Intervenção de Ana Mesquita na Assembleia de República

"Não se augura nada de bom para os grandes desafios ambientais"

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados,
Gostaria, em primeiro lugar, de saudar o Partido Ecologista «Os Verdes» por ter trazido o tema das alterações climáticas, na sequência da Conferência de Paris, à discussão na Assembleia da República.
Perante o falhanço da Cimeira de Copenhaga em 2009, muitos qualificaram o acordo alcançado na COP21 de «histórico». Interessa-nos perceber se, afinal, não se trata apenas de um acordo retórico.
Mais ainda: algumas das linhas traçadas são verdadeiramente preocupantes e têm forçosamente de suscitar o aprofundamento da reflexão quanto a este tema. Desde logo, os objetivos mais ambiciosos da redução da emissão de gases com efeito de estufa não encontram resposta no texto aprovado.
Embora tenha sido muito proclamado que se chegou a um consenso para limitar a subida de temperatura abaixo dos 2ºC, a verdade é que não foi estabelecida a forma de distribuir as limitações entre países, que desta maneira ficam livres de estabelecer os seus limites.
Ora, se não é nada claro o modo como se pretende atingir o objetivo maior sem fixar os objetivos nacionais, sobretudo dada a experiência anterior de países a ficarem aquém das suas metas ou até mesmo aumentando as suas emissões, Sr. Ministro, urge dar resposta a algumas perguntas.
Em primeiro lugar, que metas e que prazos vai Portugal propor e que estratégia vai adotar em termos de redução de emissões e de aumento do saldo negativo de gases?
Em segundo lugar, que apoios estão previstos para o desenvolvimento e o uso de energias alternativas?
Em terceiro lugar, que apoio à investigação em tecnologias, mas também em termos de monitorização do clima e dos seus efeitos, está a ser considerado?
O PCP considera que a planificação, a identificação dos problemas, a definição de novas políticas de ambiente e de harmonização da atividade económica e humana com a natureza são, claramente, contraditórias com políticas de direita como as que, nomeadamente, o último Governo PSD/CDS impôs ao País ao longo dos últimos anos.
Enquanto forem privilegiados os interesses das grandes empresas e dos grandes grupos económicos, ou seja, daqueles que entendem os recursos naturais apenas como mais uma forma de obtenção de lucro e não como um bem essencial para a sustentabilidade do desenvolvimento e de resposta às necessidades sociais e económicas das populações, não se augura nada de bom para os grandes desafios ambientais com que nos deparamos a curto e a longo prazos.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
O nosso planeta tem mais de 4000 milhões de anos, ao longo dos quais registou extensas variações no clima. Neste momento, a concentração de CO2 na atmosfera atingiu o ponto mais alto dos últimos 500 000 anos.
A taxa de mudança de temperatura é maior do que a verificada durante as oscilações glaciares do Plistoceno. Os oceanos registam igualmente alterações térmicas, acentuando-se a subida de temperatura da camada superficial e consequentes alterações de circulação.
As conclusões da Cimeira de Paris e o acordo alcançado não nos podem deixar tranquilamente à espera que uma qualquer «mão invisível» venha resolver as questões em cima da mesa. Posto isto, é preciso centrar o debate nos problemas reais, num contexto em que as soluções de mercado, comprovadamente, não podem ser o rumo a tomar. Senão, vejamos: em que é que as licenças transacionáveis, ao estilo de uma bolsa de valores ambiental, vieram contribuir para a diminuição da emissão de gases com efeito de estufa? Contribuíram, isso sim, para a construção de mais um modelo especulativo, de privatização da atmosfera, de mercantilização da natureza e dos recursos naturais.
Mais: a capacidade temporária das florestas de agir como sumidouros de carbono está a ser usada como justificação não só para continuar como até para promover o uso de combustíveis fósseis. Consideremos o exemplo de empresas cujas emissões estão limitadas e que fazem combustão de hidrocarbonetos acima do limite estipulado, alegando que os sumidouros compensam essas emissões. Significa isto que os sumidouros de carbono estão a ser utilizados para justificar uma emissão que nem sequer devia ter acontecido, resultando num novo aumento da emissão de gases de efeito de estufa.
Sr.as e Srs. Deputados, deixamos aqui um alerta para esta questão da suposta «neutralidade em carbono», que consideramos não ser de somenos importância e, no limite, pode mesmo chegar a ser perversa.
A compensação de carbono é um mecanismo através do qual as emissões de carbono nos países desenvolvidos podem ser compensadas pela redução das emissões reivindicadas nos países em desenvolvimento. Os créditos são atribuídos aos que reivindicarem que evitam ou que reduzem o carbono, podendo ser posteriormente vendidos a taxas de mercado a agentes emissores de carbono. Isto é, uma empresa que pretenda continuar ou até acentuar a taxa de emissão de gases, polui aqui, planta uma floresta noutro sítio, ganha créditos para poluir mais aqui, pode impor modelos de monocultura ambientalmente danosos nesse outro sítio e ainda ganha créditos por destruir o equilíbrio ambiental.
No meio disto tudo, estamos irónica e desastrosamente a facilitar o aumento das emissões de carbono e, ainda, a promover a ingerência nos países em desenvolvimento.
As soluções de mercado comportam também outra dimensão. Com a descida do preço dos combustíveis tornou-se mais barato poluir. Há casos comprovados de centrais elétricas que regressaram ao uso de combustíveis fósseis porque, neste momento, essa é uma opção mais compensatória. Paris não consagrou a assunção do princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada, entre países em desenvolvimento e países industrializados. O sistema único que é proposto aprofunda as injustiças entre os países que mais contribuem e contribuíram para a acumulação de carbono na atmosfera e os países em desenvolvimento.
O objetivo do reforço do Fundo Verde para os 100 mil milhões de dólares anuais não esconde que o jogo no tabuleiro é, afinal, uma oportunidade multimilionária de negócio para favorecer o financiamento dos projetos dos grandes grupos económicos e saciar o apetite predatório de dominação capitalista dos recursos dos países em desenvolvimento.
Sr.as e Srs. Deputados, o PCP reafirma que o ónus dos problemas ambientais tem de recair sobre o sistema capitalista e sobre os grupos monopolistas e não pode ser descartado pelos grandes poluidores para os ombros dos trabalhadores e dos povos. Não é aceitável penalizar duramente os comportamentos individuais com taxas e taxinhas, como o embuste da chamada «fiscalidade verde» do último governo PSD/CDS, enquanto se isentam os maiores poluidores das suas responsabilidades.

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