Projecto de Lei N.º 446/XIV/1.ª

Estabelece as Bases da Política de Ambiente e Acção Climática

Exposição de motivos

A política de Ambiente conheceu, em Portugal e no mundo, desenvolvimentos muito significativos nas últimas décadas, essencialmente por força da aproximação dos limites materiais da renovação dos recursos naturais que o modelo produtivo atual atingiu. A perceção global de que a Humanidade vive em plena dependência das condições naturais e ambientais em que se insere generalizou a consciência coletiva e a preocupação política perante a natureza.

A situação ambiental do nosso país caracteriza-se pela ausência de uma política integrada e estratégica, com a privatização de setores fundamentais como a energia ou os resíduos, a progressiva mercantilização da natureza e serviços públicos destinados ao tratamento das questões ambientais depauperados ao nível dos meios e possibilidade de atuação.

Portugal necessita de uma política integrada para o desenvolvimento em harmonia com o meio ambiente que considere, entre outros aspetos, o território, a organização económica, a biodiversidade, o acesso, utilização e salvaguarda dos recursos hídricos, a produção, valorização e tratamento de resíduos, a produção agroalimentar, a eficiência energética, o planeamento, uso e proteção do solo, a sustentabilidade do uso de recursos.

A questão das alterações climáticas e da salvaguarda do Ambiente foi em 2019 tema central do debate público. No entanto, a discussão ao nível das instituições nacionais e fóruns internacionais tem sido equivocadamente desligada da discussão sobre o sistema económico e social vigente, as desigualdades dentro e entre os estados, o modo de produção, ao mesmo tempo que se afunila nos comportamentos individuais e numa falsa dicotomia economia-ambiente e tem sido pretexto para a defesa de políticas antipopulares e aprofundamento da exploração e desigualdades.

As alterações do clima são reais, sendo fundamental reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação a riscos relacionados com o clima e as catástrofes naturais em todos os países e Portugal terá, nesta matéria, que fazer a sua parte.

Melhorar a educação, aumentar a consciencialização e a capacidade humana e institucional de escolha de soluções menos impactantes e aumentar o conhecimento sobre medidas de mitigação, adaptação, redução de impacto e alerta precoce no que respeita às alterações climáticas, são aspetos fundamentais a considerar e a promover.

Os gases com efeito estufa (GEEs) são emitidos naturalmente através da superfície terrestre e impedem que parte da irradiação solar seja refletida de volta para o espaço. Sem estes gases, a temperatura média da Terra diminuiria drasticamente, impossibilitando a vida no planeta tal como a conhecemos hoje. No entanto, a quantidade de GEEs provenientes da atividade humana tem vindo a subir no último século e meio, acompanhando a instauração hegemónica do modo de produção capitalista.

A ciência demonstrou que a concentração de GEEs na atmosfera terrestre está diretamente ligada à temperatura média global da Terra e que a concentração destes gases tem aumentado constantemente, tal como as temperaturas globais, a partir da Revolução Industrial.

Face às alterações do sistema climático terrestre é preciso promover uma discussão séria em matéria de ambiente e ação climática e intervir em diferentes níveis, tais como:

  • A avaliação das necessidades de produtos, bens e serviços, combatendo a obsolescência programada e o consumo não intencional, desenvolvendo um programa global de prolongamento e manutenção da vida útil de equipamentos e infraestruturas.
  • Planificação do território, desenvolvendo políticas que permitam uma organização do território que contribua e fomente a racionalidade da utilização do transporte público e a redução da utilização do transporte individual.
  • A Planificação económica tomando em consideração os setores essenciais de acordo com as necessidades das populações, do povo e do país, promovendo o desenvolvimento da agricultura e indústria de acordo com critérios de interesse público e, consequentemente ambiental, com a retoma do controlo público dos setores essenciais, nomeadamente o setor energético.
  • A Participação democrática com o envolvimento das populações na definição de políticas públicas e ambientais à escala local e regional.
  • Uma Contabilidade Ambiental justa assente numa abordagem minimizadora de emissões em toda a sua extensão, onde cada agente económico fique obrigado a reduzir de facto essas emissões, implementando os processos mais eficientes e tecnologicamente mais adequados, efetivando a redução do seu impacto e não assentando essa redução num processo meramente contabilístico. Ou seja, reduzir emissões com um normativo específico, e não com atribuição de licenças transacionáveis que potenciam a especulação e não resolvem o problema.

