Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral

Abertura das Jornadas Parlamentares

As nossas Jornadas Parlamentares acontecem a escassos dias da realização de mais uma importante luta dos trabalhadores portugueses.

No próximo dia 18 de Outubro, por convocação e organização da CGTP-IN, o mundo do trabalho e também muitos outros portugueses das mais variadas camadas da população expressarão, nas ruas de Lisboa, o seu mais vivo protesto contra as políticas anti-sociais do governo do PS de José Sócrates e reafirmarão o seu direito e aspirações a alcançar uma vida melhor que as actuais políticas governativas lhes continuam a negar.

Temos a convicção que a sua dimensão constituirá a melhor prova de que Sócrates está a confundir a árvore com a floresta sobre o grau de protesto, descontentamento e luta contra a sua política injusta e classista.

Os trabalhos das nossas Jornadas Parlamentares, que agora iniciamos, não deixarão, naturalmente, de reflectir sobre as actuais condições de vida dos trabalhadores e das populações e corresponder, com proposta e com denúncia, aos anseios dos milhares e milhares de portugueses que lutam e são vítimas de uma política marcadamente de classe ao serviço dos grandes interesses e dos poderosos.

É vasta e profunda a ofensiva do governo do PS que está, cada vez mais, a pôr em causa e a degradar aspectos essenciais da vida dos trabalhadores e do povo, nomeadamente a degradação do poder de compra dos rendimentos do trabalho, o direito ao trabalho e os direitos laborais, agora também sobre a mira dos sombrios projectos governamentais da flexigurança, bem como o conjunto de direitos sociais, designadamente o direito à saúde e à educação que nas presentes Jornadas irá merecer uma particular atenção.
 
O PCP não aceita esta situação e proclama outro caminho. Lançámos a Campanha Nacional “Basta de injustiças, mudar de política, para uma vida melhor”. Perante a degradação das condições de vida dos portugueses e, particularmente, em função do aprofundamento da injusta distribuição do rendimento nacional que é necessário promover o aumento dos salários e das pensões como factor de justiça social e de estímulo ao desenvolvimento económico.

Aqui queremos anunciar que o PCP vai apresentar um projecto de resolução que aponta para a fixação do valor do salário mínimo nacional no início de 2008 em pelo menos 426, 5 euros.

Esta iniciativa tem como objectivo confrontar o Governo com o cumprimento dos acordos que estabeleceu e de que se quer descartar. A luta dos trabalhadores obrigou o Governo, depois de ter considerado esta reivindicação como “ demagógica e fantasista”, a comprometer-se com o aumento do salário mínimo nacional para 450 euros em 2009 e 500 euros em 2011. Isto quer dizer que, em 2008, o seu valor deve ser pelo menos de 426,5 euros. Não é aceitável que o Governo queira agora fugir ao compromisso que assumiu e queira agora decidir em conformidade com os seus interesses eleitorais para 2009 e não em relação à situação de centenas de milhares de trabalhadores que hoje trabalham empobrecendo.
 
Nas últimas Jornadas Parlamentares demos uma significativa atenção e relevo aos problemas da saúde dos portugueses e à ofensiva do governo contra o Serviço Nacional de Saúde.

As recentes lutas, nomeadamente a luta do passado dia 22 e os generalizados protestos das populações, confirmam a justeza das nossas análises e preocupações e o desagrado e insatisfação crescente do país em relação à política de saúde do governo do PS cada vez mais orientada para acelerar a mercantilização dos serviços de saúde.

Os problemas do encerramento dos serviços, nomeadamente das urgências, deixando mais isoladas as populações, o encarecimento da prestação dos cuidados médicos e dos medicamentos, o défice de recursos humanos em muitos serviços e zonas do país, as longas listas de espera para certas valências e para cirurgias, o combate ao sub-financiamento crónico do SNS, que se impõe dotar dos meios para cumprimento eficaz da sua função, vão continuar a estar no centro da nossa intervenção parlamentar e na nossa acção partidária em geral.

Somos dos que pensamos que existem soluções no quadro do Serviço Nacional de Saúde para responder aos principais problemas de saúde das populações e, por isso, não vamos deixar de continuar a travar a batalha pela dignificação dos serviços públicos de saúde e pela concretização do direito à saúde de todos os portugueses. Não é só uma causa justa. Temos do nosso lado a Constituição que consagra o direito à saúde como direito geral, universal e tendencialmente gratuito, consagração postergada pelo Governo PS, já que o SNS é cada vez menos geral, menos universal e menos gratuito.

