Projecto de Lei N.º 497/X

Institui o Programa Nacional de Combate à Precariedade Laboral e ao Trabalho Ilegal

Institui o Programa Nacional de Combate à Precariedade Laboral e ao Trabalho Ilegal

Preâmbulo

Um dos traços mais negativos da evolução social e laboral portuguesa, é, a par do elevadíssimo desemprego, a crescente precarização das relações laborais.

Os problemas da precariedade laboral, do trabalho ilegal, da violação dos direitos dos trabalhadores são indissociáveis dos baixos salários e remunerações, de reduzidos níveis de qualificação e condições de trabalho degradadas. Tais situações preocupantes atingem os interesses, as aspirações, as condições de vida, a dignidade de milhões de trabalhadores e, ao mesmo tempo, afectam o desenvolvimento social e comprometem o futuro do país.

A realidade da precariedade laboral em Portugal nas suas várias expressões constitui um dos factores mais negativos no plano dos direitos, das condições de vida e do condicionamento do progresso do país.

Este grande problema da precariedade do trabalho, com nefastas consequências em todas as dimensões da vida dos trabalhadores e das suas famílias, está a assumir uma dimensão e contornos cada vez mais preocupantes.

Portugal tornou-se, nestes últimos anos, no país da União Europeia com a terceira maior taxa de precariedade laboral. Segundo dados do Eurostat de 2006, 20,6% dos trabalhadores assalariados, representando acima de um milhão e 200 mil, têm uma actividade profissional precarizada. Estes dados, sendo embora de difícil precisão, em atenção às realidades que espelham, são confirmados pelos mais recentes números do INE, relativos ao 2º semestre de 2007, que apontam para uma precariedade global que abrange um milhão e 242 mil trabalhadores por conta de outrem.

De acordo com dados da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, a probabilidade de um trabalhador ter um contrato a termo certo era de 80% em 2007, quando era de menos de 60% em 1999, e mesmo para aqueles com um ano de antiguidade mais de 50% estavam, no primeiro trimestre de 2007, com contratos a termo certo.

Em relação aos jovens, a incidência da contratação a termo como regra, é ainda mais evidente: no mesmo período de 2007, 60% dos jovens com 17 anos e com emprego, tinha um contrato a termo, enquanto esta fracção não chegava aos 30% em 1999. Os contratos a termo são actualmente responsáveis por 60% das novas contratações e por mais de metade da cessação de relações laborais.

Contratos a termo em desrespeito pela lei, uso abusivo de recibos verdes, encapotado trabalho em regime de prestação de serviços, bolsas de investigação ou estágios profissionais e trabalho temporário sem observância de regras, são as formas dominantes deste fenómeno, que apenas têm como elemento comum a precariedade e a insegurança de vínculos laborais associadas à limitação de direitos fundamentais. Aos períodos contínuos ou descontinuados de precariedade de vínculo juntam-se, quase sempre, longos e repetidos períodos de desemprego.

Permanece a proliferação de empresas de trabalho temporário, alugadoras de mão-de-obra, cuja actividade se alarga sem controlo e sem lei.

Junta-se a esta realidade o aumento do trabalho a tempo parcial que abrange, segundo dados do INE de 2007, cerca de 230 mil trabalhadores por conta de outrem, sendo que a população empregada que labora a tempo parcial atinge quase 626 mil pessoas. Os contratos a prazo registam um crescimento de mais 122 mil e 200 trabalhadores relativamente há três anos atrás, o que já representa 22,4% dos trabalhadores por conta de outrem. Temos hoje mais emprego a tempo parcial por um lado, e por outro, temos uma diminuição do trabalho a tempo inteiro.

O trabalho a tempo parcial em Portugal não é uma opção voluntária de compatibilização da vida pessoal e familiar com a vida profissional, mas uma realidade que é imposta como única alternativa de trabalho e que afectando assim o nível das remunerações, empurra quem o pratica para outros trabalhos a tempo parcial e para o trabalho não declarado como forma de obtenção dum mínimo de meios de subsistência, com consequências no plano da sobrecarga horária, da dificuldade de qualificação, da produtividade do trabalho e das condições de segurança em que realizam as actividades profissionais.

A situação dos trabalhadores dos centros de contacto (Call Centers) é apenas um entre muitos outros exemplos da conjugação das várias formas de precariedade.

