Projecto de Resolução N.º 159/XIV/1.ª

Estudo de Avaliação sobre as extensas áreas de produção agrícola em regime intensivo e superintensivo

O Sistema Agrícola em Portugal tem sofrido um conjunto acentuado de alterações, das quais se destacam, pela sua relevância, a alteração do regime de produção com o crescimento de áreas de regadio, a alteração cultural aumentando as áreas de produção contínua intensiva e superintensiva de culturas permanentes, de que são exemplo o olival, o amendoal e a vinha, e a concentração da propriedade com o aumento da área média das explorações agrícolas.

O modo de produção agrícola superintensivo assenta numa sobreexploração da terra, com plantações em compassos reduzidos, traduzindo-se numa elevada densidade de ocupação do solo, a que se associam consumos de água superiores aos tradicionais e a utilização massiva de agroquímicos – fertilizantes e pesticidas - e com uma durabilidade das plantações que raramente ultrapassa os 20 anos.

Este modo de produção tem vindo a ser implantado de forma acentuada no território português, com particular destaque para a região do Alentejo onde se concentram mais de 187 000 hectares de olival, muitos em regime superintensivo, dos 358 886 hectares registados para o território nacional.

Esta realidade é particularmente sentida na área de influência do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA) com o crescimento das áreas reservadas às monoculturas de olival, vinha e amendoal, contando-se em 2018 com 52 327 hectares de olival, 6 994 hectares de amendoal e 4 461 hectares de vinha dos 120 000 hectares de regadio, concluídos desde 2016. Esta realidade revela que cerca de 53 % da área de regadio disponível se encontra ocupada por estas culturas permanentes, quase duplicando a sua importância no cenário ocupacional cultural considerado na avaliação de impactes dos Projetos associados ao EFMA, que previa que apenas 30 % do território infraestruturado fosse ocupado por culturas permanentes e em que o regime de exploração se intensifica.

A intensificação destas culturas em áreas contínuas de grande dimensão constitui por si só um risco elevado das próprias plantações à exposição a agentes bióticos nocivos, requerendo uma atenção redobrada a que se associa como prática comum a intensificação da utilização de pesticidas para controlo das pragas, em muitos casos aplicados com recurso a pulverização aérea e pulverização a alta pressão.

O recurso a este tipo de tratamento em grandes extensões, realizadas na proximidade ou abrangendo áreas sensíveis, quer no que se refere a ocupação humana, quer no que se refere a áreas com estatuto ecológico de proteção, levanta preocupações que deverão ser tidas em conta visando acautelar efeitos nocivos quer do ponto de vista da qualidade de vida e da saúde pública das populações, quer da salvaguarda dos valores naturais, induzindo a contaminação de zonas habitadas, do solo e dos recursos hídricos em presença, impactes que não têm vindo a ser avaliados de forma sistemática.

Registe-se que diversas populações viram crescer as áreas de culturas superintensivas até escassas dezenas de metros das suas casas, das suas portas e janelas, sendo recorrentes as queixas de viaturas e outros equipamentos cobertos por vestígios de substâncias químicas usadas nos tratamentos e também de problemas respiratórios associados à sua utilização.

Recorde-se que a Delegada de Saúde de Serpa suscitou mesmo uma reunião à Direcção Regional de Agricultura para avaliar a situação, que nunca foi concretizada por manifesto desinteresse desta entidade.

A comunidade científica é unânime em reconhecer que a intensificação das monoculturas é um fator que condiciona a biodiversidade dos habitats, passando estas áreas a serem ocupadas por espécies menos exigentes, com perda das espécies de maior valor conservacionista. Uma análise, ainda que ligeira, dos diferentes estudos de impacte ambiental que vão sendo produzidos no país para projetos agrícolas é disso testemunho, sendo frequente afirmar-se que as áreas ocupadas por monoculturas em regime intensivo correspondem do ponto de vista estrutural a uma etapa extrema de degradação, sendo pobres do ponto de vista botânico e sem interesse do ponto de vista da conservação das espécies, constituindo igualmente um fraco suporte para as espécies faunísticas.

E se a manutenção das plantações e a sua salvaguarda contra pragas constitui fonte de contaminação e risco para as populações limítrofes, também as operações de colheita mecanizada efetuadas durante a noite constituem ações que põem em risco a sobrevivência da avifauna que, apesar de maioritariamente não integrarem espécies de elevado valor conservacionista, utilizam este suporte arbóreo como abrigo.

A prática de regimes culturais superintensivos ao longo de extensas áreas impõe assim um conjunto de pressões sobre diversos descritores ambientais que está longe de se encontrar avaliado e longe de se conhecerem as suas consequências a prazo.

