Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, Comício «Faz das injustiças força para lutar - mais salários e pensões, saúde e habitação»

«Mobilizemo-nos e mobilizemos outros contra as injustiças, e delas fazer força para lutar»

Aqui estamos uma semana depois da nossa Conferência Nacional.

Uma iniciativa de êxito extraordinário do nosso colectivo partidário, onde discutimos, decidimos linhas de trabalho, demonstrámos unidade, coesão e uma decidida determinação em dar resposta aos acrescidos e graves problemas com que os trabalhadores e o nosso povo estão hoje confrontados.

Um momento de grande importância e de afirmação dos princípios e natureza do nosso Partido.

A Conferência constituiu assim um momento alto na vida do Partido, também por aquilo que a ela esteve associada, como a reunião do Comité Central, que elegeu um novo Secretário-Geral do Partido. Uma responsabilidade do Comité Central dentro dos princípios do nosso funcionamento, num processo também ele revelador de grande coesão e unidade.

Mas se é verdade que a Conferência foi um sucesso, não é menos verdade que esse sucesso em grande medida precisa agora de ter concretização.

É preciso agora, em cada organização do Partido, em cada célula, em cada organismo, traçar, a partir das realidades concretas, as linhas de trabalho necessárias para aplicar as decisões tomadas.

São tarefas de grande envergadura, aquelas que a Conferência decidiu, e um desafio para o qual o Partido está à altura, como tantas vezes o tem provado.

Este nosso grande colectivo partidário, de gente de grande vontade e determinação, com disponibilidade para ajudar e ser ajudado, é com esta força que vamos por diante.

É assim em todo o País, é também assim no distrito do Porto e aqui em Matosinhos.

Tomar a iniciativa política em torno das questões que mais se colocam aos trabalhadores, ao nosso povo, às suas condições de vida e de trabalho e ao desenvolvimento do País; desenvolver a acção política e o reforço das organizações de massas, da luta, iniciativa e participação populares; alargar e ampliar o trabalho em unidade com democratas e patriotas de diferentes sectores; reforçar o Partido; são estas as tarefas que temos pela frente e de imediato.

Linhas de trabalho que visam dar mais força ao Partido para melhor servir os trabalhadores e o nosso povo, mas que têm igualmente o objectivo de elevar a sua participação e mobilização em torno da solução dos seus problemas e anseios e ao mesmo tempo desbravar caminhos no sentido de afirmar e construir a alternativa Patriótica e de Esquerda tão necessária para a solução dos problemas nacionais.

Uma alternativa que se confronta com a política de direita. Um confronto e um embate político e ideológico que se traduz em opções e medidas concretas no dia-a-dia.

Um confronto muito evidente no actual quadro da situação política e social.

Enquanto milhões são empurrados para o aperto nas suas vidas, enquanto se degrada a situação social que a especulação e a exploração desenfreada promovem e alimentam, uns poucos, os verdadeiros responsáveis da situação – os grupos económicos – acumulam riqueza de uma forma que não se via há anos.

Mês cada vez maior para um salário cada vez mais curto, 75% dos trabalhadores a ganhar menos de mil euros, 2 milhões dos quais a ganhar menos de 800 euros. Lucros cada vez maiores para os grupos económicos, 4 mil milhões de euros que, se distribuídos, fariam aumentar o rendimento disponível aos 2 milhões de pobres em cerca de 2 mil euros por ano, perto de 200 euros mensais a cada um.

É este o grau da injustiça a que chegámos – e há quem o queira prosseguir e aprofundar.

Neste confronto entre projectos e opções políticas revela-se, entre outras, uma das questões de sempre e que neste momento é determinante: salários.

O que é necessário e cada vez mais urgente é o aumento geral e significativo dos salários, que reponha e garanta o aumento do poder de compra, e a fixação a 1 de Janeiro do próximo ano dos 850 euros do Salário Mínimo Nacional, bem como a valorização das carreiras e profissões.

Qual a opção do Governo do PS e de todos os que o acompanham na defesa dos interesses dos grandes grupos económicos, para lá dos belos discursos? Propostas de aumento dos salários que significam perda real de poder de compra. Fá-lo de forma directa no plano da Administração Pública e com as grandes confederações patronais, onde vai ao desplante de assinar um Acordo, que responsabiliza quem o assinou, que na prática fixa máximos de aumentos e mais uma vez abre amplos caminhos de transferência financeira para o grande capital.

Opções que vão mais longe, com o corte de forma descarada nas reformas e pensões; a transferência de 3 mil milhões de euros para as empresas à guisa da crise energética, dos quais 1500 milhões de euros do Orçamento do Estado, numa manobra que deixa as margens de lucro extraordinários e especulativos das grandes empresas e multinacionais energéticas intocáveis.

Em vez de se ir à fonte da especulação, vai-se ao dinheiro público e deixam-se os problemas do País por resolver!

