Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

"A luta cresce nas ruas contra esta política, pela demissão do Governo"

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Interpelação sobre funções sociais do Estado e serviços públicos de qualidade e proximidade ao serviço das populações
(interpelação n.º 13/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
O atual Governo PSD/CDS-PP opta por dirigir um ataque sem precedentes aos serviços públicos e às funções sociais do Estado, empobrecendo o nosso regime democrático.
Quando retira direitos aos trabalhadores, quando dificulta o acesso à saúde e à escola pública, quando nega o direito à segurança social, quando estrangula o setor da cultura ou desmantela serviços públicos de transportes, comunicações ou de apoio às atividades produtivas, o Governo está a colocar em causa pilares fundamentais em que assenta o nosso regime democrático e a atingir sempre os mesmos: os trabalhadores, os reformados, a população em geral, as jovens gerações.
O Governo invoca o pacto de agressão da troica, subscrito pelo PS, pelo PSD e pelo CDS-PP, para justificar o ataque aos serviços públicos e às funções sociais do Estado, como se não estivesse de acordo com a política que está a prosseguir ou como se esta não correspondesse às suas opções ideológicas.
A única preocupação do Governo é colocar o Estado ao serviço dos interesses do grande capital.
O ataque às funções sociais do Estado e a destruição dos serviços públicos integra o processo mais vasto de reconfiguração do Estado que o Governo tem em curso, degradando a qualidade dos serviços prestados e criando um sentimento de insatisfação junto das populações para depois apresentar a privatização como a solução milagrosa.
A privatização de serviços públicos e das funções sociais do Estado não garante a proximidade e a universalidade e vem introduzir custos mais elevados e perda de qualidade nos serviços prestados.
A falsa ideia da liberdade de escolha não significa nada mais, nada menos do que financiar diretamente os grupos económicos e financeiros para a prestação de serviços que deviam ser assegurados pelo Estado.
Dizem que o utente pode escolher entre o público ou o privado, omitindo que é o Estado que suporta a atividade dos grupos privados e, mais do que isso, é o próprio Estado que lhes garante «os clientes».
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados,
É global a ofensiva contra as funções sociais e os serviços públicos: na saúde, na educação, na segurança social, na cultura, nos serviços de finanças e nos CTT, na justiça, nas acessibilidades e mobilidade, nas comunicações, nos serviços de água e resíduos ou nos serviços de apoio à agricultura e mar. Até ao nível do poder local democrático, desrespeitando a sua autonomia e extinguindo freguesias, o Governo procura condicionar a prestação de serviços públicos.
O desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde materializa-se no desinvestimento, na carência de profissionais de saúde e na degradação da sua situação laboral, na transferência dos custos da saúde para os utentes e na entrega de mais setores da saúde aos grupos privados.
Encerram-se serviços e valências e reduzem-se horários de funcionamento, por critérios exclusivamente economicistas. Sem profissionais de saúde motivados e integrados em carreiras com vínculos públicos, não há Serviço Nacional de Saúde.
O aumento brutal das taxas moderadoras impede os utentes de aceder aos cuidados de saúde, assim como a não atribuição de transporte de doentes não urgentes. Há cada vez mais pessoas que adiam consultas, exames ou tratamentos e não compram medicamentos por não poderem suportar os custos.
Ao mesmo tempo que o Governo degrada os serviços públicos de saúde, oferece aos privados mais oportunidades de negócio, de que são exemplo, as USF (unidades de saúde familiar) tipo C ou a entrega de hospitais às misericórdias e aos grupos económicos e financeiros.
Para o capital só interessa assegurar aos pobres um pacote mínimo de serviços, deixando os cuidados de saúde de ser prestados em função da necessidade de cada utente, mas, sim, segundo o seu rendimento ou origem social.
Na educação, a destruição da escola pública avança todos os dias com o aumento do número de alunos por turma, com o despedimento de milhares de professores, com o empobrecimento do currículo, com a gestão menos democrática, com a constituição de mega-agrupamentos, com a falta de auxiliares de ação educativa, com a constante falta de material pedagógico, com a redução dos meios no ensino especial, com a não constituição de equipas multidisciplinares e uma ação social escolar ineficaz. E é cada vez mais difícil para uma família suportar os elevados custos para ter um filho a estudar.
A imposição da prova de ingresso a milhares de professores contratados é exemplo da política de humilhação destes trabalhadores e tem a intenção clara de impedir milhares de professores de exercerem a sua profissão, atirando-os para o desemprego.
A implementação do ensino vocacional e dos cursos profissionais tem como objetivo seriar, desde muito cedo, quem prossegue estudos e quem aprende um ofício, segundo as suas condições socioeconómicas.
O ensino superior está mais elitizado. O elevado custo das propinas, alojamento, alimentação, material escolar e deslocação, associado à redução do número de bolsas atribuídas, leva ao abandono dos estudos por muitos estudantes devido a dificuldades económicas.
A igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolar e a eliminação das desigualdades sociais e económicas, como determina a nossa Constituição, é cada vez mais uma miragem.