A realidade da precariedade laboral está associada ao grave problema do trabalho não declarado e ilegal. O trabalho não declarado e ilegal, incluindo o trabalho infantil, a exploração do trabalho imigrante com situações de autêntica escravatura e em geral o tráfico de mão-de-obra é uma realidade difícil de avaliar na sua verdadeira dimensão, tal como a economia subterrânea, em que está inserido, e que vários estudos situam entre 20 a 25% do PIB. Trata-se de um forte incentivo à precariedade, à baixa produtividade e à falta de formação, bem como uma forma de debilitar o financiamento da Segurança Social e de limitar as receitas do Estado.

A precariedade laboral reflecte-se de forma muito forte na Administração Pública com milhares de trabalhadores a recibos verdes, contratos a termo resolutivo ou contratos administrativos de provimento, e em muitas outras situações precárias ocupando postos de trabalho permanentes. O Governo do PS deu um péssimo exemplo ao promover a generalização da precariedade da Administração Pública através da criação da figura do contrato individual de trabalho em funções públicas, destruindo a estabilidade do vínculo público e introduzindo a possibilidade de despedimento.

O trabalho precário significa saltar de actividade em actividade sem estímulo à formação e à qualificação, sem possibilidade de verdadeiras especializações. O trabalho precário não atinge apenas os trabalhadores com pouca formação, afecta profundamente os licenciados e outros trabalhadores qualificados. O trabalho precário, significa a permanente alternância entre períodos de emprego e períodos de desemprego, reduz a protecção no desemprego e na doença e cria sérios prejuízos nas carreiras contributivas que vão afectar as pensões de reforma dos trabalhadores que se vêm já obrigados a trabalhar mais anos por força do aumento da idade da reforma e das reduções das pensões operadas pelo Governo do PS.

A precariedade dos contratos de trabalho e dos vínculos, é a precariedade da família, é a precariedade da vida, mas é igualmente a precariedade da formação, das qualificações e da experiência profissional, é a precariedade do perfil produtivo e da produtividade do trabalho. A precariedade laboral é assim um factor de instabilidade e injustiça social e simultaneamente um factor de comprometimento do desenvolvimento do país.

A realidade do nosso país é marcada por graves violações dos direitos dos trabalhadores, por uma reduzida eficácia da antiga Inspecção-Geral do Trabalho e da agora denominada Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), pela ausência de uma justiça célere, com elevadas e injustificadas custas judiciais e entraves no acesso ao apoio judiciário pela generalidade dos trabalhadores que impedem, em muitos casos, o próprio acesso à justiça e aos tribunais, em contradição com o previsto na Constituição da República Portuguesa.

A situação justifica o reforço de garantias legais com alterações legislativas de modo a permitir a efectiva aplicação dos princípios constitucionais sobre os direitos dos trabalhadores, que o PCP já propôs, e de novo proporá. Entretanto o quadro de precariedade, arbitrariedade e violação de direitos que se verifica impõe além de alterações legislativas o reforço e aumento da eficácia de mecanismos de informação, fiscalização, punição dos infractores, bem como esquemas de apoio às vítimas das violações.

O combate à precariedade laboral e ao trabalho não declarado e ilegal deve constituir uma política do Estado, como constitui o combate ao trabalho infantil, que, não tendo sido eliminado, foi claramente reduzido.

Uma política do Estado que abranja as mais diversas áreas e estruturas, mas que aconselha e justifica a criação de um Programa Nacional de Combate à Precariedade e ao Trabalho Ilegal e de uma Comissão Nacional contra a precariedade e o trabalho ilegal, que acompanhe a realidade, centralize informação e dinamize a criação de uma forte sensibilização social para enfrentar a praga da precariedade e do trabalho ilegal. É com esse objectivo que o PCP reapresenta o presente projecto de lei. O projecto de lei, sobre a mesma matéria e com o mesmo objecto, apresentado no início da Legislatura, com o n.º 295/X, foi rejeitado na generalidade, em Setembro de 2006, com os votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP. O problema que os deputados do PCP desejavam então enfrentar mantém-se com acrescida gravidade e dimensão. Daí a sua renovada apresentação.

Contribuímos assim para enfrentar este flagelo que mina os direitos democráticos, as condições e a dignidade no trabalho, a vida pessoal e familiar e compromete a qualificação, a valorização da experiência, a elevação do perfil produtivo do país, as receitas públicas, o futuro da segurança social.