Em 2014 foi aprovada atual Lei de Bases do Ambiente, a Lei n.º 19/2014, de 14 de abril, que revogou a Lei n.º 11/87, de 7 de abril, alterada pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro que aprofundou o caminho de mercantilização do ambiente.

Nos últimos anos, tem-se assistido a uma gradual destruição e fragilização da capacidade de intervenção do Estado e dos seus organismos próprios, numa estratégia de minimização da presença do Estado, visando a mercantilização dos recursos naturais, colocando o seu valor ecológico e correspondente valor económico ao serviço de interesses privados. Uma estratégia que conduz à degradação da riqueza natural e à privação das populações do usufruto dessa riqueza.

Uma estratégia que assenta igualmente na redução da capacidade de intervenção do Estado a todos os níveis, em particular na conservação e proteção da natureza.

Passados mais de vinte anos, a Lei de Bases do Ambiente regista um desfasamento significativo com os resultados do progresso científico e tecnológico no plano dos meios de produção e no plano dos impactos ambientais das atividades humanas, carecendo de uma profunda adaptação às preocupações que assumem hoje relevo no quadro das políticas de ambiente.

O Projeto de Lei que o Grupo Parlamentar do PCP apresenta à Assembleia da República não é uma mera adição de temas à lei existente, mas uma reformulação da resposta à conturbada relação da sociedade com a natureza.

Ao contrário do pressuposto do antagonismo entre o homem e a natureza, que está frequentemente implícito nas abordagens mais superficiais de políticas de ambiente, o Projeto de Lei apresentado pelo PCP centra-se na harmonização do desenvolvimento humano com a natureza, na unidade do homem com a natureza, de que faz parte e da qual depende.

Este Projeto de Lei introduz novos e inovadores mecanismos legais para dar combate à degradação dos recursos naturais e aos impactos negativos das atividades humanas no meio ambiente, do qual depende o bem-estar de todos os seres humanos. Introduz vetores de intervenção política que se assumem como fundamentais, nomeadamente sobre riscos, catástrofes ambientais, danos e segurança ambiental, sobre a utilização de organismos geneticamente modificados, sobre o habitat humano, o bem-estar e a qualidade de vida, sobre a integridade do ciclo da água, alterações climáticas, modelo produtivo e gestão de materiais obsoletos. Institui a abordagem integrada do sistema produtivo e dos seus efeitos na natureza, a única capaz de conciliar o desenvolvimento humano com a preservação das condições naturais que lhe são essenciais.

Além disso, o PCP propõe também a introdução de disposições legais sobre a conservação da natureza, em torno de uma abordagem transversal das riquezas naturais, integrando a sua componente estética, cultural, económica, humana e ecológica, com especial relevo para a biodiversidade e geodiversidade.

Em termos gerais, o Projeto de Lei de Bases do Ambiente que o PCP agora apresenta traduz-se num passo em frente para a concretização dos direitos previstos nos artigos 64.º, 65.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa, particularmente no que diz respeito ao direito a um ambiente sadio, capaz de assegurar o bem-estar e a qualidade de vida a todos os portugueses.

Mas este Projeto de Lei também aprofunda a articulação entre os diferentes mecanismos legislativos de proteção e gestão ambiental, nomeadamente a Reserva Ecológica Nacional, as Áreas Protegidas, as Avaliações Ambientais e os Planos Sectoriais.

Além disso, este é um Projeto de Lei que introduz na discussão política a necessidade de intervir de forma transversal, aprofundando simultaneamente a possibilidade de acompanhamento público de todos os procedimentos de avaliação ou de análise prévia.

Este é um Projeto de Lei de Bases do Ambiente que rompe com a legislação de bases atual, e introduz questões centrais da política ambiental dos dias de hoje, não numa perspetiva meramente mitigadora, mas também transformadora, que faz do bem-estar das pessoas e da qualidade de vida o padrão e o motor para um desenvolvimento harmonioso com a natureza e em equilíbrio com a sua capacidade de suporte e de renovação.

