Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão Pública no aniversário de nascimento de Álvaro Cunhal «Mais força aos trabalhadores – conquistar direitos, transformar o sonho em vida»

Mais força aos trabalhadores – conquistar direitos, transformar o sonho em vida

Encontramo-nos hoje aqui, na Marinha Grande, terra de grandes e honrosas tradições do movimento operário e sindical e da sua luta, para evocar e homenagear a figura ímpar de Álvaro Cunhal no dia da passagem de mais um aniversário do seu nascimento e, a partir do seu valioso legado, evidenciar a importância da intervenção e da luta dos trabalhadores no processo de transformação progressista de uma sociedade que continua marcada pela exploração capitalista e por inaceitáveis injustiças sociais. 

É sob o lema “Mais força aos trabalhadores – conquistar direitos, transformar o sonho em vida” uma questão actual nos dias que vivemos e tão marcante nas vivências e lutas das gentes desta terra que olharemos o passado e o futuro deste combate através do contributo do dirigente político experimentado com uma intervenção impressiva na vida contemporânea que foi Álvaro Cunhal.

Desse intrépido dirigente do PCP que nutria, tal como o seu Partido, um profundo respeito pela luta e percurso dos trabalhadores e do povo desta terra de trabalho que vem do fundo do tempo da nossa tardia revolução industrial e que o manifestou quando afirmou a “Marinha Grande é um nome escrito a ouro na história do movimento operário português” para valorizar e reconhecer a sua luta heróica de décadas, que arrostou inauditos sacrifícios e vidas na luta pela liberdade e a democracia, por uma vida melhor para todos e contra a exploração.

Esta atenção permanente dedicada aos trabalhadores e à sua luta era, sem dúvida, uma das mais importantes dimensões da sua intervenção política e ideológica, em resultado da opção política que fez e que se traduziu num compromisso de uma vida inteira dedicada à causa da luta pela emancipação da classe operária, dos trabalhadores e seus problemas.

Um compromisso muito cedo assumido por quem se sente e é parte de uma luta mais geral que o seu Partido protagonizava pela elevação das condições de vida dos trabalhadores e pela concretização de uma sociedade nova liberta da exploração. 

Álvaro Cunhal, como dirigente do PCP, procurou respostas com o estudo atento e rigoroso às  condições de vida e de trabalho das classes laboriosas, aos seus problemas e aspirações, à sua luta e à luta das suas organizações, nomeadamente ao estudo do movimento sindical no nosso País, para o desenvolvimento do qual deu, igualmente, e em várias fases da sua evolução, contributos inestimáveis. 

Desde logo a contribuição particular dada por Álvaro Cunhal nos anos quarenta no aprofundamento e concretização das orientações do PCP e da intervenção dos comunistas portugueses que, desde os finais dos anos vinte do século passado e com Bento Gonçalves, trabalhavam na dinamização de um movimento sindical verdadeiramente de classe e de massas,  que aqui na Marinha Grande, se havia de concretizar com a unificação das associações sindicais de classe dos garrafeiros, vidraceiros, cristaleiros e lapidários, numa única organização nacional da indústria vidreira – o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria do Vidro,  constituído em 1931 e que, não tardaria, o fascismo havia de encerrar, despoletando  o movimento insurreccional do 18 de Janeiro de 1934. 

Foi seguindo uma linha de rumo que reservava às massas um imprescindível e determinante papel, que Álvaro Cunhal vai dar uma contribuição de grande originalidade que teve em conta e deu uma resposta criativa à especificidade da situação portuguesa, quer na via escolhida da intervenção do movimento operário no plano sindical, quer no plano das soluções para garantir a unidade da classe operária e que haveria de influenciar e determinar as características únicas que apresenta o movimento sindical unitário português. 

Uma mudança na orientação que se traduziu no abandono do desenvolvimento de sindicatos clandestinos – a primeira resposta à situação criada com a fascização dos sindicatos e que cedo se revelou ineficaz – para uma decidida intervenção visando a tomada por dentro, em listas de unidade, dos sindicatos únicos e de sindicalização obrigatória do regime fascista – os denominados Sindicatos Nacionais. 

