Intervenção de Alexandra Silva, Presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, Seminário «Prostituição: uma grave forma de violência e exploração»

«Nenhum Estado eliminará a violência contra as mulheres se persistir no reforço da mercantilização do corpo humano das mulheres»

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Boa tarde,

Em representação da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres quero agradecer o convite que nos foi feito pelo PCP para participar neste seminário que tem tanto de interesse para nós, coletivo de organizações não governamentais de direitos das mulheres, como de oportuno em Portugal.

Transformar o nosso mundo, fortalecer a paz e a liberdade universais designadamente através do empodoramento das mulheres e das raparigas em todos os lugares e garantir uma vida livre de todas as formas de violência machista ou masculina contra as mulheres, são requisitos indispensáveis ​​ao desenvolvimento e progresso humano justo, democrático e sustentável.

Não deixar ninguém para trás será sempre o nosso mote – mote que se aplica com particular enfâse em matéria de promoção dos direitos humanos das mulheres em situação de particular vulnerabilidade, como as mulheres no sistema da prostituição. Last girl first!

Partimos da premissa óbvia de que todas as pessoas envolvidas no sistema de prostituição são sujeitas de direitos humanos e não devem ser deixadas para trás, pelo Estado, pela sociedade, pelas organizações políticas, pelas organizações sindicais, pelas organizações não governamentais (nomeadamente de direitos das mulheres).

Enquanto a prostituição forçada, bem como o tráfico de seres humanos que muitas vezes estão relacionados, são claramente entendidos como violações dos direitos humanos de acordo com os tratados e convenções de direitos humanos, incluindo a CEDAW, com a prostituição tal nem sempre acontece sendo percecionado como opção pessoal. A pobreza (um dos fatores que leva muitas mulheres para o sistema da prostituição) e a exposição a extrema violência (antes, durante e até depois de estar no sistema de prostituição) não é uma escolha pessoal; é uma consequência das desigualdades e discriminações baseadas, acima de tudo, no sexo, mas também na idade, raça, país e local de origem, estatuto de imigrante, ausência de habitação e estatuto económico, educação e estatuto profissional, deficiência, etc.

A posição jurídica da comunidade internacional sobre o sistema da prostituição é especificamente expressa no artigo 6 da CEDAW, que compromete os Estados Partes a reprimir todas as formas de tráfico de mulheres e a exploração da prostituição, direta ou indiretamente.

Nenhum Estado Parte da CEDAW – como o é Portugal - pode:

Promover, por ação ou omissão, as condições para qualquer forma de tráfico e exploração sexual que envolvam a prostituição das mulheres e não devem, em particular, criar condições que possibilitem tal exploração;

Reconhecer, por qualquer meio legal, a pessoa prostituída com um estatuto profissional independente, pois isso conduzia à não supressão do tráfico de seres humanos e à exploração da prostituição, nem conferir estatuto profissional a outros agentes, particularmente proxenetas, uma vez que esta seria uma forma de exploração da prostituição pelo empregador pretendido, o que, em ambos os casos, implicaria que o Estado violasse o artigo 6 da CEDAW.

Qual é a situação em Portugal?

A prostituição não é ilegal em Portugal. Ninguém pode ser objeto de perseguição legal por prostituição. O que algumas pessoas querem em Portugal não é a legalização da prostituição, que não é ilegal, é a legalização do lenocínio/proxenetismo, induzindo em erro as pessoas menos informadas. 

A lei em Portugal não discrimina ninguém, não discrimina portanto as pessoas que se dedicam à prática da prostituição. Recordemos que:

- o quadro legal existente em matéria de fiscalidade dispõe de soluções para se coletarem todas as pessoas que exerçam atividades em regime independente;

- existem mecanismos que abrangem qualquer atividade lícita em matéria de segurança social;

- o acesso ao SNS é universal. Claro que a Plataforma reconhece que persistem situações de discriminação no acesso aos serviços públicos, o que é ilegal e portanto punida pela lei. O Estado deve garantir a igualdade de tratamento de todas/os as/os cidadãs/cidadãos. 

Em Portugal, tal como no resto do Mundo, a maioria das pessoas que se prostituem são mulheres, a maioria dos clientes da prostituição são homens, esta é pois uma questão de poder e desigualdade incrustada na organização social patriarcal.

O que tem feito a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres?

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres – único coletivo de organizações promotoras dos direitos humanos das mulheres e da igualdade entre mulheres e homens – tem trabalhado no sentido de:

- centrar o debate no que é primordial – nas mulheres exploradas no sistema da prostituição, nos condicionalismos vários que levaram as mulheres a entrar no sistema: na violência sexual, na pobreza, na ausência de condições de vida digna, na violência e exploração sexual das mulheres pelos homens;
informar: trazer ao debate público, em diversas zonas do país, informação sobre o impacto dos modelos regulamentarista e abolicionista nas condições de vida das mulheres no sistema da prostituição;

-contribuir para o desenho de políticas públicas que partam do princípio de que o sistema da prostituição é uma das formas mais gravosas de violência machista e masculina contra as mulheres, apresentando para o efeito propostas concretas.

O que exigimos?

A exploração sexual de outrem é inaceitável. A Plataforma condena liminarmente este tipo de atividade pelo que o lenocínio/proxenetismo deve ser severamente punido.

A normalização da exploração sexual de mulheres e raparigas é um intolerável acto de violação do direito à igualdade. A legalização do proxenetismo configuraria: 

- a legalização da exploração sexual de mulheres e raparigas; 

- a legalização da violação do direito à igualdade;  

- a promoção legal de um enorme enfraquecimento do nível de garantia dos direitos das mulheres;

- e um enorme retrocesso civilizacional em matéria de direitos em geral. 

Assim, exigimos:

- a implementação efetiva das Convenções internacionais em matéria de direitos humanos das mulheres;

- o reforço da criminalização do lenocínio e a efetiva aplicação do artigo 169º do Código Penal;

-o reforço da ação do Estado na prevenção e no combate ao tráfico de seres humanos;

- a criminalização dos clientes, de quem compra sexo, abusa e explora sexualmente, sobrepõe sua vivência sexual de todas as formas e indiscriminadamente sobre todas as pessoas;

- o desenho e a implementação de uma Estratégia Nacional  integrada para mulheres raparigas que queiram deixar a prostituição;

- o fim à violência machista e masculina contra as mulheres.

A recusa hipócrita de todas as pessoas, Estados e organizações na luta contra os estereótipos de género - em particular aqueles que descrevem as mulheres como mercadorias permanentemente disponíveis para os homens - deve ser totalmente combatida com políticas concretas, impactantes e transformadoras.

E só podemos eliminar todas as formas de violência machista ou masculina contra as mulheres quando suprimirmos o sistema de prostituição, a exploração sexual e o tráfico de seres humanos. O sistema de prostituição é a expressão máxima da extrema violência masculina contra mulheres e crianças. E nenhum Estado eliminará a violência contra as mulheres se persistir no reforço da mercantilização do corpo humano das mulheres.

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