O presente Projeto de Lei define as bases da política de ambiente, em cumprimento do disposto nos artigos 9.º e 66.º da Constituição da República.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Capítulo I

Princípios, objetivos e conceitos

Artigo 1.º

Âmbito

A presente lei define as bases da política de ambiente e ação climática.

Artigo 2.º

Princípios gerais

  1. Todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado, incumbindo ao Estado, por meio de organismos próprios e através do apoio a iniciativas populares e comunitárias, promover a melhoria da qualidade de vida, quer individual, quer coletiva.
  2. A política de ambiente tem por fim otimizar e garantir a continuidade de utilização dos recursos naturais, qualitativa e quantitativamente, como pressuposto de um desenvolvimento social, económico e cultural harmonioso e em equilíbrio com a dinâmica e o ciclo de regeneração de cada recurso natural.
  3. Sem prejuízo dos regimes sectoriais e dos âmbitos de proteção específica previstos na presente lei, a política de ambiente é definida e executada partindo de uma abordagem geral e transversal, integrada e conciliadora dos mais diversos fatores humanos e naturais, considerando a interpenetrabilidade dinâmica entre esses fatores.
  4. As obrigações do Estado na gestão dos recursos naturais, no ordenamento do território e na fiscalização das atividades humanas com impactos no ambiente são da sua responsabilidade direta e desempenhadas diretamente por organismos próprios da administração do Estado com a participação das autarquias locais, sem possibilidade de delegação.

Artigo 3.º

Princípios específicos

A política de ambiente, a preservação e a conservação da natureza implicam a observância dos seguintes princípios específicos:

  1. Da precaução: as atuações, atividades ou a utilização de tecnologias ou produtos com potenciais implicações negativas no ambiente, na qualidade de vida, na exposição ao risco ou na saúde, ou cujas implicações se desconheçam, são alvo de procedimento experimental em ambiente controlado até que seja possível determinar as ações de mitigação e antecipação dos seus efeitos;
  2. Da prevenção: as atuações com efeitos, imediatos ou a prazo, no ambiente devem ser consideradas de forma antecipada, reduzindo ou eliminando as causas, priorizando a correção dos efeitos dessas ações ou atividades suscetíveis de alterarem a qualidade do ambiente, sendo o poluidor obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes e as compensações aplicáveis a terceiros, não lhe sendo permitido continuar a ação poluente ou de degradação ambiental;
  3. Do equilíbrio: devem ser criados os meios adequados para assegurar a integração da componente ambiental e de conservação da natureza nas políticas de desenvolvimento económico e social, tendo como finalidade o desenvolvimento integrado, harmonioso e sustentado;
  4. Da divulgação e publicitação: a planificação e a avaliação dos impactos das atividades humanas, bem como a execução de políticas e ações ambientais, são publicamente divulgadas e acessíveis a todos os cidadãos ao longo de todas as fases de cada processo;
  5. Da participação: todos podem intervir na formulação e execução da política de ambiente e ordenamento do território, através dos órgãos competentes da administração central, regional e local, de outras pessoas coletivas de direito público, de pessoas e entidades privadas e de órgãos consultivos;
  6. Da unidade de gestão e ação: cabe ao órgão nacional responsável pela política de ambiente e do ordenamento do território normalizar e informar sobre a atividade dos agentes públicos ou privados interventores, como forma de garantir a integração da política ambiental e territorial no planeamento económico, quer ao nível global, quer ao nível sectorial;
  7. Da cooperação internacional: através da procura de soluções concertadas com outros países ou organizações internacionais para os problemas do ambiente e da gestão dos recursos naturais;
  8. Da subsidiariedade: através da execução de medidas de política ambiental devem ser tidas em conta os diferentes graus de administração do Estado e o mais adequado grau de intervenção, seja ele de âmbito internacional, nacional, regional, local ou sectorial;
  9. Da função sócio-ambiental dos recursos: através da sobreposição dos valores, qualidade de vida e bem-estar coletivos ao exercício do direito de propriedade, sem prejuízo das garantias constitucionalmente consagradas;
  10. Da satisfação das necessidades básicas: através da subordinação das opções energéticas e ambientais às necessidades básicas do bem-estar coletivo, particularmente as relativas à alimentação e à saúde;
  11. Da solidariedade territorial: através da justa compensação, do indivíduo ou da comunidade, sempre que, por limitações específicas às suas regulares atividades sócio-económicas em função da salvaguarda de valores ambientais, possam ser prejudicados;
  12. Da perenidade: através do combate à efemeridade dos bens, particularmente dos não recicláveis, com medidas concretas junto dos agentes económicos e do mercado de consumo, estimulando processos que atribuam maior tempo de vida dos bens de consumo;
  13. Da recuperação: através da adoção de medidas urgentes para limitar os processos degradativos nas áreas em que ocorram e promover a recuperação dessas áreas, tendo em conta os equilíbrios a estabelecer com as áreas limítrofes;
  14. Da redução: através da utilização, nos processos transformativos, industriais e comerciais, das quantidades mínimas necessárias de material passível de gerar resíduos supérfluos, independentemente da sua natureza;
  15. Da reciclagem: através do encaminhamento para processos de reciclagem todos os materiais ou resíduos passíveis de serem convertidos em novos materiais utilizáveis;
  16. Da reutilização: através da reutilização de todos os materiais cujo tempo de vida possa ser prolongado além do previsto para a sua função inicial, ainda que através de uso distinto;
  17. Da ação local: através de uma política de combate à dependência externa e de defesa da soberania alimentar e produtiva, estimulando sempre que possível, em território nacional, a produção correspondente ao consumo interno;
  18. Da democratização e universalidade: através da gestão dos recursos naturais e o ordenamento do território visando a fruição coletiva, democrática e universal, do recurso, ainda que de forma adequada ao grau de proteção a que deve estar sujeito;
  19. Da responsabilização: através da responsabilização dos agentes interventores pelas consequências da sua ação, direta ou indireta, sobre terceiros e sobre os recursos naturais.

