de um outro camarada (Cândido Martins Capilé) e escreveu nessa gravura a seguinte legenda: «De todas as sementes deitadas à terra, é o sangue derramado pelos mártires que faz levantar as mais copiosas searas». Há nesta legenda uma actualidade perene, porque ela simboliza a constante determinação de luta e a coragem dos militantes comunistas, a sua entrega total ao mais belo, ao mais nobre, ao mais humano de todos os ideais: o ideal comunista.

Estamos aqui a relembrar o exemplo de coragem, de abnegação, de militância revolucionária da camarada Catarina Eufémia – assassinada em 19 de Maio de 1954, quando, com outras companheiras de trabalho, lutava por melhores salários.

E relembrando Catarina, temos na nossa memória colectiva os nomes de todos os camaradas assassinados pelo fascismo; os nomes de todos os antifascistas que sofreram as consequências da sua opção resistente; os nomes de todos os homens, mulheres e jovens atingidos pela brutal repressão fascista.

Essa memória, sempre importante, é-o ainda mais num momento em que, como o actual, está em curso uma poderosa operação de branqueamento do fascismo, com a qual pretendem os seus protagonistas demonstrar que em Portugal não existiu fascismo; que, quando muito, dizem eles, existiu um regime autoritário, e mesmo assim de um autoritarismo paternalista.

Segundo esses falsificadores da história, Salazar teria sido, na pior das hipóteses, um pai severo e não aquilo que, de facto, foi: o construtor e chefe do criminoso regime fascista que durante quase meio século oprimiu e reprimiu barbaramente os trabalhadores e o povo português; o ditador fascista que acompanhava directamente a PIDE e zelava para que ela prendesse e torturasse e assassinasse quem se opunha ao regime fascista e contra ele lutava; o tirano que mandou encarcerar, torturar e, em muitos casos, assassinar, dezenas de milhares de portugueses nas prisões dos fortes de Peniche e de Caxias, do Aljube, da Fortaleza de Angra do Heroísmo, do Campo de Concentração do Tarrafal, o Campo da Morte Lenta.

Quem se dê ao trabalho de ler o que tem sido escrito em matéria de branqueamento do fascismo verificará que a desvergonha e a insolência desses escribas não têm limites.

Em muitos casos, não se trata apenas de branquear o fascismo: trata-se de o glorificar e de o apresentar como exemplo para os dias de hoje, particularmente em matéria de combate ao comunismo.

Para muitos desses mercenários da provocação, é o comunismo que deve ser combatido e eliminado – para que o fascismo possa avançar à vontade, sem encontrar pela frente quem lhe resista.

Porque sabem que o fascismo existiu, e sabem que os comunistas ocuparam sempre a primeira fila da resistência e da luta pela democracia e pela liberdade.

Também sobre Catarina muito têm escrito alguns desses falsificadores da história, tendo como objectivo, essencialmente, apagar o significado do seu assassinato.

E também neste caso não se cansam de fazer e mandar publicar «descobertas espectaculares» – mas que não conseguem ocultar a brutalidade fascista nem a determinação revolucionária da militante comunista Catarina Eufémia.

Esta operação de branqueamento do fascismo não pode ser vista desligada da forte, ampla e perigosa ofensiva que visa o conteúdo democrático do regime nascido da revolução de Abril.

Esse ataque ao regime democrático é evidente na política de direita que ao longo de mais de três décadas tem vindo a ser aplicada por sucessivos governos do PS e do PSD – e que o governo de José Sócrates tem vindo a levar mais longe do que qualquer dos seus antecessores.

No momento actual, a ofensiva contra Abril assume expressão concreta e grave em questões como o desemprego, a precariedade, a flexigurança, os baixos salários, a destruição dos serviços públicos, particularmente na área da saúde e do ensino e uma forte ofensiva de desvalorização reformas dos trabalhadores no futuro.

Uma autentica contra-revolução que quer impor um recuo nas principais conquistas do Estado Social de Abril e criar novas áreas de negócio para o grande capital. É com esse objectivo que se fecham escolas, urgências, centros de saúde, maternidades, há cortes na comparticipação de muitos medicamentos, aumentam das taxas moderadoras e se criam novas, agravando os custos de saúde para as populações e ao mesmo tempo atinge violentamente os direitos e condições de vida dos trabalhadores da Administração Pública nacional, regional e local.

Foi para protestar contra a esta ofensiva e exigir uma mudança de rumo na política nacional que a CGTP decidiu marcar para o próximo dia 30 uma Greve Geral.

É por tudo isto que é justa e necessária a luta dos trabalhadores. É por isso que se justifica e é muito justa a decisão da CGTP de marcação de uma Greve Geral para próximo dia 30 de Maio.
Decisão que tem o nosso inteiro apoio, e estamos certos terá também uma grande adesão dos trabalhadores portugueses.

Se fosse necessário demonstrar com exemplos e factos concretos a existência do fascismo em Portugal, não precisaríamos, sequer, de sair daqui do Alentejo, e nem sequer daqui de Baleizão.