Na verdade, se diversos projetos agrícolas desta natureza por si só não atingem os limites impostos para proceder à sua avaliação ambiental como elemento de licenciamento, a coexistência local de diferentes explorações semelhantes faz com que, na globalidade, estas ultrapassem largamente os limites mínimos estabelecidos, justificando-se uma avaliação ambiental conjunta dos mesmos, embora esta não lhes seja exigida.

Os grandes investimentos hidroagrícolas do país têm promovido o aumento da produção de bens e de riqueza, mas paralelamente tem estimulado a concentração da propriedade, concentração essa que está longe de ser favorável à fixação de populações e à dinamização social das povoações, traduzindo-se antes no aumento das preocupações ambientais e a destruição do património cultural.

Estas explorações em regime superintensivo não promoveram o povoamento, não reduziram o desemprego, favorecendo a proliferação da precariedade e dos baixos salários; não dinamizaram substancialmente as economias locais, a não ser uma ou outra empresa de fornecimento de serviços e equipamentos de regadio.

Acresce que, na voragem de lucros imediatos, promotores locais ou estrangeiros, não hesitam em destruir sítios e património arqueológico, bem como linhas de água.

A multiplicidade de notícias que têm vindo a ser emitidas sobre a temática da agricultura intensiva e superintensiva e as suas repercussões sobre o ambiente, a saúde humana e a qualidade de vida das populações são prova da necessidade de se dar outra atenção a este assunto e avaliar qual a dimensão concreta deste problema encontrando formas de solucionar as consequências perniciosas desta ocupação da terra e optando-se pela descriminação positiva aos pequenos e médios agricultores, nomeadamente dos detentores do Estatuto da Agricultura Familiar.

A situação exposta justifica a necessidade de se promover uma avaliação alargada das consequências da intensificação da utilização da terra em modelos de monocultura intensiva e superintensiva, colmatando o vazio que a consideração de cada projeto em separado tem permitido pelo que, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:

Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, resolve considerar prioritária a proteção da saúde pública, a salvaguarda do ambiente e a defesa da pequena e média agricultura e do mundo rural face à proliferação excessiva de explorações agrícolas em regime superintensivo e recomenda ao Governo que:

  1. Promova a elaboração, em articulação com os serviços do Instituto da Conservação da Natureza e das Floresta (ICNF), da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) e da Direção-Geral do Território (DGT) de uma carta de ordenamento e cadastro das explorações em regime intensivo e superintensivo, que contenha entre outros elementos, os seguintes:
    1. Identificação das áreas já em construção ou exploração identificando as espécies utilizadas, a densidade de plantação, o consumo de água e a quantidade de agroquímicos utilizada anualmente.
    2. Identificação de áreas de restrição à exploração agrícola superintensiva e respetivas espécies a que se referem as restrições.
    3. Identificação de áreas a sujeitar a restrição de replantação em regime intensivo ou superintensivo.
  2. Desenvolva, publique e publicite um Estudo de Avaliação integrada dos efeitos das extensas áreas ocupadas por culturas agrícolas em regime intensivo e superintensivo que inclua a análise de, pelo menos, os seguintes aspetos:
    1. Efeitos sobre o recurso solo, nomeadamente no que concerne à sua degradação estrutural, contaminação por agroquímicos, erosão, salinização e desertificação.
    2. Efeitos sobre os recursos hídricos superficiais e subterrâneos, quer em termos quantitativos, quer em termos qualitativos e sua influência sobre os diversos usos dos recursos hídricos.
    3. Efeitos sobre a biodiversidade, nomeadamente no que respeita à salvaguarda de habitats com estatuto de proteção e de espécies de fauna e flora com elevado valor conservacionista.
    4. Efeitos sobre a avifauna decorrentes do recurso a colheita mecânica no período noturno.
    5. Efeitos sobre património arqueológico local.
    6. Efeitos sobre a qualidade de vida das populações nomeadamente no que respeita a riscos para a saúde pública, potencial alergénico e condicionamento às diferentes atividades do dia-a-dia das populações.
    7. Efeitos sobre a criação de emprego local e a dinâmica sociocultural das populações presentes na área de influência destas zonas.
    8. Importância relativa dos apoios públicos disponibilizados para a instalação destas explorações face ao total de execução dos apoios disponibilizados para o setor agrícola, com análise detalhada por região agrária.
  3. Defina regras, para entrada em vigor a curto prazo, que limitem os efeitos mais perniciosos deste tipo de culturas, impondo as restrições necessárias à minimização destes efeitos, salvaguardando a qualidade de vida das populações e do ambiente.
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