Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

"Na defesa dos direitos das crianças à felicidade e nos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres"

Reapreciação dos Decretos da Assembleia da República n.os 6/XIII — Revogação das Leis n.os 134/2015, de 7 de setembro, relativa ao pagamento de taxas moderadoras na interrupção voluntária da gravidez, e 136/2015, de 7 de setembro (Primeira alteração à Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, sobre a exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez) e 7/XIII — Elimina as discriminações no acesso à adoção, apadrinhamento civil e demais relações jurídicas familiares, procedendo à segunda alteração à Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, à primeira alteração à Lei n.º 9/2010, de 31 de maio, à vigésima terceira alteração ao Código do Registo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 131/95, de 6 de junho, e à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 121/2010, de 27 de outubro

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Mesmo no fim do seu mandato, o Presidente da República Cavaco Silva confirma a natureza das opções que fez ao longo destes 10 anos. A salvaguarda dos interesses e dos direitos do povo português nunca foram uma prioridade para o Presidente da República.
Por isso, os vetos do Presidente da República aos decretos desta Assembleia, referentes à adoção por casais de pessoas do mesmo sexo e à reposição do quadro legal da interrupção voluntária da gravidez, além de traduzirem a desconsideração pelos direitos das crianças, pelos direitos das mulheres e pelos direitos sexuais e reprodutivos, revelam ainda um profundo revanchismo. Revanchismo da parte de um Presidente da República que nunca se conformou, por exemplo, com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher até às 10 semanas.
Os vetos do Presidente da República, que hoje ultrapassaremos na Assembleia da República, têm essa marca política profundamente negativa, da perspetiva política e ideológica do Presidente da República em exercício, no seu conteúdo mas, também, no sentido de oportunidade para a sua divulgação — exatamente no dia a seguir às eleições presidenciais.
O Presidente da República tem direito à sua opinião e nós temos o direito a discordar dela.
A decisão do Presidente da República Cavaco Silva não se prende com a necessidade de aperfeiçoamento dos decretos mas, sim, com a sua perspetiva política e ideológica, restritiva no plano dos direitos, bem reveladora das conceções retrógradas na análise destas questões, procurando impor retrocessos sociais e políticos que rejeitamos liminarmente.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, na decisão de veto do Decreto da Assembleia da República que possibilita a adoção por casais de pessoas do mesmo sexo, o Presidente da República alega a necessidade de salvaguardar o superior interesse da criança. O superior interesse da criança passa necessariamente pelo direito que as crianças têm de crescer numa família que as proteja, cuide e ame, acima de tudo. Passa também pelo respeito pela sua identidade própria, pelo direito à diferença e à dignidade social, o direito a serem desejadas, à sua integridade física, a uma alimentação adequada, ao vestuário, à habitação, à saúde, à segurança, à instrução e à educação. O que ficou por demonstrar, mas pelo Presidente da República, foi onde é que estes pressupostos não foram tidos em conta.
Os argumentos do Sr. Deputado Fernando Negrão não colhem. Os requisitos para a adoção por casais de pessoas do mesmo sexo são exatamente os mesmos dos demais casais ou das mulheres e dos homens solteiros que avancem para um processo de adoção, e todos estes requisitos traduzem a preocupação com o superior interesse da criança.
Em nosso entender, o superior interesse da criança deve, de facto, prevalecer e isso está devidamente considerado na lei aprovada por esta Assembleia da República, que hoje deve ser confirmada.
No veto referente ao Decreto da Assembleia da República que repõe o quadro legal da IVG (alterado à pressa por PSD e CDS, no final da anterior Legislatura, aí sim, procurando fugir ao debate público, para que passasse despercebido), mais uma vez, o Presidente da República recorre a argumentos falaciosos para fundamentar a sua posição.
A reposição do quadro legal da IVG, contrariamente ao que afirma o Presidente da República, não reduz a informação às mulheres grávidas, permite, antes de mais, eliminar os mecanismos de condicionamento da livre decisão da mulher. É isto que claramente não se quer permitir: que as mulheres, em plenitude dos seus direitos, detentoras da informação, possam tomar as suas decisões livremente.
Perguntamos: que acesso à informação para uma tomada de decisão livre e consciente pode uma mulher obter numa consulta com um médico objetor de consciência, como previa a norma revogada, em boa hora, por esta Assembleia da República? Ou qual é a justificação para a obrigatoriedade do apoio psicológico e social a uma mulher grávida, a não ser a tentativa de coação e de condicionamento da sua decisão?
O Estado tem de garantir a informação, tem de assegurar a existência dos apoios psicológicos e sociais, mas não pode obrigar as mulheres a terem consultas e apoios que não querem.
O PCP tem memória e não esquece a luta de milhares de mulheres em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos e pelo direito à livre opção, assim como não esquece o facto de muitas e muitas mulheres terem sido vítimas do flagelo social que foi o aborto clandestino, sujeitando-se a condições indignas e humilhantes e que, em alguns casos, custou a sua própria vida.
Sobre a despenalização da IVG, houve um pronunciamento do povo através de referendo, que não pode ser ignorado e que tem de ser respeitado.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Da parte do PCP, confirmaremos os Decretos sobre a adoção por casais de pessoas do mesmo sexo e a reposição do quadro legal da IVG, na defesa dos direitos das crianças à felicidade, à proteção e ao adequado desenvolvimento, dos direitos das mulheres e dos direitos sexuais e reprodutivos.

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