O abandono da cultura integral do indivíduo não ocorre por acaso, antes corresponde a uma conceção dos setores mais conservadores para impedir a emancipação dos trabalhadores e para condicionar a sua intervenção cívica.
Não interessa desenvolver o pensamento crítico; o que interessa é promover o conformismo para a perpetuação do sistema capitalista.
No que respeita à segurança social, pretende substituir-se o princípio da solidariedade pelo assistencialismo, atingindo a dignidade das pessoas, ao preferir atribuir esmolas, em vez de garantir verdadeiras condições para as pessoas ultrapassarem a situação de pobreza. Introduziram-se critérios, como a condição de recursos, com o fim único de reduzir e retirar prestações sociais. Milhares de crianças perderam ou viram reduzido o abono de família, reduziram o complemento solidário a milhares de idosos, milhares de pessoas perderam o rendimento social de inserção e somente cerca de um terço dos trabalhadores em situação de desemprego tem acesso ao subsídio de desemprego. Cortaram no subsídio de maternidade e paternidade. Nada do que interessa aos trabalhadores e ao povo escapa.
Não satisfeito, o Governo quer ainda cortar nas pensões de sobrevivência do regime contributivo, para as quais as pessoas descontaram dos seus salários.
Salienta-se a ausência de investimento numa rede pública de equipamentos para a infância e para os idosos.
A introdução do plafonamento nas contribuições para a segurança social é uma velha pretensão para criar sistemas privados paralelos e descapitalizar a segurança social. A consequência seria uma segurança social degradada para os mais vulneráveis, maior redução das prestações sociais e a perda do carácter solidário.
No outro plano, a democracia cultural sofre a maior regressão desde que o povo português conquistou a cultura como um direito. O serviço público de arte e cultura foi o que menos se consolidou em termos de financiamento e o momento atual é de liquidação por asfixia financeira, que resulta numa verdadeira censura à liberdade de criação e na desertificação cultural de vastas regiões do País e na mercantilização da cultura nos centros urbanos.
O direito à mobilidade das populações está cada vez mais condicionado devido ao aumento brutal dos preços dos transportes públicos nos últimos anos e pela consecutiva redução de carreiras do transporte público ferroviário, rodoviário e fluvial.
Nos serviços da agricultura, já foram despedidos 2152 funcionários, sob a responsabilidade do PS, do PSD e do CDS-PP. A destruição da estrutura de funcionamento do Ministério reduziu a sua capacidade de intervenção, como é exemplo a liquidação dos laboratórios públicos para gastar avultadas quantias em laboratórios estrangeiros.
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Os protagonistas da política de direita nunca se conformaram com o conteúdo progressista da nossa Constituição, onde o Estado assegura os direitos políticos, económicos, sociais e culturais.
Foi Abril que possibilitou, pela primeira vez, que milhares de pessoas fossem a uma consulta médica, que milhares de jovens pudessem ter acesso a todos os graus de ensino, que garantiu direitos e prestações sociais e proporcionou avanços na democratização cultural.
Há várias décadas que sucessivos Governos pretendem repor uma economia dominada pelo capital monopolista e usurpar as funções sociais do Estado para obterem chorudos lucros à custa da exploração e do Orçamento do Estado.
Na prática, ambicionam que seja o Estado, isto é, todos nós, a garantir o aumento das suas fortunas, enquanto o povo vai empobrecendo a uma cada vez maior velocidade.
A política de direita não é compatível com a garantia das funções sociais do Estado e de serviços públicos de qualidade e proximidade.
Por isso, a rejeição do pacto de agressão da troica, a rutura com a política de direita, a demissão deste Governo e a concretização de uma política patriótica e de esquerda surgem como condições essenciais para defender o regime democrático.
A luta cresce nas ruas contra esta política, pela demissão do Governo e por uma verdadeira alternativa política, e vai continuar a desenvolver-se.
O PCP agendou esta interpelação para não só confrontar o Governo com as consequências das suas políticas mas também para mostrar aqui, hoje, que há uma política alternativa, uma política que aposta e que investe nos nossos recursos, que permite a distribuição da riqueza e que garante o direito à educação, à cultura, à saúde, à segurança social.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,
Queria dirigir-lhe uma pergunta muito concreta.
O Sr. Secretário de Estado veio aqui falar daquilo que têm sido as grandes políticas deste Governo para o Serviço Nacional de Saúde, mas continua a ignorar a realidade concreta. E a realidade concreta é que nunca houve tantos portugueses com dificuldades em aceder aos cuidados de saúde, seja pelas taxas moderadoras, seja pela não atribuição de transporte de doentes não urgentes.
Nunca tantos portugueses deixaram de aceder aos cuidados primários de saúde.
Este Governo refere que os cuidados primários de saúde são uma prioridade, mas o que vemos é que as pessoas têm cada vez mais dificuldades em ir ao seu médico de família, têm cada vez mais dificuldades em comprar os medicamentos de que necessitam.
O Sr. Secretário de Estado falou aqui da toxicodependência, mas esqueceu-se de falar do indicador preocupante que é o aumento das recaídas, que, em 2013, quase triplicaram, nomeadamente dos consumidores de heroína.
Sr. Secretário de Estado, refira-se a estes problemas concretos.

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