Intervenção de Inês Maia, 2.º Encontro Nacional do PCP sobre Cultura

Financiamento às Artes

* Lida por Inês Gregório

Bom dia camaradas,

Esta é uma intervenção sobre o financiamento às artes, portanto sobre a precariedade.

Dizem que a precariedade no sector artístico é antiga e está enraizada. Recentemente, houve até quem dissesse que “a precariedade, em algumas situações, não é um mal absoluto”.

Sabemos todos quem proferiu esta pérola: Estamos mal se quem o disse não sabe o significado da palavra precariedade e a usou por lapso, estamos pior se o senhor em causa desconhece o impacto que a precariedade tem na vida dos trabalhadores da cultura.

Quando em Março de 2020 fomos, estruturas de criação e programação e os trabalhadores do sector cultural, confrontados com os primeiros cancelamentos e o primeiro confinamento, as fragilidades deste sector ficaram expostas de forma dramática. O sub-financiamento, a precariedade, os baixos salários, as desigualdades territoriais, a forte informalidade laboral tornaram-se ainda mais evidentes e tiveram consequências desastrosas para os trabalhadores da Cultura.

Mas os problemas dos trabalhadores da Cultura não começaram em Março de 2020.

Entre 2005 e 2014 o financiamento à cultura não ultrapassou a barreira do 0,1% do PIB, cifrando-se sempre na casa dos 200 a 240 milhões de euros, com taxas de execução que ficaram entre os 50% e os 60%. 

O financiamento aos programas de apoio às artes, neste período, não ultrapassou nunca os 22 milhões de euros.

Em 2015 o orçamento global da cultura foi de 153 milhões de euros, com uma execução de 133 milhões. Mas, alegrem-se, em 2016 foi de cerca de 154 milhões.

Em nota pública sobre o Orçamento do Estado de 2018 – ainda a COVID não fazia parte do nosso vocabulário – o Sindicato dos Trabalhadores do Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos - CENA/STE denunciava, e passo a citar:

Nas artes performativas, temos um aumento de cerca de 4 milhões para a Direcção Geral das Artes. Valorizamos este facto, mas não podemos esconder que mais uma vez este número desilude. Serão cerca de 17,5 milhões de euros - 15 dos quais destinados aos concursos de apoio plurianuais abertos para as diferentes áreas artísticas - ainda abaixo dos valores com que a DGArtes contava em 2009, antes dos primeiros cortes. 

A 25 de Outubro de 2019, na sequência do descalabro dos resultados do Concurso bienal de apoio às artes, em que 60% das candidaturas com pontuação suficiente para ter direito ao apoio não recebeu qualquer financiamento público, o PCP insiste, mais uma vez, na efectivação do mínimo de 1% do Orçamento do Estado para a Cultura e propõe “um apoio extraordinário às artes, assegurando 12.8 milhões para o biénio 2020-2021 e o financiamento - ainda em 2020 - de todas as candidaturas elegíveis, criando ainda um mecanismo para acudir às não elegíveis em risco de encerramento.”

Esta medida, proposta pelo PCP, teve o voto contra do PS e da IL e a abstenção do PSD, CDS e CHEGA.

O Orçamento do Estado para 2020, anterior à epidemia, previa uma dotação para a Cultura de 0,28% da despesa total. Muito longe do 1% exigido pelo sector e proposto pelo PCP, muito longe da recomendação da UNESCO - de 1% do PIB e também muito longe dos 2%, que o governo anunciara ser a sua intenção atingir até ao final da legislatura.

O Orçamento de Estado para 2022 prevê que a dotação para a cultura se mantenha abaixo dos 0,3%.

Uma política cultural que garanta o direito de todos a toda a cultura e que assegure o livre acesso de todos à criação e fruição cultural, como disposto na constituição portuguesa, não se faz com 0,3% do orçamento…

Nas Artes Performativas, a minha área de trabalho e aquela que melhor conheço, assistimos à precariedade absoluta das organizações, e consequentemente à precarização absoluta da vida das pessoas que nelas trabalham.