Ao eleger a educação como tema principal destas Jornadas Parlamentares, o PCP pretende não apenas alertar para as consequências que terão para o País o prolongamento da crise que se vive neste sector, mas também avançar com um conjunto de propostas a apresentar durante esta sessão legislativa e fundamentais para a democratização da educação.

O Governo PS ao insistir numa política educativa cada vez mais submissa aos interesses do mercado e determinada pela adaptação aos quesitos da competitividade económica e da produtividade, assente num ataque sem precedentes contra a escola pública e na crescente elitização no acesso ao conhecimento, não pode deixar de ser responsabilizado pelas consequências que advêm para o País, pelo atraso estrutural em que este está mergulhado.

O aparelho escolar, que é dos mais importantes serviços públicos de um Estado, é chamado, no caso português, não para a formação integral do indivíduo, sujeito autónomo e responsável, cidadão crítico e preparado para uma intervenção que se quer consciente nos planos económico, político, social e cultural, mas a formar adequadamente os trabalhadores à competição económica capitalista, o tal novo trabalhador que as estruturas do grande patronato querem obediente e adaptado às condições da precariedade e da mobilidade.

Já em 1996 a OCDE declarava que quanto à escola pública do futuro, ela não faria mais que “assegurar o acesso à aprendizagem daqueles que nunca constituirão um mercado rentável e cuja exclusão da sociedade em geral se acentuará, à medida que outros continuarão a progredir”.

Neste processo de crescente mercantilização da educação têm particular relevo: o encerramento de mais de 2000 escolas do 1º ciclo do ensino básico em dois anos e a substituição do ensino público pelo ensino privado; a desvalorização dos conteúdos curriculares, como está acontecer no 1º ciclo do básico e no ensino secundário; a desvalorização da profissão docente e o ataque aos direitos dos professores; a imposição de um novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior com o objectivo não apenas de as colocar sob a alçada do governo e do poder económico mas, principalmente, facilitar a sua privatização futura e a integração do nosso sistema de ensino superior no processo de Bolonha acentuando a degradação, que já se vinha sentindo, dos níveis de exigência e qualidade.

Sendo verdade que a crise que o País vive na educação tem origem na reforma educativa, com o Governo PSD/Cavaco Silva, não é menos verdade que, desde então e com o PS uma dezena de anos no governo, as políticas seguidas foram no sentido do aprofundamento da crise e não o contrário, pelo que se pode afirmar que este prolongamento no tempo tem sido uma das principais causas da natureza estrutural do nosso atraso no plano do desenvolvimento do País.

Por mais que manipulem as estatísticas, os principais indicadores são muito claros relativamente às consequências da política de direita: a taxa de abandono e insucesso escolares são das mais elevadas da U.E a 27; 71% da população empregada dispõe apenas de ensino básico e apenas 9,9% da população portuguesa tem escolaridade de nível superior.

Aos portugueses, o Primeiro-Ministro afirma estarmos no bom caminho e, para que não restem dúvidas, mandou meio Governo para as escolas distribuir computadores aos alunos e professores mas faz de conta que não percebe que cada vez mais alunos não têm sucesso escolar porque se debatem, todos os dias, com carências de toda a ordem, mesmo as mais básicas. O Primeiro-Ministro anuncia também um ligeiro alargamento das bolsas de mérito mas, em simultâneo, ficámos a saber que nos próximos anos os manuais escolares vão aumentar 1,5% acima da taxa de inflação. O seu governo diz defender uma escola inclusiva, mas retiram o apoio a dezenas de milhares de crianças com necessidades educativas especiais. Cria o sistema de empréstimos, seguindo também nesta matéria o exemplo dos EUA - onde existem hoje cerca de 5 milhões de jovens  em situação de incumprimento - em que o aluno que contrair esse empréstimo fica a saber que depois de acabar o seu curso tem não um mas dois problemas para resolver: encontrar emprego e durante seis anos pagar o empréstimo ao banco.

Não estamos perante uma inevitabilidade nem perante uma situação irreversível.

Neste quadro de crise estrutural, com profundas repercussões no estado da educação em Portugal, o PCP, como sempre o fez, assume com os portugueses o compromisso de tudo fazer para que a escola pública, gratuita e de qualidade para todos seja uma realidade no nosso País, quer através de um conjunto de propostas que iremos apresentar no plano institucional, quer através da mobilização dos portugueses para a luta em defesa do desenvolvimento de uma política educativa que assuma a Educação como um valor estratégico fundamental para o desenvolvimento do País e para o reforço da identidade nacional, com prioridade para um efectivo combate ao abandono escolar, ao insucesso escolar e educativo e à exclusão social escolar. 