Aliás, a opção de deixar intocável a especulação é marca de água nos tempos que correm, veja-se a subida galopante de preços dos bens alimentares, com uma inflação que atingiu em média 18%, e a recusa de fixar preços, em particular de bens alimentares, numa altura em que os lucros da Sonae dispararam 32,6% e os lucros da Jerónimo Martins subiram para 419 milhões de euros.

Mas podemos também falar da Galp, empresa bem conhecida aqui em Matosinhos, que aqui encerrou e que empurrou para o desemprego centenas de trabalhadores, que, entre Janeiro e Setembro deste ano, teve lucros no valor 608 milhões de euros.

Como aqui chegámos, sabemos bem. As variações de preços do combustível respondem à regra dos três passos à frente e um à retaguarda, que é o mesmo que dizer que por cada vez que o preço desce há três vezes em que sobe.

E o que dizer da banca, 2 mil milhões de lucros nos primeiros nove meses deste ano, com o recurso a comissões de toda a ordem, justificadas, diziam, pelas baixas taxas de juro.

Foram serviços que passaram a ser cobrados, manutenções de conta, comissões disto e daquilo, cartões para aqui e para ali. Os juros começaram a subir, milhares de pessoas aflitas com crédito bancário e essas comissões estão tal e qual.

Perante esta situação, que é de crise na vida para muitos e oportunidade para poucos, o que faz o Governo do PS?

Assume para si na Assembleia da Republica as dores de PSD, Chega e Iniciativa Liberal, que, de forma cada vez mais evidente, também são as suas, e leva à risca as vontades e interesses do grande capital e não do País, como se vê na sua proposta de Orçamento do Estado para 2023.

Uma proposta que aprofundará o empobrecimento da maioria da população. Que continuará a degradação do SNS e dos serviços públicos. Que aprofundará a desresponsabilização do Governo pela Escola Pública. Uma proposta de Orçamento sem respostas de fundo aos problemas da habitação, aos direitos das crianças e dos pais, ao sector da cultura, às dificuldades de milhares de micro, pequenos e médios empresários, agricultores e pescadores.

Uma proposta de Orçamento que traduz a opção de reduzir a dívida e o défice à conta da redução dos salários e das pensões, da desvalorização dos serviços e do investimento público, e do agravamento das injustiças fiscais.

Esta é a conclusão a que chegamos perante a proposta de Orçamento do Estado e que inicia a sua discussão na especialidade na próxima segunda-feira.

Da nossa parte estamos e vamos continuar empenhados e a intervir, também relativamente ao Orçamento do Estado.

Avançamos propostas que respondem aos problemas dos trabalhadores, da população, dos pequenos e médios agricultores e empresários, de amplas camadas da sociedade, propostas e medidas que fazem frente às benesses dos grupos económicos.

Defendemos e propomos a recuperação e a valorização do poder de compra dos trabalhadores da Administração Pública e dos reformados, nomeadamente através de aumentos de pensões sem cortes e no mínimo em 50 euros.

Vejamos como outros se posicionam perante estas propostas.

Da nossa parte defendemos e propomos, mais uma vez, a fixação de preços de bens e serviços essenciais, onde se englobam os alimentos, os combustíveis, a electricidade e o gás, com o controlo de preços do cabaz alimentar, o estabelecimento do IVA a 6% para a electricidade e o gás e a efectivação de uma tarifa regulada da electricidade e do gás, entre outras medidas.

Vejamos como outros se posicionam perante estas propostas.

Defendemos e propomos medidas de reforço dos serviços públicos, em particular e de forma urgente do Serviço Nacional de Saúde, com um regime de dedicação exclusiva, aumento salarial e contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão, contratação de médicos e enfermeiros de família, medidas que se estendem a todos os serviços públicos.

Vejamos como outros se posicionam perante estas propostas.

Da nossa parte defendemos e propomos o reforço do direito à habitação, seja no acesso, seja na protecção, para que ninguém fique sem casa.

Propomos um spread máximo de 0,25% a praticar pela Caixa Geral de Depósitos, a actualização máxima das rendas até 0,43%, propomos fazer corresponder a subida das taxas Euribor a uma redução de taxas, comissões bancárias e outros encargos cobrados pelos bancos.

Vejamos como outros se posicionam perante estas propostas.

Propostas e medidas, mais de 400, que apresentamos. São objectivos de luta, precisamos de as levar mais longe, aos que delas são beneficiários.

Propostas urgentes e necessárias num quadro em que a situação económica e social está a assumir contornos de crescente preocupação e onde todo o esforço está colocado no desviar de atenções dos problemas concretos e das dificuldades por que passam os trabalhadores, os pequenos e médios agricultores e empresários, a juventude e amplas camadas e sectores.

