Intervenção de Domingos Abrantes, Inauguração do Memorial em homenagem aos presos políticos do Forte de Peniche e da exposição «Por teu Livre Pensamento»

Inauguração do Memorial em homenagem aos presos políticos do Forte de Peniche

Inauguração do Memorial em homenagem aos presos políticos do Forte de Peniche

Comemoramos 45 anos da conquista da liberdade num local símbolo da repressão, onde ressumava ódio à democracia, mas igualmente lugar de resistência e de luta. Neste momento há tanto tempo esperado, e tão significativo para a preservação da memória da resistência à ditadura que durante quarenta e oito anos privou o povo português das mais elementares liberdades e espalhou um rasto de crimes sem fim, as primeiras palavras são para evocar a memória dos que não tiveram a felicidade de viver a conquista da liberdade pela qual lutaram e deram o melhor das suas vidas, e que, pelo seu exemplo, continuam ao nosso lado. Como escreveu Ary dos Santos a propósito dos assassinados no Tarrafal: «Todos vivos/Todos nossos/vinte cem ou mil/nenhum de vós é só ossos/São todos cravos de Abril.»

O acontecimento que hoje aqui vivemos, com a inauguração do Memorial destinado a perpetuar o nome e a memória dos mais de 2500 presos aqui encarcerados ao longo de quarenta anos, e o início da primeira fase da instalação do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, tem um alto significado político e de justiça histórica.

Cada um viverá este acto em conformidade com o respectivo percurso e de como este lugar se projecta na sua vida, mas é uma conquista de todos os democratas, um estímulo a que cada um assuma a sua quota parte na responsabilidade colectiva na preservação da memória e no resgatar do antifascismo para a defesa da democracia.

A reivindicação para que se erguesse um Memorial era muito antiga e sentida. O apelo que encima o Memorial, escrito pelo Prof. Borges Coelho, ex-preso desta cadeia, para que se nomeie, nome a nome, cada um dos presos não se faz por qualquer honraria particular, mas porque os nomes significam dezenas de milhar de anos de privação da liberdade, porque os presos eram gente com rosto, seres comuns: operários, camponeses, pescadores, militares, religiosos, estudantes e intelectuais. Portugueses, africanos e indianos, pessoas de opções ideológicas diferentes, mas todos irmanados na causa comum contra o fascismo. Todos obreiros da liberdade. É por tal facto que «A liberdade guarda a sua memória nas muralhas da Fortaleza» e a partir de agora também no Memorial.

A exigência da preservação da memória da resistência é condição necessária para que a liberdade conquistada não se torne efémera.

Depois de tantos anos de políticas de esquecimento do que foi a opressão fascista e a luta pela liberdade, de destruição de um após outro dos principais símbolos da repressão fascista, da tortura e do assassínio, da impunidade de todos os crimes, de juízes emanados da PIDE terem chegado aos mais altos cargos da magistratura, de torciários da PIDE terem recebido pensões por «altos serviços» à Pátria, enquanto eram recusadas a quem tinha dado o melhor da suas vidas por um Portugal livre, de manuais escolares em que, de ano para ano, vão desaparecendo as referências à ditadura e à sua natureza, assim como à resistência, e se multiplicam os ataques aos valores de Abril, não podemos deixar de nos interrogar quanto ao porquê de terem passado quarente cinco anos desde o dia em que os militares do MFA, coroando a longa luta do nosso povo, derrubaram a ditadura e só agora se ter aberto a perspectiva de termos um Museu Nacional da Resistência e da Liberdade. Já se destruíram demasiados símbolos indispensáveis a uma política de pedagogia democrática.

Esperamos, por isso, que os actos de hoje signifiquem um virar de página na política do esquecimento, que o Museu Nacional da Resistência e da Liberdade seja um activo instrumento de pedagogia democrática, de estímulo à luta pela liberdade.

A instalação definitiva do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade é um projecto em marcha que esperamos irreversível e que se concretize o mais cedo possível.

A decisão de instalar o Museu Nacional da Resistência e da Liberdade na Fortaleza de Peniche tem um significado e uma importância que não podem deixar de ser salientados. A essa decisão está associada a preservação do mais odioso símbolo do sistema prisional fascista, quase o único que resta, e também ele esteve em vias de desaparecer.

A preservação destes edifícios significa que vamos ter, sem mais custos para o Orçamento e peso no défice, não um, mas dois museus: um deles, um museu singular, um Museu da Pedra, um livro de história em pedra, porque as paredes, os corredores, as celas, o parlatório, o segredo da antiga cadeia falam-nos da violência sobre milhares de presos, de humilhações sem fim, de arbitrariedades gratuitas, praticadas por carcereiros, hienas que só por ironia se podem incluir no género humano, com o único objectivo de destruir psíquica e fisicamente os presos.

Mas estas paredes não falam só de violências, de privação da liberdade. Falam de magníficos exemplos de coragem, firmes convicções, confiança sem limites no triunfo da liberdade, de manifestações de solidariedade e de muitas lutas contra a arbitrariedade e pela dignidade, de audaciosas fugas, que foram pesadas derrotas para o regime e vitórias de toda a oposição democrática.

Hoje por todo o País, de norte a sul, milhares de pessoas comemoram a mais simbólica das festas, a festa da liberdade, manifestando o seu apego aos valores de Abril.

É bom augúrio que nas comemorações de Abril se inclua a inauguração da primeira fase do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade. Esperamos, creio que esperamos todos, que no próximo ano aqui estaremos de volta para inaugurar em definitivo o Museu, o qual incluirá um Memorial destinado a perpetuar a memória dos mártires, dos muitos que perderam a vida pela liberdade.

Vivemos tempos preocupantes e incertos. O fascismo não está morto e não se combate com gritos de alma. Exige medidas concretas. É dever de qualquer governo democrático assumir essa responsabilidade para que o sacrifício de tantas vidas não tenha sido em vão. Lembremos que perder a liberdade foi rápido, o mais difícil e moroso foi reconquistá-la.

Um Museu que contribua para que não continue a haver gente que diz desconhecer que neste País existiu um regime fascista, com tudo o que isso significa: inúmeras cadeias por onde passaram dezenas de milhar de portugueses; pessoas torturadas e assassinadas, privação das mais elementares liberdades, censura, Tribunais Militares e Plenários – símbolos de uma Justiça de farsa –, pessoas que morriam nas cadeias sem nunca serem julgadas, obscurantismo, elevadas taxas de analfabetismo, mulheres cidadãs de segunda e privadas de exercer determinadas profissões e mesmo de contrair matrimónio.

Um Museu que, pelo conhecimento da negra noite da ditadura, tenha como eminente função despertar valores democráticos e de amor à liberdade para que aprendam a dizer «Nunca Mais»

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