O Governo vai apresentar esta semana a proposta de Orçamento do Estado para 2008.

Vai ser mais um orçamento de obediência às orientações do Pacto de Estabilidade, cumprindo cegamente os objectivos traçados de diminuição do défice orçamental.

Para o Governo será certamente um êxito poder anunciar que alcançou de novo – e porventura até superou – o défice de 3,3% traçado para 2007! Para o Governo do PS será certamente fundamental anunciar as pazes orçamentais com Bruxelas. É uma opção de que discordamos e cujas consequências, negativas para o País e para os portugueses, são visíveis no fraco crescimento económico, na continuada divergência da média comunitária ou no disparar do desemprego em que, aí sim, já somos quase líderes europeus, tendo mesmo conseguido, pela primeira vez, superar os espanhóis.

Vai o Governo embandeirar em arco com o cumprimento – ou até com a superação do défice orçamental em 2007. Só que o Governo vai esquecer o reverso da medalha, vai tentar mais uma vez esconder o elevado preço que o País, os trabalhadores e a maioria dos portugueses já pagaram e vão continuar a pagar para que o Governo desempenhe o malfadado papel de bom aluno europeu.

Os êxitos orçamentais do Governo de José Sócrates constituem, assim, golpes profundos nos interesses de Portugal e nos ritmos necessários e possíveis do seu crescimento económico.

Para cumprir os objectivos do défice, o Governo fez baixar o investimento público para níveis inaceitáveis. E não queremos, hoje, recordar apenas que o investimento inscrito no PIDDAC deste ano era já um dos mais baixos dos dez últimos anos, ou que a execução deste instrumento, ano após ano, tem ficado sempre bem abaixo do que os sucessivos Governos gostam de anunciar. O que vale a pena hoje sublinhar é que mesmo o baixo nível de investimento público anunciado tem sofrido, e vai continuar a sofrer até final do ano, cortes e mais cortes para que o Governo do PS possa levar a Bruxelas o troféu do cumprimento do défice. Por isso, no final de Agosto, o PIDDAC tinha uma execução que já então não superava os 30% do que fora anunciado e, também por isso, os cortes globais decididos pelo Governo são de tal monta que constitui uma forte possibilidade o peso do investimento público no PIB vir a atingir este ano em Portugal o valor mais baixo dos últimos trinta anos.

Os êxitos orçamentais do Governo do PS foram e continuarão a ser conseguidos à custa da perda do poder de compra dos funcionários públicos e demais trabalhadores, à custa de milhares de despedimentos que o Governo já fez na administração pública e pretende continuar a fazer nos próximos anos, à custa dos cortes brutais nas reformas e nos subsídios de desemprego, à custa da diminuição generalizada das despesas sociais do Estado.

Depois da inacção e a incompetência governamental terem provocado o quase total desaproveitamento do QREN em 2007 – mais uma entre outras vertentes de que o Governo se socorreu para cortar no investimento público -  torna-se agora fundamental que o Governo inscreva dotações e meios financeiros que permitam a recuperação dos atrasos e impeçam eventuais perdas de fundos comunitários.

Depois de mais um ano com investimento baixíssimo, o PCP não pode aceitar que o Governo venha anunciar na sua proposta orçamental acréscimos limitados, muito pouco significativos ou quase marginais, dos níveis de investimento público em Portugal. O PCP considera que só aumentos muito sensíveis no esforço do investimento do Estado – com garantias de execução plena e transparente – poderão permitir dinamizar o crescimento do País, criar sinergias com o investimento privado e contribuir decisivamente para atingir níveis de crescimento económico capazes de colocar Portugal a crescer acima da média comunitária, de criar condições para combater eficazmente o desemprego e de melhorar de significativamente os salários, o poder de compra e as condições de vida dos trabalhadores.

Estas Jornadas Parlamentares do PCP, vão analisar o enquadramento político em que vai ocorrer o próximo debate sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2008. O Grupo Parlamentar iniciará hoje uma reflexão sobre as grandes linhas de intervenção no debate orçamental e avançará certamente com algumas propostas, que constituirão o ponto de partida da intervenção do PCP na discussão do documento que irá reflectir e, por certo confirmar, as opções centrais das políticas antipopulares e de direita deste Governo em 2008.

Mais uma vez reafirmamos a nossa profunda convicção de que o país não está amarrado e condenado a uma só solução e a um só caminho. Há outras alternativas e outras soluções capazes de garantir um Portugal mais justo, mais solidário e mais desenvolvido. 

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