Intervenção de

Exames nacionais no ensino básico - Intervenção de João Oliveira na AR

Instituição de exames nacionais no ensino básico

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

O CDS trouxe hoje à discussão, nesta Assembleia, uma iniciativa (projecto de resolução n.º 219/X)  que serve, certamente, os interesses do CDS de marcação da agenda mediática mas não contribui, de facto, para a melhoria da qualidade do sistema educativo português.

Antes de mais, esta iniciativa reconhece timidamente alguns dos problemas fundamentais do sistema educativo português, deixando outros de parte, mas não aponta o caminho para a sua resolução.

Ficámos a saber - como, aliás, resulta do preâmbulo desta iniciativa do CDS e da respectiva intervenção inicial - que, para o CDS, a solução do problema do abandono escolar passa pela realização de exames nacionais; que, para o CDS, a solução daquilo a que chamam as limitações sentidas pelos estudantes na sua formação (e que, no fundo, correspondem à reprodução, no plano educativo, das desigualdades sociais e económicas) passa pela realização de exames nacionais; que a solução para o problema do insucesso escolar, sobretudo identificado nas disciplinas de Português e de Matemática, passa, uma vez mais, pela realização de exames nacionais.

Ora, em nossa opinião, esta é uma resposta parcial e limitada aos problemas verdadeiros e estruturais do sistema educativo português.

A iniciativa e o discurso do CDS em torno desta questão partem da insistência numa mistificação, que é a ideia de que o rigor e a exigência no sistema educativo dependem da existência de exames nacionais.

Mas esta é uma ideia que, obviamente, temos de combater e de desmistificar, porque o rigor e a exigência de um sistema educativo não resultam da existência de exames, muito menos quando a realização desses exames se cinge ao fim dos ciclos de ensino.

Em nosso entender, o rigor e a exigência de um sistema de ensino devem ser práticas diárias do processo de ensino/aprendizagem; o rigor e a exigência de um processo de avaliação é tanto maior quanto mais abrangente for o período em que essa avaliação decorre e quanto mais abrangente for o âmbito dessa mesma avaliação, e daí a vantagem na utilização de métodos de avaliação contínua.

Por outro lado, a perspectiva defendida pelo CDS é a de um sistema educativo standardizado e rígido, pré-formatado e orientado para a competição, de sobrevalorização do esforço e do mérito individual do aluno face à qualidade global do sistema educativo e, também, de promoção da assimilação acrítica de conteúdos programáticos, que, obviamente, possam ser facilmente avaliados e aferidos em exames nacionais.

Em nosso entender, esta é uma perspectiva errada do que deve ser o sistema educativo.

Os objectivos de ensinar e aprender devem ser o verdadeiro centro e preocupação do sistema educativo e este deve permitir a adaptação do processo educativo e dos mecanismos de avaliação às diferentes realidades e especificidades de cada contexto.

Por isso mesmo, os processos educativos e de avaliação devem ser adequados à transmissão de conhecimentos e à aprendizagem e não ao treino para uma ou duas horas de exame.

Por outro lado, os exames não são um instrumento para premiar o esforço e o mérito dos estudantes; são, sim, um obstáculo colocado aos estudantes na evolução do seu percurso escolar e que pode mesmo desvirtuar a mais correcta avaliação deste processo de ensino/aprendizagem que resulta da avaliação contínua.

Por fim, há um outro aspecto a referir relativamente à existência de exames: a realização de exames tende a reproduzir as desigualdades entre aqueles que dispõem de meios para melhor se prepararem para esses exames e aqueles que não dispõem desses meios.

Neste sentido, não entendemos que os exames nacionais possam constituir alguma resposta produtiva para combater os problemas mais estruturais do sistema de ensino português.

Há, ainda, dois outros aspectos que devem ser referidos.

Por um lado, é a própria iniciativa do CDS que, no preâmbulo, identifica necessidades do sistema educativo que contrariam a ideia de criação de mais exames nacionais. Para tanto, veja-se o ponto 3 do preâmbulo, onde se refere a necessidade de «Centrar os esforços na sala de aula e nos aspectos essenciais do ensino;» ou de «Avaliação constante dos alunos, escolas, programas e manuais;». Ora, a necessidade desta «avaliação constante» contraria a ideia de introdução de exames nacionais, sobretudo com o reforço do peso na avaliação final, como foi aqui hoje proposto.

Por outro lado, pode ler-se no preâmbulo desta iniciativa que «quanto mais cedo aparecerem na vida escolar os exames nacionais, mais cedo se conseguem detectar deficiências que de outro modo se mantêm em todo o percurso escolar». Ora, se isto é verdade para o CDS, a questão que se coloca é a de saber por que é que propõem a instituição de exames nacionais no fim dos ciclos e não com uma periodicidade mais reduzida, com outra frequência!?

Este é, de facto, um paradoxo que tem uma resposta: afinal, as propostas que o CDS apresenta são mais tímidas do que seria de esperar face à dureza da argumentação.

Depois do «rugido de leão», com a retórica em torno do rigor e da exigência, afinal o CDS propõe o «miar de um gato», com a transformação das actuais provas de aferição em exames nacionais

Felizmente que as propostas são tímidas, porque já assim elas não contribuem para a melhoria da qualidade do sistema educativo português e da formação dos portugueses, podendo mesmo contribuir para o agravamento de alguns problemas já hoje existentes.

Para o PCP, boas e corajosas seriam as propostas (que o CDS, infelizmente, se abstém de apresentar) que pusessem fim à perseguição aos docentes que tem sido desenvolvida pelo actual Governo, em que o Estatuto da Carreira Docente aprovado recentemente é apenas um dos exemplos; boas e corajosas seriam as propostas que pusessem fim à destruição da rede de equipamentos escolares, à alienação do património público da rede escolar, ou à política de encerramento de escolas um pouco por todo País; boas e corajosas seriam as propostas que permitissem a verdadeira adaptação do processo educativo em função das exigências e das necessidades concretas de cada contexto escolar e educativo; boas e corajosas seriam as propostas que invertessem as orientações do Governo no que diz respeito às necessidades educativas especiais, visto que o Ministério da Educação se prepara para enterrar definitivamente o conceito de escola inclusiva e criar e aprofundar a realidade de exclusão a que já hoje muitas das crianças com necessidades educativas especiais estão sujeitas.

Infelizmente, o CDS insiste em fazer dos exames nacionais uma solução que, como há muito está demonstrado, não soluciona coisa alguma.

  • Educação e Ciência
  • Assembleia da República
  • Intervenções