Estar onde estão as massas e trabalhar com elas, e com elas agir na defesa dos seus interesses, era a palavra de ordem que então se impunha concretizar e que assumia uma nova dimensão e exigência no quadro da luta mais geral da resistência antifascista, dando expressão à realização da estratégia da frente única da classe operária, componente determinante da frente única antifascista que agora se erguia igualmente com o desenvolvimento das Comissões de Unidade, a outra vertente organizativa da classe operária e que vão desempenhar também um importantíssimo papel no desenvolvimento da luta da classe operária e dos trabalhadores.  

Uma nova e decidida orientação que exigia uma grande coragem e determinação, num quadro de grande repressão e grandes perigos, mas também de naturais incompreensões que foram necessárias vencer, num debate ideológico, em que Álvaro Cunhal se empenhou de forma particular.

Isso está patente, no relatório por si apresentado ao III Congresso do PCP e que vai operar de forma decidida a grande viragem no trabalho sindical dos comunistas. Desmascarar as direcções fascistas e trabalhar para eleger direcções da confiança dos trabalhadores, em listas não apenas de comunistas, mas em unidade com outros trabalhadores de outras orientações, e desenvolver, a partir das posições conquistadas, lutas reivindicativas nas empresas e locais de trabalho, são duas grandes linhas de trabalho que se tornam uma constante na actividade dos comunistas durante o regime fascista.

Um relatório que avançava já a perspectiva, também ela revelando um grande acerto, do aproveitamento, após o derrubamento do fascismo, da base material e dos meios existentes nos sindicatos nacionais, não preconizando a sua dissolução, mas o seu aproveitamento com a realização de eleições livres. 

Foi esta acertada e original orientação, juntamente com a iniciativa directa do próprio Partido nas empresas e nos campos, através do apoio e dinamização das comissões de unidade - essas predecessoras das actuais Comissões de Trabalhadores - que possibilitou levar a cabo grandes lutas de massas, mesmo num quadro de ausência de liberdade e de grande repressão. 

Estávamos na primeira metade dos anos quarenta, dando curso também ao processo de reorganização do PCP, aqui também com o inestimável contributo de Álvaro Cunhal. Um processo que vai transformar o PCP num grande Partido nacional, da classe operária, dos trabalhadores e dirigente da luta de resistência antifascista. 

O êxito desta orientação viu-se logo nesses anos quarenta, nas grandes greves de Julho-Agosto de 1943 e nos importantes movimentos reivindicativos de pequenas e grandes lutas pelos salários nesse período e que a Marinha Grande também conheceu dando passos na conquista de direitos e fazendo caminho na transformação da realidade. Muitas outras se seguiram nas fábricas, nos campos, nas minas, nos portos não apenas nesses, mas nos anos seguintes, pelos salários, pela conquista das 8 horas nos campos, com importantes vitórias.  

Lutas de massas que Álvaro Cunhal referenciava como indispensáveis para apressar o derrube do fascismo. 

Foi esta orientação e as lutas que se travaram que permitiram que a classe operária se tivesse transformado na vanguarda da luta antifascista, muito evidente a partir das grandes jornadas do 1º. de Maio de 1962 e que se tivessem criado as condições, quer materiais, quer de quadros, quer de participação das massas, para o surgimento da Intersindical, em 1970, e esta tivesse desempenhado o papel que desempenhou nos grandes movimentos de massas e greves no período que antecedeu a Revolução de Abril, e do papel de relevo que assumiu no processo revolucionário.

Às portas do 25 de Abril a amplitude das lutas dos trabalhadores atingia elevadíssimos níveis de participação e combatividade. Centenas de milhar de trabalhadores naqueles anos que antecederam a Revolução de Abril estavam em luta sob as mais diversas formas e participando em numerosas, combativas e amplas greves, confirmando a justeza da orientação traçada pelo PCP, ao mesmo tempo que refutava na prática as concepções sectárias do radicalismo pequeno burguês que com a sua fraseologia pseudorevolucionária considerava a luta por reivindicações económicas, por objectivos imediatos, “errada” e “inútil”. 

Grandes movimentos e grandes acções colectivas de massas, onde se incluem as lutas dos vidreiros desses anos, como a grande e vitoriosa greve de Março de 1974, mas também a luta de outros sectores, como a combativa e destacada luta dos trabalhadores da Empresa de Limas Tomé Féteira desse período. 

Afirmava, então, Álvaro Cunhal: “nas lutas de massas, as massas ganham experiência, hábitos de combate e de sacrifício, educam-se revolucionariamente, dispõem-se cada vez mais a acções enérgicas e decididas. As lutas de massas escavam as bases de apoio do fascismo, quebram a sua estabilidade, enfraquecem o seu domínio.”   

