Intervenção de Dina Duque, 2.º Encontro Nacional do PCP sobre Cultura

Movimento cineclubista em Portugal

Camaradas e Amigos

Cabe-me a tarefa de vir aqui hoje falar do movimento cineclubista em Portugal.

Com efeito, integro um grupo de trabalho que se encontra a analisar as questões da exibição e da distribuição de cinema português e independente, o que nos conduziu quase de imediato à questão dos cineclubes, a este movimento associativo que de forma espontânea se foi e vem constituindo após a 2ª metade do Século XX.

Esta intervenção apresenta, para mim, duas enormes dificuldades: por um lado, não sou, de forma alguma, especialista em questões do cineclubismo, por outro, estará por fazer a história deste movimento, como se de um “parente pobre” do cinema português se tratasse…

A história dos cineclubes encontra-se intimamente ligada ao movimento associativo, à resistência contra a censura e o Antigo Regime, à luta antifascista e, consequentemente à Revolução de Abril, ligação esta marcada inclusive por uma incrível coincidência, de que já vos falarei.

Desde logo, porém, ressalve-se a capacidade de resistência e resiliência que estas associações de cinema vêm demonstrando ao longo dos tempos e cujas adversidades só a entrega voluntariosa de pessoas apaixonadas pelo cinema e pela Cultura e, neste caso, pelo cinema enquanto 7ª Arte, poderia vencer.

De facto, os cineclubes surgiram a partir de grupos de amigos que se iam juntando para ver e discutir cinema, porque viam o cinema não apenas como forma de entretenimento, mas que o apreciavam enquanto manifestação artístico-cultural.

Nas palavras de Manuel de Azevedo, cineclubista pioneiro e um dos dirigentes do cineclube do Porto, dos primeiros a constituir-se neste país, mantendo ampla actividade político-cultural, os cineclubistas pretendiam, não só “(…) promover a exibição dos melhores filmes, especialmente daqueles que, por não oferecerem interesse comercial, dificilmente serão proporcionados ao público (…)”, mas também, “realizar palestras culturais, editar obras de divulgação, promover, enfim, a cinematografia como elemento de cultura (…)”

Com efeito, a paixão pelo cinema, enquanto forma de arte, rapidamente cativou adeptos, fazendo surgir os primeiros cineclubes na década de 40, sendo que nos anos 50 eram já, pelo menos, quinze os cineclubes em actividade no nosso país.

Pouco depois, porém, muitos deles viriam a ser encerrados pela PIDE nomeadamente por exibirem na íntegra filmes parcialmente censurados ou mesmo integralmente proibidos.      

Com efeito, dos filmes franceses, chamados “filmes de resistência”, ao cinema neo-realista italiano, os fundadores dos cineclubes partilhavam o ideal progressista do cinema enquanto elemento inspirador e transformador das mentalidades, conduzindo à luta por uma sociedade mais justa e mais fraterna.

Não podiam, pois, manter boas relações com o regime fascista, quer pelos ideais que defendiam, quer porque, não por acaso, muitos dos seus fundadores e associados eram membros ou simpatizantes do P.C.P.

Todavia, a campanha de ódio e difamação lançada contra os cineclubes pelo antigo regime, encerrando-os, perseguindo e prendendo os seus membros, apenas serviu para reforçar o movimento cineclubista, que viria até a conhecer subsequentemente um aumento dos seus associados.

Acresce ainda que os cineclubes não se limitavam à divulgação, mas dedicavam-se também à criação, como sucedeu com o documentário intitulado “Auto da Floripes”, filme este produzido com o apoio do cineclube do Porto em 1959, que prenunciou o famoso “Acto da Primavera”, realizado em 1963 por Manoel de Oliveira, onde se regista a encenação popular do “auto da paixão”, inserida numa festa tradicional de uma aldeia transmontana.

Aliás, o movimento cineclubista estará, pelo seu esforço e empenho na defesa do cinema português, na charneira da criação do Instituto Português de Cinema, hoje ICA, e no apoio que a Fundação Gulbenkian veio a proporcionar à produção cinematográfica durante os anos 60, que conheceu realizadores tão importantes e diversos como Fernando Lopes, Paulo Rocha, António Reis e Margarida Cordeiro, ou João César Monteiro.

Percebe-se, por isso, o desânimo de Manuel Pina, fundador do Cineclube Universitário (em Lisboa), ao escrever:

“O que me dói, hoje em dia, não é apenas não se falar de cineclubismo (…) mas também verificar que, quando por milagre, se faz referência aos cineclubes, se mostra ou uma grande ignorância ou uma declarada indiferença, diminuindo a dimensão da obra que realizaram.”

