Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

"As famílias não têm filhos não porque não queiram, mas porque não podem"

(discussão conjunta de 38 projetos de lei e projetos de resolução)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
As famílias não têm filhos não porque não queiram mas porque não podem. Nas últimas décadas, temos assistido à desvalorização da função social da maternidade e da paternidade, enquanto elemento essencial de substituição das gerações.
Resulta da política de direita uma perspetiva de responsabilização das famílias, em especial das mulheres, pela baixa natalidade, quando esta responsabilidade é de sucessivos governos. Por detrás das questões da natalidade suscitadas pelos partidos da política de direita está subjacente uma conceção retrógrada, que pretende ver a luz do dia mas deve permanecer no passado, quanto à função social da maternidade e da paternidade e ao papel da mulher na família, no mundo do trabalho e na sociedade.
É preciso eliminar os condicionalismos que impedem as famílias de decidir consciente, livre e responsavelmente o momento e o número de filhos. É preciso adotar medidas integradas de incentivo à natalidade que deem a confiança e a estabilidade aos casais em idade fértil para tomarem a decisão de ter filhos.
É este o contributo que o PCP, neste debate, pretende dar às famílias e ao país, com a apresentação de um conjunto vasto de soluções concretas.
Assim, propomos:
Um programa nacional de combate à precariedade, que ponha termo à instabilidade, à contratação ilegal e à exploração dos trabalhadores;
O reforço dos direitos de maternidade e paternidade, designadamente quanto à livre escolha do casal, no gozo da licença de maternidade e paternidade de 150 ou 180 dias, assegurando o seu pagamento a 100%;
O alargamento da licença obrigatória da mulher de seis para nove semanas, e da licença de paternidade de 10 para 20 dias;
A criação da licença de prematuridade, paga a 100%, e o combate ao despedimento ilegal de trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes;
Uma efetiva fiscalização do cumprimento dos direitos de maternidade e paternidade, através do reforço dos meios da ACT;
O alargamento dos critérios de atribuição do abono de família, assegurando a sua universalidade, através da reposição dos 4.º, 5.º e 6.º escalões e da majoração, em 25%, dos 1º e 2.º escalões;
O alargamento dos critérios de atribuição do abono pré-natal;
A criação de uma rede pública de equipamentos para a infância a preços acessíveis;
A atribuição de médico de família a todos os utentes, em particular às mulheres grávidas e às crianças e jovens;
A efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos;
O acesso a cuidados de saúde para as crianças e jovens, assegurando a saúde infantil, a inclusão das vacinas antipneumocócica, antipneumocócica tipo B e antirotavírius no Plano Nacional de Vacinação, a promoção de saúde e da saúde mental;
A acessibilidade aos tratamentos de infertilidade, através do aumento dos centros públicos de procriação medicamente assistida, assim como da sua capacidade de resposta, que permita a eliminação progressiva das listas de espera, o aumento do número de ciclos e a disponibilização gratuita dos medicamentos para o tratamento de infertilidade;
A gratuitidade dos manuais escolares para todos os estudantes na escolaridade obrigatória e a criação do passe escolar gratuito para os estudantes com ação social escolar e comparticipado, a 50%, para os restantes estudantes;
O acesso à habitação para os jovens.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O Governo PSD/CDS-PP tem-se desdobrado em discursos políticos, manifestando as suas preocupações com a baixa natalidade. Mas este discurso não se coaduna com a prática governativa de PSD e CDS-PP. As políticas concretas que implementaram nos últimos quatro anos não promoveram a natalidade, muito pelo contrário, conduziram à sua redução, de uma forma mais acentuada, passando de cerca de 100 000 nascimentos anuais para pouco mais de 80 000.
Cortaram salários, destruíram milhares de postos de trabalho, promoveram a precariedade, o desemprego e a emigração, aumentaram a carga fiscal sobre os rendimentos de trabalho, retiraram o abono de família e o rendimento social de inserção a milhares de crianças e jovens. É assim que pretendem incentivar a natalidade, agravando as já difíceis condições de vida dos trabalhadores e das famílias?
Durante a governação do PSD e CDS-PP não foram poucas as vezes a que assistimos a tentativas de branqueamento das consequências da política de empobrecimento e de exploração que impuseram os trabalhadores, ao povo e ao País.
Se, de facto, a preocupação do Governo, do PSD e do CDS-PP com a redução da natalidade é séria, que o demonstrem, demonstrem rompendo com este rumo.
As políticas de incentivo à natalidade não podem colocar em alternativa os direitos dos trabalhadores, isto é, não é justo que os trabalhadores tenham de optar, ou por ter um filho ou pelo seu salário integral.
Por isso perguntamos: propor aos trabalhadores que prescindam de 40% do seu salário é um incentivo à natalidade? Mas quem é que pode prescindir de uma parte do seu salário e considerar isso um incentivo à natalidade?!
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Só não vê quem não quer ver. A realidade concreta do País e das famílias demonstra que ter a família que se deseja não é para quem quer, é para quem pode.
A inversão da baixa natalidade não se resolve com pequenas alterações de circunstância para perpetuar a mesma política que conduziu à deterioração das condições de vida dos trabalhadores e do povo e que levou à redução da natalidade.
Não é por acaso que a última vez que se verificou um aumento significativo da natalidade, contrariando a tendência decrescente, foi após o 25 de Abril, um momento de significativa elevação das condições de vida do povo e de enorme confiança e esperança no futuro.
Tal como há 40 anos, assegurando as condições de vida dignas, a confiança e a estabilidade no futuro, poderemos ter um futuro mais risonho e uma evolução demográfica mais positiva.
A concretização de políticas de incentivo à natalidade implica a rutura com a política de direita e a adoção de uma política alternativa, patriótica e de esquerda; uma política que concretize a maternidade e paternidade consciente, livre e responsável; que proteja as crianças e jovens e potencie o seu desenvolvimento integral, assegurando todas as condições económicas e sociais, e que garanta o emprego com direitos e seguro, possibilitando à mulher um papel ativo na sociedade, em todas as suas dimensões e, em especial, na compatibilização do plano profissional com o plano pessoal e familiar; uma política que valorize e reconheça a função social da maternidade e paternidade enquanto elemento essencial para o futuro das gerações e do País.

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