Álvaro Cunhal não só mostrava a sua importância na mobilização e educação política das massas e o seu valor no desenvolvimento do processo revolucionário, mas também por serem essenciais «para a defesa dos interesses vitais dos trabalhadores, para fazer frente à exploração, para impedir a degradação das condições de vida e conseguirem melhorá-las».

Foi a persistência na concretização desta orientação que permitiu ao movimento operário e sindical, e de forma destacada à Intersindical, rapidamente reconhecida como a grande central sindical dos trabalhadores portugueses, dar um contributo determinante no levantamento popular que se seguiu ao levantamento militar e ser uma força motora da Revolução, garantir importantes melhoramentos nas condições de vida dos trabalhadores e lutar pela concretização e reconhecimento das grandes conquistas da Revolução – controlo operário, nacionalizações e reforma agrária, dando um passo largo e bem largo na transformação da realidade, no plano dos direitos fundamentais, como o direito à greve, à organização sindical na empresa, de manifestação, entre outros e com eles nas suas condições de vida e de trabalho.

Uma justa orientação aquela que armou os trabalhadores com fortes instrumentos organização e luta, cimentou a sua unidade que lhes deu a força indispensável para conquistar direitos e transformar as suas vidas e a própria sociedade.

Sim, a força dos trabalhadores está na sua unidade e organização e o grande capital sabe que assim é. Por isso a batalha pela unidade dos trabalhadores, no quadro de uma justa orientação, independente dos interesses do capital, confrontou-se em todos os tempos com a acção empenhada daqueles que apostam na intensificação da exploração e na eternização do sistema que a serve – o sistema capitalista. 

Esse sistema que só conhece o caminho do refinamento da sua natureza exploradora, opressora, agressiva e predadora. 

Esse sistema produtor de injustiças e desigualdades que investe recursos enormes, incluindo em meios de intoxicação ideológica, visando a divisão dos trabalhadores, para assegurar a sua própria sobrevivência. 

Assim tem sido quando tudo faz para atirar trabalhadores do privado contra o público, os novos contra os mais velhos, os precários contra os que conquistaram o direito a um emprego estável, apontados como privilegiados, os homens contra as mulheres, e investem enormes fortunas  para dividir as suas organizações de classe. 

De facto, a acção divisionista tem em Portugal um longo historial, assumindo as mais variadas formas e mobilizando poderosos recursos. 

O grande capital monopolista, encontrou sempre nas forças políticas que promoveram o processo de recuperação do seu domínio perdido com a Revolução de Abril, os seus mais solícitos aliados – os Governos do PS, PSD e CDS, a que se juntam hoje a IL e o Chega. 

Dos alvores da Revolução de Abril até hoje, numa simbiose perfeita, vimo-los esgrimir todos os seus instrumentos e recursos em várias frentes, incluindo a utilização do aparelho do Estado na produção de legislação que enfraqueceu e fragilizou não apenas a relação individual de trabalho a favor do capital, mas também a acção colectiva e a acção das organizações verdadeiramente representativas dos trabalhadores.   

Das “cartas abertas”, aos aparatosos e retumbantes Manifestos que ora anunciavam a extinção da classe operária, ora o fim da luta de classes, às muitas tentativas de submeter a acção das organizações dos trabalhadores nas baias da chamada “concertação social”, como hoje continuam a tentar, com esse Acordo farsa, recentemente assinado entre Governo, grandes confederações patronais e UGT e o mesmo se poderia dizer em relação ao Acordo subscrito para a Administração Pública. 

Um acordo que se traduz numa opção de degradação acentuada do poder compra dos trabalhadores, a começar pela insuficiência do Salário Mínimo Nacional. Um Acordo com compromissos em matéria de salários que são um logro no actual quadro de manutenção das normas gravosas do Código de Trabalho que bloqueiam a contratação colectiva. 

Um Acordo que, em contraponto, prevê e garante uma volumosa transferência de recursos públicos para o grande capital, para as multinacionais e os grupos económicos, nomeadamente através da concessão de novos e volumosos benefícios fiscais e avultados apoios.

Bastaria fazer um balanço às decisões dos sucessivos governos e às tomadas de posição do PS nestes últimos anos, sempre acompanhadas pelas forças reaccionárias e retrógradas de PSD, CDS, IL e Chega em matéria de direitos e salários, para se demonstrar a natureza de classe das suas decisões a favor do grande capital, visando a intensificação da exploração dos trabalhadores. 