Na verdade, exemplos múltiplos da existência do fascismo e da brutal repressão fascista encontramo-los na gesta resistente do proletariado agrícola alentejano, enfrentando durante décadas sucessivas a violência e a repressão fascistas e sofrendo na pele as consequências dessa resistência – com anos e anos nas prisões fascistas submetidos às mais brutais torturas, com as bárbaras cargas da GNR, às vezes acompanhadas de descargas de espingardas e de metralhadoras.

E assassinando – assassinando Catarina Eufémia, aqui em Baleizão. E, apesar de todos esses crimes, nunca conseguiram calar a voz da resistência antifascista, nunca conseguiram domar nem parar a luta heróica do povo alentejano.

Comemoramos este ano, precisamente neste mês de Maio, o 45º aniversário de um acontecimento histórico que constituiu uma das mais importantes vitórias da luta do proletariado agrícola alentejano: a conquista das oito horas de trabalho, alcançada através da acção imparável de mais de 200 mil trabalhadores agrícolas e na sequência de muitas, difíceis e persistentes lutas.

O mês de Maio de 1962, pela dimensão e força da luta de massas contra o regime salazarista – luta a que o grandioso 1º de Maio desse ano (o maior de sempre na história do movimento operário português) deu um impulso decisivo – fica na história como momento alto da resistência antifascista.

Nesse mês de Maio, os assalariados agrícolas do Alentejo e Ribatejo, enfrentando o aparelho repressivo fascista, resistindo a uma brutal vaga de perseguições, prisões, assassinatos – e articulando lucidamente a luta por melhores salários com a luta pela liberdade e pela democracia, puseram fim ao sistema de trabalho de sol a sol e impuseram o horário das oito horas diárias nos campos. Não se tratou de uma vitória qualquer.

As oito horas não foram uma concessão dos agrários e do governo fascista: no mês de Maio de 1962 o proletariado agrícola ampla e fortemente mobilizado «decretou» e aplicou de forma imediata e irreversível o horário das oito horas – uma vitória só possível graças à coragem, à combatividade e à determinação dos trabalhadores, alicerçadas num imenso trabalho de esclarecimento e organização no qual o PCP teve um papel determinante.

Como escreveu o camarada Álvaro Cunhal no «Rumo à Vitória», «a conquista das oito horas de trabalho pelo proletariado rural é uma vitória histórica. E porque as lutas que a ela conduziram se desenvolveram em volta da grande jornada política do 1º de Maio, o dia 1 de Maio de 1962 será sempre lembrado como um marco fundamental na história da luta do proletariado português pela sua libertação do jugo do capital. Foi uma grande conquista de carácter económico e uma vitória política (...) O Partido Comunista, que dirigiu desde o início a luta, pode orgulhar-se desta vitória dos assalariados rurais como uma vitória sua».

A história mostra-nos que nenhuma luta dos trabalhadores é um ponto de chegada: cada luta, independentemente de ela se traduzir numa vitória ou numa derrota, é sempre um ponto de passagem para a luta que virá a seguir.

A luta que culminou com o assassinato de Catarina Eufémia em 19 de Maio de 1954 tinha atrás de si muitas outras lutas e foi, também ela, semente das lutas que conduziram, oito anos depois, à conquista das oito horas e vinte anos depois ao início da construção da Reforma Agrária, a mais bela de todas as conquistas de Abril.

Lutas sempre difíceis, lutas sempre com mártires, lutas que punham e põem em confronto, sempre, duas classes antagónicas: a dos exploradores e opressores e a dos explorados e oprimidos. Foi a mando dos primeiros que Catarina foi assassinada, em Baleizão; que José Adelino dos Santos foi assassinado em Montemor-o-Novo – e que, muito mais tarde, já depois de Abril, no decorrer da ofensiva de ódio de classe contra a Reforma Agrária, foram assassinados, na UCP Bento Gonçalves, no Escoural, os camaradas José Caravela e António Casquinha.

Temos, assim, três lugares, três datas, três nomes: Baleizão, 1954, Catarina Eufémia; Montemor-o-Novo, 1958, José Adelino dos Santos; Escoural, 1979, José Caravela e António Casquinha.

Como não podia deixar de ser, os assassinados eram militantes comunistas e lutavam pela liberdade, pela justiça, por direitos humanos e sociais fundamentais. E também como não podia deixar de ser, os que ordenaram os crimes pertenciam à classe dos exploradores – que era, ao mesmo tempo, sustentáculo do regime fascista e hoje é sustentáculo da política de destruição de Abril.

Nessa luta heróica do proletariado rural alentejano, o povo de Baleizão desempenhou um papel marcante. Para ficarmos com uma ideia da dimensão desse papel basta consultarmos o Avante! desses tempos: aí encontramos, em múltiplas referências concretas, notícias das lutas do povo baleizoeiro e da sua posição destacada no conjunto dos trabalhadores alentejanos.

E é dessa luta que emerge, com uma força e um simbolismo singulares, a figura, o nome, o exemplo de Catarina Eufémia – figura, nome e exemplo que são fontes de força para a luta que hoje travamos contra a política de direita do Governo PS/José Sócrates.

Que é uma luta por Abril e pelos seus ideais libertadores e transformadores.
Que é uma luta para travar com confiança e com convicção.
Que é uma luta para ganhar!

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