Esta situação, que a Cultura já vivia há décadas, que foi não corrigida por este governo PS, é fruto de uma política que desorçamentou estruturas e actividades, desmantelou as funções culturais do Estado, criou profunda instabilidade nas organizações e equipas, promoveu a generalização da precariedade, restringiu a qualidade do trabalho, a liberdade e a diversidade da produção, na arte, no património, na investigação, na divulgação e na informação.

No dia 2 de março de 2020 é conhecido o primeiro caso de COVID 19

À situação emergência histórica e estrutural do sector juntou-se a emergência sanitária e a crise económica.

As medidas de apoio ao sector, insuficientes e de difícil acesso, foram sendo anunciadas (a primeira Linha de Apoio de Emergência ao Setor das Artes – Integrada no quadro de medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – foi lançada a 27 de Março de 2020) e depois, a uma velocidade menor do a que seria necessária, foram sendo implementadas. 

As medidas começaram por ser francamente insuficientes em 2020 e foram em 2021, finalmente e graças à enorme luta dos trabalhadores, das associações representativas do sector e à intervenção do PCP, transformadas em algo que já se podia considerar que poderia responder às necessidades mínimas do sector. Ainda muito longe de responderem cabalmente às dificuldades dos trabalhadores independentes, seguramente os mais penalizados pela situação pandémica.

Foi graças à intervenção do PCP que foi inscrita na versão final do Orçamento do Estado para 2021 a criação de um programa de apoio ao trabalho artístico e cultural destinado à criação de condições, que visava a retoma destas actividades, a par do reforço das verbas do apoio às artes;

De notar que foi por proposta do PCP que foi possível financiar todas as estruturas elegíveis no Concurso Bienal para 20-21, ainda que tardiamente implementada em Janeiro de 2021, com efeitos em 21 e 22. 

Não falarei aqui de todas as linhas de apoio que foram implementadas, com maior ou menor eficácia e impacto. O que é importante reter é que, tivessem sido aceites as inúmeras recomendações e propostas do PCP de consignar 1% do OE à Cultura, tivesse sido aceite a proposta do PCP de que o montante alocado aos apoios à criação fosse calculado, a cada concurso, em função do valor solicitado nos concursos anteriores, tivessem sido aceites as propostas do PCP de valorização dos trabalhadores e do trabalho nas Artes e na Cultura e o sector teria chegado ao dia de hoje com outra capacidade de resistência, outra dignidade e outras condições de vida e de criação. 

O governo anunciou um aumento de 18% do valor do financiamento às artes. Parece não ser mau, mas façamos as contas:

O actual quadro de apoio, lê-se no sítio da DGArtes, prevê uma dotação para o quadriénio de 2023 a 2026 de 85 355 000 euros (oitenta e cinco milhões e trezentos e cinquenta e cinco mil euros), sendo o valor dividido entre os apoios quadrienais e os bienais executados em 2023 e 2024.

Sabemos que em 2023 serão aplicados 25 463 750,00€ nas duas linhas concursais. 

Mas reparem que em 2022, entre bienais e quadrienais, foram distribuídos 28 803 213,30€. 

Eu percebo pouco disto, mas acho que de 2022 para 2023 se perderam cerca de 3 milhões e 340 mil euros, give or take a euro...

Portanto este aumento de 18% deve ser por relação ao anterior quadro de apoio, antes de serem implementadas as medidas de apoio ao sector para combate ao impacto da epidemia de COVID. 

Mas porquê este retrocesso? De onde vem a ideia de que o sector pode prescindir deste financiamento? Quem estudou o bem (ou o mal) que fez o aumento de financiamento e a sua atribuição a todas as estruturas elegíveis? Onde estão essas conclusões? A dotação prevista para este quadro de apoio foi feita com base em que análise do sector?

Conclui-se que não há pensamento sobre o sector, não há uma política cultural que defenda a arte e a cultura, portanto, não há condições de estabelecimento de reais e permanentes vínculos de trabalho, não há condições de perspetivação de crescimento futuro das estruturas e companhias.

É fundamental e urgente uma política cultural que garanta o direito de todos a toda a cultura e que assegure o livre acesso de todos à criação e fruição cultural tal como defendeu consistentemente, sempre ao lado dos trabalhadores - também os da Cultura – o PCP, ao longo dos seus 101 anos de história!

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