O foco mediático está centrado na agitação de sucessivos casos. Para nós é claro, investigue-se o que há para investigar, apure-se o que há para apurar, responsabilize-se quem for de responsabilizar e ponto final. Há quem queira alimentar estes casos porque vê nisso, mais do que práticas condenáveis, uma forma de atingir o regime democrático e a própria Constituição.

Não contem com o PCP para esse objectivo.

A Constituição da Republica, esse documento de grande significado político que, apesar das sete revisões e de profundamente golpeada, mantém uma profunda actualidade e é base fundamental dos direitos e das opções que permitem construir uma vida melhor.

O problema da Constituição não está no seu conteúdo, o problema está na sua não aplicação integral na vida de todos os dias, não é um texto que está desadequado da realidade, é a realidade vivida que foi sendo afastada do texto constitucional, para prejuízo da generalidade da população.

O grande desafio que se coloca aos democratas é a exigência do seu cumprimento e a concretização dos direitos que consagra e não abrir para novas revisões, desde logo precipitadas sem necessidade urgente.

Sabemos da história das sete revisões anteriores, sabemos como começaram e sabemos como acabaram, com desvirtuamentos e mutilações.

Fez mal o PS em abrir as portas neste processo, fez mal o PS em ser interveniente e dar espaço e oportunidade para que objectivos e propósitos reaccionários e antidemocráticos bem patentes nos projectos de PSD, Chega e IL tenham campo para medrar. Faz mal o PS quando estende a mão ao PSD para com ele concertar alterações que fragilizam e atacam direitos fundamentais.

Da nossa parte interviremos com a nossa própria iniciativa, no sentido de defender os valores de Abril e aprofundar o projecto de futuro que a Constituição da República comporta, dando firme combate a concepções antidemocráticas que visam a imposição de retrocessos e liquidação de direitos no plano constitucional.

São inúmeros os desafios que se colocam perante nós.

Avancemos com força, determinação e confiança para levar à prática as conclusões da nossa Conferência Nacional. Para esclarecer, abrir caminhos, dar esperança e confiança ao nosso povo e mobilizá-lo, fazer das injustiças força para lutar, para lutar por uma vida melhor, a vida a que temos direito.

Mobilizemo-nos para ganhar outros e com eles, com o seu envolvimento e participação, construir a política patriótica e de esquerda, a alternativa que está ao serviço dos trabalhadores, do povo e do País.

A alternativa que responde aos direitos e anseios da maioria do nosso povo e que se coloca ao seu serviço.

Uma alternativa que exige, mobilização, empenho, criatividade, participação e construção também com outros, pelo aumento dos salários, das reformas e das pensões; porque não há futuro com salários de miséria e com a precariedade laboral; pelos direitos das crianças e dos pais, porque não é possível alegria e aprendizagem sem direitos, e é dramático que pais tenham de optar entre pôr comida na mesa ou ter tempo de brincadeira e aprendizagem com os seus próprios filhos; pela defesa e na exigência de mais e melhores serviços públicos, porque o público é de todos e o privado é só de alguns; pela paz, porque os povos exigem e a ela têm direito; pela produção nacional e pelo controlo público dos sectores e empresas estratégicas, porque um País cada vez mais dependente é um País cada vez mais condenado; por uma política fiscal que desagrave os trabalhadores e as pequenas e médias empresas e tribute fortemente os rendimentos do grande capital, os lucros e a especulação financeira, porque o problema do País não está nos impostos, o problema está sobre quem e de que forma eles incidem; pela urgente recuperação da soberania económica, orçamental e monetária, porque um País amarrado nunca será um País verdadeiramente livre.

Mobilizemo-nos e mobilizemos outros para a luta contra o aumento do custo de vida, contra as injustiças, e delas fazer força para lutar. Por um projecto que é nosso e é de todos quantos ambicionam uma vida melhor.

Uma vida melhor que é possível construir, passo a passo, em cada empresa, em cada localidade, em cada realidade concreta. Uma realidade que também é de luta e que teve ontem uma importante, grande e significativa expressão, com a greve da Administração Pública, tal como em tantas e cada uma das empresas, em tantas e cada uma das áreas, com os enfermeiros, com os utentes, com a juventude, com os reformados, com os agricultores e tantas, tantas outras, que daqui saudamos, uma luta que terá no próximo dia 25, em frente à Assembleia da República, estamos certos, uma forte, decidida e clara expressão, no dia em que será votado Orçamento do Estado.

Há forças, há vontade, há confiança e potencialidades.

Com os trabalhadores, com o povo, com amplas camadas e sectores, vamos mesmo continuar a trilhar este caminho.

Um caminho de luta, sim, mas acima de tudo um caminho de esperança, de construção e de apelo à participação de todos os que aspiram a uma vida melhor.

Avançar é possível.

Ao trabalho camaradas.

Com confiança.

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