Inclusive, a própria cinemateca portuguesa, da qual o mesmo foi colaborador, foi pensada a partir de uma ideia cineclubista.

Curioso é salientar que - e foi esta a coincidência a que atrás me referi - nesse mesmo dia da Revolução de Abril de 1974, Manuel Pina tivesse marcada uma apresentação no Cineclube Imagem (em Lisboa) subordinada precisamente ao tema “Uma ideia de Cinemateca”, sessão essa que obviamente não se chegou a realizar, mas que veio a ser retomada na Cinemateca Portuguesa, aquando da celebração do 40º aniversário da Revolução dos Cravos, precisamente no dia 25 de Abril…

Actualmente, o movimento cineclubístico em geral enfrenta enormes dificuldades, com um financiamento do ICA irregular e deficiente, dependente em grande medida do interesse e da “boa vontade” das Câmaras Municipais, quer relativamente à cedência de espaços de exibição, quer em relação aos apoios financeiros.

Se alguns Cineclubes, como os de Joane, Santarém ou Ourém, lograram por ora garantir esse apoio, o certo é que muitos outros não dispõem de espaços próprios de exibição, nem conseguem ter uma programação regular em espaços que consigam cumprir os requisitos que a legislação actualmente impõe. 

Na realidade, nas palavras de Rita Correia, que integra actualmente os corpos dirigentes da Federação Portuguesa de Cineclubes, além de ser a responsável pela programação dos Cineclubes de Santarém e de Ourém, para fazer face às despesas de um cineclube bastariam € 25.000 por ano, uma gota no oceano do orçamento anual de um qualquer município...

E no entanto, o trabalho desempenhado pelos cineclubes é, ao mesmo tempo, tão meritório e reconhecido, que algumas Câmaras Municipais e Programadores Culturais ao serviço das mesmas lhes vêm entregando a sua programação de cinema. 

Os cineclubes subsistem essencialmente da quotização dos seus associados, das receitas de bilheteira, ou eventualmente de um escasso apoio do ICA, mas a sua actividade de programação, para ser constante e regular, necessita de dinheiro para assegurar o pagamento dos contratos de trabalho, dos custos de programação, o pagamento de direitos de autor, de despesas correntes, de contabilidade, etc.

Ainda assim, estoicamente, no meio de dificuldades várias, de que são exemplo as recentemente sofridas pelo Cineclube do Porto, que esteve quase a desaparecer, os cineclubes resistem e multiplicam-se, sendo de salientar o extraordinário papel que desempenham junto das populações, pela relação de proximidade que com elas mantêm, que não se cinge à divulgação do cinema, mas se estende a outras actividades artísticas, bem como à educação, à promoção de sessões regulares e de ciclos de cinema, sempre com a preocupação de divulgar, promover e apoiar a produção cinematográfica e a cultura portuguesas, levando junto dos seus públicos, os realizadores, produtores, actores e técnicos de cinema, promovendo encontros e debates, editando bibliografias, dedicando-se alguns mesmo à criação de obras cinematográficas e à promoção de festivais, como sucede, por exemplo, com os cineclubes de Avanca e de Joane.

Na realidade, deverão existir actualmente cerca de 50 cineclubes espalhados um pouco por todo o país: Braga, Guimarães, Amarante, Fundão, Guarda, Santarém, Lisboa, Porto, Faro, bem como nas regiões autónomas dos Açores e Madeira… que participam na divulgação e na criação de um cinema independente, que nos desperta no sentido de procurarmos alternativas para a construção de um mundo melhor. Porque o Cinema, como a arte em geral, tem a capacidade de aproximar as pessoas, criar empatias, gerar afectos, colocar questões, fazer-nos pensar, reflectir. E os cineclubes desempenham um papel crucial nas promoção, divulgação e criação de um cinema independente e nomeadamente do cinema e da cultura em Portugal, potenciando sucessivas gerações de cinéfilos e criadores, como aqui foi testemunhado pelo nosso camarada Pedro Duarte.

Os cineclubes, que antes lutavam contra a censura e pela liberdade, hoje lutam contra as adversidades, o conservadorismo, a tacanhez; também eles, obviamente, uma forma de censura, de aprisionamento das ideias.

É pela liberdade de expressão, plasmada na actividade dos cineclubes, que temos que continuar a lutar. 

Vivam os Cineclubes! Viva o Cinema Português! Viva a Cultura e quem apoia a Cultura em Portugal! 

Viva o P.C.P.! 

 

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