Combatemos concepções e modelos ultrapassados, de mais de um século, daqueles que, em vez de olharem para o futuro, pretendem restaurar os critérios das relações laborais do Século XIX. Contrapomos alternativas, afirmamos o caminho que Portugal precisa, baseado no desenvolvimento, numa economia ao serviço do ser humano, no valor intrínseco do trabalho com direitos.

Nos termos do disposto nos artigos 167º e 156º, alínea b), da Constituição e dos artigos 4º, n.º 1, alínea b) e 118º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º (Programa Nacional de Combate à Precariedade Laboral e ao Trabalho Ilegal)

1 - Pela presente lei é criado o Programa Nacional de Combate à Precariedade Laboral e ao Trabalho Ilegal, adiante designado por Programa Nacional.

2 - O Programa Nacional tem como objectivo a concretização de uma política de prevenção e combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal, visando a defesa e a promoção do exercício dos direitos dos trabalhadores.

3 - O Programa Nacional tem como missões prioritárias:

a) o combate aos vínculos laborais não permanentes para o desempenho de tarefas que correspondem a necessidades permanentes, promovendo vínculos contratuais estáveis e duradouros;

b) o combate às formas de trabalho não declarado e ilegal e às várias formas de tráfico de mão-de-obra;

c) o combate às práticas de aluguer de mão-de-obra, nomeadamente ao trabalho temporário, promovendo a inexistência de intermediação na relação laboral;

d) o combate a recurso à contratação a tempo parcial quando esta não é opção do trabalhador;

e) a promoção do exercício dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.

Artigo 2.º (Comissão Nacional)

1 - Para a prossecução e concretização das missões cometidas ao Programa Nacional é criada a Comissão Nacional de Combate à Precariedade Laboral e ao Trabalho Ilegal, adiante designada por Comissão Nacional.

2 - A Comissão Nacional é composta por:

a) Três membros designados pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, um dos quais preside;

b) Um membro designado pelo Ministério da Economia

c) Dois representantes de cada confederação sindical;

d) Um representante de cada confederação patronal;

e) Três elementos designados pelos membros indicados nas alíneas precedentes.

3 - A Comissão Nacional elege o seu Presidente nos termos da alínea a) do número anterior, que, em caso de empate, tem voto de qualidade.

Artigo 3.º (Competências)

1 - São competências da Comissão Nacional:

a) o estudo, a análise e o acompanhamento da evolução das situações de precariedade laboral e de trabalho ilegal, efectuando a sua monitorização e diagnóstico, e centralizando a respectiva informação;

b) a elaboração e a promoção de propostas e de iniciativas de prevenção e combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal;

c) a sensibilização social contra as práticas de precariedade laboral e contra o trabalho ilegal, combatendo a sua existência e expansão.

2 - No exercício das suas competências a Comissão Nacional pode, nomeadamente:

a) promover, coordenar, dinamizar e apoiar acções de divulgação e de informação sobre a promoção e protecção dos direitos dos trabalhadores, junto destes e da opinião pública em geral, com vista à prevenção da precariedade laboral e do trabalho ilegal;

b) dirigir recomendações a todas as entidades, públicas e privadas, qualquer que seja a sua forma ou natureza jurídica, no sentido de promover acções concretas de combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal;

c) realizar e incentivar a realização de debates, colóquios, conferências, programas de rádio e televisão, trabalhos na imprensa, sítios na Internet, editar livros, folhetos, exposições, publicações, criar um centro de documentação ou uma biblioteca especializada ou utilizar qualquer outro tipo de acções de informação e sensibilização social em torno da precariedade laboral e do trabalho ilegal;

d) estabelecer acordos de cooperação institucional com outras entidades, nomeadamente com a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), sempre que o diagnóstico das situações e as necessidades justifiquem a execução de acções conjuntas para a prevenção da precariedade laboral e do trabalho ilegal;

e) promover a articulação com entidades inspectivas das áreas governamentais do Trabalho e da Solidariedade Social, das Finanças e da Economia, assim como com outros serviços que entenda relevantes, para a prossecução dos seus fins;

f) criar um programa específico para a Administração Pública, de monitorização permanente da situação em matéria de precariedade laboral, visando a sua eliminação, valorizando o papel que o Estado deve ter como exemplo da defesa e valorização do trabalho com direitos;

g) estabelecer programas regionais e sectoriais de investigação, recolha de informação e intervenção em sectores ou empresas onde o risco de incidência de trabalho ilegal o justifique;

