Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

"Não é admissível que continuem a ser os povos a pagar os custos da propriedade e gestão privada da banca"

No encerramento do debate temático agendado pelo PCP sobre o "Sistema financeiro e controlo público da banca", João Oliveira afirmou que "aqueles que apoiaram a reprivatização da banca e durante anos fizeram muita gala na banca privada hoje reclamam a intervenção do Estado, sem quererem daí retirar as devidas consequências, sem quererem reconhecer que sem a intervenção do Estado, sem os auxílios financeiros, os amparos fiscais e as garantias do Estado, o seu modelo ideal da banca privada já teria colapso totalmente, em consequência dessa gestão essencialmente orientada para a especulação e para a sistemática engorda do capital accionista."

Ninguém é hoje capaz de defender as virtualidades da propriedade e gestão privada da banca

É hoje muito claro que a propriedade e gestão privada da banca não serviram o País, nem os portugueses.

Pelo contrário, pensando apenas no lucro dos seus accionistas sem olhar a meios, e recorrendo aos mais ilegítimos e corruptos, a banca privada foi responsável pelos desequilíbrios nacionais, pela instabilidade, pela degradação económica e social.

Concentraram riqueza na oligarquia financeira, no capital monopolista, nos grandes grupos económicos e na grande propriedade fundiária urbana e rural.

A banca privada nunca foi parte da solução! Tem sido sempre parte dos problemas do País.

Aqueles que apoiaram a reprivatização da banca e durante anos fizeram muita gala na banca privada hoje reclamam a intervenção do Estado, sem quererem daí retirar as devidas consequências, sem quererem reconhecer que sem a intervenção do Estado, sem os auxílios financeiros, os amparos fiscais e as garantias do Estado, o seu modelo ideal da banca privada já teria colapso totalmente, em consequência dessa gestão essencialmente orientada para a especulação e para a sistemática engorda do capital accionista.

Mas não estranhamos que o PSD continue a louvar a gestão bancária a la Oliveira e Costa ou Espírito Santo. Não estranhamos que continuem a defender essa forma de gestão da banca porque ela se identifica com a forma como o próprio PSD tem encarado no Governo a gestão do País.

Não estranhamos mas não deixamos de denunciar que essa opção do PSD é aquela que tem afundado o sistema financeiro português e com ele também o País.

Um outro problema é o da perda de soberania nacional no sistema financeiro.

Perda de soberania no sistema financeiro com a perda de soberania monetária e a emissão de moeda pelo BCE, com o alargamento da intervenção externa do BCE no sistema financeiro nacional, com a União Bancária e a entrega a entidades supranacionais das responsabilidades da regulação e a supervisão e os respectivos mecanismos únicos.

Mas perda de soberania nacional também na sequência da privatização da banca e do seu progressivo domínio pelo capital estrangeiro, da agilização do processo de centralização e concentração de capital no plano da União Europeia com o qual se promove o encerramento de bancos de menor dimensão, a fusão, a concentração de depósitos e investimentos nos grandes colossos financeiros.

Disto resulta uma conclusão clara: a limitação da soberania nacional relativamente ao sistema financeiro, o reforço da capacidade de decisão da União Europeia neste domínio, o desenvolvimento da União Bancária e dos mecanismos únicos de regulação e supervisão não servirão para resolver nenhum dos problemas do sector financeiro mas apenas os objectivos de concentração e centralização do capital financeiro nos mega-bancos das potências da União Europeia.

Duas ideias vão ficando mais claras aos olhos da população.

A primeira é a de que a necessidade de conter os grandes riscos sistémicos exige o controlo público do sistema financeiro.

Não é admissível que continuem a ser os povos a pagar os custos da propriedade e gestão privada da banca.

E a necessidade de conter os grandes riscos sistémicos que persistem para a economia, de impedir mais transferências de prejuízos privados para o povo português, de garantir a solvência, a liquidez e o funcionamento regular das instituições financeiras, de assegurar uma efectiva regulação, supervisão e fiscalização da banca, exige o controlo público do sistema financeiro e exige que a reparação dos prejuízos das instituições financeiras privadas se faça com o capital e as reservas das próprias e com os recursos, os activos e os patrimónios dos respectivos grupos económicos e dos principais accionistas, em vez do dispêndio público.

A segunda ideia que vai ficando clara, e que há muito o PCP vem referindo, é que a banca ou é pública ou não é nacional.

A banca pública é a única possibilidade de garantir o interesse público e nacional, de evitar gravosas orientações determinadas pelos centros do capital financeiro transnacional, de limitar as distorções da concorrência pela grande concentração bancária privada, de recuperar uma alavanca imprescindível para o desenvolvimento soberano do País.

O aspecto central deste debate que aqui trouxemos é o de que o controlo público da banca é condição para o desenvolvimento da soberania nacional

Portugal precisa de uma banca que contribua para contrariar as práticas especulativas, para a dependência externa, a divergência com a União Europeia, as assimetrias regionais, as desigualdades sociais.

Portugal precisa de uma banca que contribua para assegurar a estabilidade e o reforço dos rendimentos, das condições de vida e dos direitos da população.

Portugal precisa de uma banca que defenda a autonomia e independência nacionais, o seu mercado interno, o investimento produtivo, a expansão e modernização da sua capacidade industrial, a criação de emprego, o crescimento económico, o desenvolvimento social.

Portugal precisa, em resumo, de um grande reforço do sector público bancário, que assegure o controlo público e discipline o mercado financeiro, que salvaguarde a solvabilidade e reoriente a actividade da banca nacional.

Precisamos de um sector público, progressivamente alargado e reforçado, articulado e equilibrado, constituído por instituições distintas e autónomas bem dimensionadas, eventualmente com diferenciação geográfica e funcional, que conjuntamente com os restantes elementos do sector financeiro estejam sob uma acrescida regulação, supervisão e fiscalização públicas das autoridades nacionais.

É possível uma reorganização do sistema bancário no interesse, não dos lucros e da acumulação dos grupos económicos nacionais e estrangeiros que o instrumentalizam, mas da economia nacional, do povo e do País.

O progressivo alargamento da banca pública pode combinar ritmos e formas diversas. Nomeadamente nacionalizações, intervenções de emergência para defender o interesse público, resoluções bancárias, negociações, aquisições de núcleos accionistas em condições favoráveis e eventualmente até a preços simbólicos. O caminho da reconstituição de um poderoso sector público financeiro é o de um reforço simultaneamente quantitativo, com o aumento da quota de mercado, e qualitativo, com a articulação e a reorientação do sistema e a forte regulamentação pública.

A nacionalização definitiva do Novo Banco, como já propôs o PCP na Assembleia da República, provisoriamente alocado no Fundo de Resolução, na verdade já pago – com a contribuição e as garantias estatais, a contribuição da CGD e a perda de receitas fiscais dos bancos contribuidores do Fundo – permitiria elevar desde já o peso do sector público no mercado bancário claramente acima dos 40%. Para além de salvaguardar o emprego, os balcões e o importante papel no financiamento das pequenas e médias empresas, de tranquilizar os depositantes e consolidar a instituição.

O problema não está em optar entre capitais deste ou daquele País, em maioria ou em exclusividade, nem na divisão negociada e concertada do mercado bancário entre grupos económicos. O problema está no domínio desses grupos e desse capital sobre o sector bancário nacional.

O povo português não tem, nem deve pagar a entrega de instituições saneadas com fundos públicos aos grandes tubarões bancários transnacionais.

O Estado português não tem que ficar com os prejuízos e, ainda por cima, ficar sem os bancos.

Disse.

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