Veja-se como passam por cima do grave problema do custo de vida que está a degradar salários e pensões que perdem poder de compra a um ritmo e numa dimensão crescente e como recusam e votam contra as propostas do PCP para repor o poder de compra dos trabalhadores e controlar preços da especulação desenfreada dos grupos económicos monopolistas.     

Como empurram para cima dos trabalhadores do activo ou na reforma o peso das dificuldades, enquanto não mexem uma palha para condicionar e impedir os abusos das multinacionais e dos grupos económicos. É verdade, camaradas, o ano de 2021, foi um ano de arromba para os lucros, atingiram o maior valor de sempre em Portugal. O ano de 2022 vai ser igual!     

Essa mesma opção a favor do grande capital encontramos na proposta do PS de Orçamento do Estado de 2023, agora em discussão. É uma proposta de Orçamento do Estado em que as suas opções revelam uma enorme desconsideração pelos problemas dos trabalhadores. Não assegura a resposta aos problemas económicos e sociais mais imediatos, aprofunda desigualdades e injustiças. Não dá resposta ao problema do investimento e dos serviços públicos, nomeadamente do SNS e da Escola Pública. 

Um Orçamento em contraste com as vantagens, privilégios e benefícios fiscais concedidos aos grupos económicos.

Perante a situação que se apresenta sublinha-se a importância da luta dos trabalhadores e das classes e camadas antimonopolistas em defesa das suas condições de vida. 

Essa luta que tem sido decisiva para defender muitas das conquistas da Revolução de Abril que subsistem na nossa realidade de hoje é decisiva para transformar o sonho de uma vida melhor em realidade. 

Também neste domínio Álvaro Cunhal deu desde sempre importantes contributos que se projectam como importantes ensinamentos para a nossa intervenção e para a intervenção dos trabalhadores na actualidade. A importância de todas as lutas. Mesmo das pequenas lutas, das lutas parciais para resolver os problemas vitais dos trabalhadores e das massas, e não só as grandes lutas por objectivos económicos e políticos. 

É na torrente das pequenas e grandes lutas de massas que se pode encontrar o caminho para ultrapassar também as actuais dificuldades que os trabalhadores enfrentam no plano dos salários, dos direitos, do emprego e do trabalho precário, dos horários, da intensificação da exploração do trabalho, agravada pela manutenção das normas gravosas da legislação laboral, que têm vindo a ser impostas, como afirmava Álvaro Cunhal “a situação económica e a vida política portuguesa não se decide apenas nas altas esferas. Na vida política e na vida económica intervêm directamente os trabalhadores, intervêm directamente as massas populares. (…) A última palavra na vida das nações acaba sempre por ser ditada pelas massas populares”.

É a compreensão deste papel das massas que não pode ser perdido de vista e a que Álvaro Cunhal sempre chamou à atenção. 

Aqui reafirmamos o legado de Álvaro Cunhal. Aqui reafirmamos o compromisso de sempre do Partido Comunista Português, com os interesses de classe dos trabalhadores, aqui reafirmamos o apelo à sua organização, unidade e luta.

Como está comprovado esse é caminho para defender e conquistar direitos, esse é o caminho do desenvolvimento do País.

No tempo em que vivemos, saudamos as lutas dos mais diversos sectores e apelamos à participação nas lutas em curso, em particular a greve dos trabalhadores da Administração Pública do próximo dia 18 de Novembro, na concentração junto à Assembleia da República do dia 25 de Novembro, dia da votação final do Orçamento do Estado e na semana de luta nas empresas e serviços a realizar entre 10 e 17 de Dezembro, convocadas pela CGTP-IN.  

Neste dia do centésimo nono aniversário do nascimento de Álvaro Cunhal cujo  exemplo de vida, luta e obra continuam a ser fonte de optimismo e confiança e um incentivo para quem luta e acredita na força criadora e libertadora dos homens e dos povos, mais uma vez reafirmamos que é possível assegurar um projecto de desenvolvimento ao serviço dos trabalhadores, do povo e do País.  

É honrando a sua memória, que mais uma vez reafirmamos a nossa inquebrantável determinação de continuar a perseguir aquele sonho milenar pela materialização do qual Álvaro Cunhal entregou toda uma vida de combatente revolucionário – o sonho da construção de uma sociedade liberta da exploração do homem pelo outro homem.

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