h) promover a elaboração de um sistema de informação directa sobre situações de trabalho precário e ilegal e de uma lista pública de casos de violação da legalidade mais gravosas;

i) promover a divulgação das boas práticas e a promoção do intercâmbio de experiências;

j) instituir um procedimento de certificação de empresas, a partir de informação comprovada, que ateste o respeito pelos direitos dos trabalhadores e a inexistência de situações de precariedade laboral ou trabalho ilegal, e promover a divulgação de uma lista das empresas certificadas neste âmbito;

k) o acompanhamento da criação e destruição líquida de postos de trabalho por tipo de contratação e sistematização dessa informação;

l) o acompanhamento da efectiva criação de postos de trabalho, com vínculos permanentes, associada a investimentos com financiamento ou incentivos públicos, para cuja concessão concorreu o critério da promoção de emprego;

m) elaborar e/ou disponibilizar estudos, bibliografias, trabalhos de investigação, relatórios ou outra documentação de interesse para a prevenção e combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal;

n) apoiar e promover a formação técnica e científica de pessoal qualificado com intervenção em matéria de combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal;

o) apresentar propostas de promoção ou reforço do quadro de normas e mecanismos de prevenção e combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal;

p) promover o estudo da realidade europeia e de outros países em matéria de combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal com vista ao aproveitamento nacional dessas experiências e ao desenvolvimento de cooperação comunitária e internacional;

q) cooperar com organizações de âmbito internacional e com organismos estrangeiros que prossigam fins conexos com os da Comissão Nacional, tendo em vista participar nas grandes orientações internacionais relativas ao combate à precariedade laboral e trabalho ilegal e vinculá-las a nível nacional.

3 - As competências da Comissão Nacional são exercidas sem prejuízo das atribuições que por lei são cometidas à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), e das inerentes competências dos seus órgãos.

4 - A Comissão Nacional apresenta à Assembleia da República um relatório anual relativo à prossecução das missões do Programa Nacional, ao exercício das suas competências, à observação da realidade nacional em matéria de precariedade laboral e trabalho ilegal e às perspectivas de evolução da sua prevenção e combate.

Artigo 4.º (Dever de cooperação)

Todas as entidades públicas e privadas têm o dever de cooperar com a Comissão Nacional em ordem à prossecução dos seus fins, designadamente facultando as informações a que tenham acesso e que esta solicite no âmbito das suas competências.

Artigo 5.º (Dever de audição)

A Comissão Nacional tem o dever de promover a audição dos sindicatos e outras organizações representativas dos trabalhadores, em ordem à célere e eficaz prossecução dos seus fins e a facilitar o exercício em concreto das suas competências.

Artigo 6.º (Conselho Consultivo)

1 - É criado um Conselho Consultivo da Comissão Nacional, destinado a assegurar o contributo e a participação de departamentos governamentais e de entidades relevantes, para a prossecução dos fins cometidos à Comissão Nacional.

2 - O Conselho Consultivo é composto por:

a) Todos os membros da Comissão Nacional;

b) Um representante da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT);

c) Um representante da Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social;

d) Um representante da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE);

e) Um representante da Inspecção-Geral de Finanças (IGF);

f) Um representante do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF);

g) Um representante do Alto-Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas;

h) Um representante da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE);

i) Até dois representantes de outras entidades cujo contributo a Comissão Nacional entenda relevantes em matéria de combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal.

3 - O Conselho Consultivo procede a uma avaliação regular da actividade desenvolvida pela Comissão Nacional, apresentando propostas relativas à efectiva concretização das missões do Programa Nacional, à melhoria do funcionamento da Comissão Nacional ou outras que entenda adequadas.

4 - O Conselho Consultivo emite Parecer, com conclusões, sobre o Relatório a que se refere o n.º 4 do artigo 3º.

5 - Deve ser prestada aos membros do Conselho Consultivo automática e regularmente, ou a seu pedido, toda a informação referente à actividade da Comissão Nacional.

Artigo 7.º (Serviços de apoio)

Compete ao Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social regulamentar e dar execução às condições de instalação e funcionamento da Comissão, e afectar-lhe os meios técnicos e humanos, serviços de apoio e assessoria técnica necessários ao exercício das suas competências.

Artigo 8.º (Regulamentação)

O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 60 dias após a sua publicação.

  • Assembleia da República
  • Projectos de Lei
  • precariedade laboral
  • Programa Nacional de Combate à Precariedade e ao Trabalho Ilegal
  • Trabalho Ilegal