Artigo 4.º

Objetivos

São objetivos da política de ambiente e ordenamento do território, designadamente:

  1. O desenvolvimento económico e social em harmonia com os ciclos de regeneração dos recursos naturais que, satisfazendo as necessidades atuais, não prejudique a satisfação das necessidades de gerações futuras;
  2. O equilíbrio ecológico, a estabilidade dos ciclos e das relações biológicas e geológicas;
  3. Garantir o mínimo impacto ambiental negativo, através de uma planificação para a instalação correta das atividades produtivas em termos territoriais;
  4. A manutenção dos ecossistemas que suportam a vida, a utilização racional dos recursos vivos e a preservação do património genético e da sua diversidade;
  5. A conservação dos valores naturais de acordo com o grau de proteção a que estão sujeitos, garantindo o equilíbrio biológico e a estabilidade dos habitats, nomeadamente através da compartimentação e diversificação das paisagens, da constituição de parques e reservas naturais e outras áreas protegidas, corredores ecológicos e espaços verdes urbanos e suburbanos, de modo a preservar o continuum naturale;
  6. A plenitude da vida humana e a permanência dos habitats indispensáveis ao seu suporte, bem como a garantia da qualidade de vida e o acesso aos recursos naturais vitais, nomeadamente o ar e a água;
  7. A defesa, recuperação e valorização do património cultural e social, natural ou construído;
  8. Desenvolver, através da investigação e desenvolvimento, os processos económicos e sociais, bem como os meios de produção, no sentido da minimização dos seus impactos no ambiente e nos recursos naturais;
  9. A recuperação das áreas e recursos naturais degradados do território nacional.

Artigo 5.º

Conceitos e definições

Para efeitos da presente lei são definidos os seguintes conceitos:

  1. A qualidade de vida é o resultado da interação de múltiplos fatores no funcionamento das sociedades humanas e traduz-se na situação de bem-estar físico, mental e social e na satisfação e afirmação culturais, bem como em relações autênticas entre o indivíduo e a comunidade, dependendo da influência de fatores inter-relacionados, que compreendem, designadamente, a capacidade de carga do território e dos recursos; a alimentação, a habitação, a saúde, a educação, os transportes e a ocupação do tempo livre; um sistema social que assegure a posteridade de toda a população e os consequentes benefícios da Segurança Social; a integração da expansão urbana e industrial na paisagem, funcionando como fator de valorização da mesma, e não como agente de degradação;
  2. Ambiente é o conjunto dos sistemas físicos, químicos, geológicos, biológicos e suas relações e dos fatores económicos, sociais e culturais com efeito direto ou indireto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida da população humana;
  3. Ordenamento do território é o processo integrado de organização do espaço biofísico, tendo como objetivo o uso e a transformação do território de acordo com as suas capacidades e vocações, e a permanência dos valores de equilíbrio biológico e estabilidade geológica, numa perspetiva de aumento da sua capacidade de suporte de vida;
  4. Paisagem é a unidade geográfica, ecológica e estética resultante da ação humana e da reação da natureza, sendo primitiva quando a ação humana é mínima ou nula, natural quando essa ação é determinante, sem prejudicar o equilíbrio biológico, a estabilidade física e a dinâmica ecológica, e urbana quando predominantemente transformada e artificializada pela ação humana e ocupada por edificação concentrada;
  5. Continuum naturale é o sistema contínuo de ocorrências que constituem o suporte de vida silvestre e de manutenção do potencial genético que contribui para o equilíbrio e estabilidade do território;
  6. Qualidade do ambiente é a adequabilidade de todos os seus componentes e recursos às necessidades dos seres humanos e dos restantes seres vivos;
  7. Poluição é o conjunto dos efeitos negativos provocados direta ou indiretamente pela ação humana na natureza que degradem ou afetem a saúde, o bem-estar, as diferentes formas de vida, a harmonia ou a durabilidade dos ecossistemas naturais e transformados ou a estabilidade física e biológica do território;
  8. Fontes poluidoras são atividades ou processos geradores de poluição;
  9. Conservação da natureza é a gestão da utilização humana da natureza, de modo a compatibilizar de forma perene a sua máxima rentabilização com a manutenção da capacidade de regeneração de todos os recursos naturais;
  10. Biodiversidade é a variabilidade genética traduzida no número de espécies e de comunidades específicas do conjunto dos seres vivos, independentemente do seu grau de complexidade;
  11. Geodiversidade é a variabilidade litológica, fóssil, geomorfológica, estrutural e mineral traduzida no número de espécies minerais, de tipos rochosos, de formações geomorfológicas, estruturas geológicas e na diversidade do registo fóssil e icnofóssil.

Capítulo II

Instrumentos

Artigo 6.º

Instrumentos

Sem prejuízo de outros instrumentos sectoriais, e para o cumprimento dos objetivos enunciados no artigo 4.º, são instrumentos da política de ambiente:

  1. Os diversos instrumentos legais de ordenamento do território, nacionais, regionais, locais ou sectoriais;
  2. As condicionantes legais de ordenamento do território, nomeadamente a Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica Nacional;
  3. A criação de regimes especiais de proteção de valores naturais ou ambientais, nomeadamente através da criação de parques ou reservas naturais;
  4. Os processos de licenciamento e de autorização;
  5. A fiscalização, por organismos próprios, do cumprimento da legislação ambiental;
  6. A administração, por organismos próprios, do património, dos recursos naturais e dos valores ambientais protegidos;
  7. A cartografia e o cadastro do território nacional, da propriedade, dos valores biológicos, geológicos e hidrológicos, atualizados e corretamente elaborados;
  8. A consulta e os inquéritos públicos;
  9. Apoio ao movimento associativo, nomeadamente às associações de defesa do ambiente, de utentes e de moradores;
  10. A investigação e desenvolvimento orientados para o aperfeiçoamento dos processos produtivos e para a eficiência energética e ecológica das atividades humanas;
  11. A divulgação, educação e sensibilização ambiental da população em geral;
  12. O adequado financiamento dos organismos de fiscalização e administração e a sua dotação dos meios técnicos e humanos necessários;
  13. Os processos legais de Estudo, de Avaliação, de Declaração de Impacte Ambiental, bem como os processos de Avaliação Ambiental Estratégica;
  14. Os incentivos públicos, nos termos da lei, às práticas de modernização dos meios de produção e de aumento da eficiência energética;
  15. A penalização fiscal, contraordenacional e penal, das práticas poluentes, lesivas ou desajustadas, nos termos da lei.

Artigo 7.º

Cartografia e cadastro

  1. A elaboração de cartografia apropriada para a prossecução dos objetivos previstos na presente lei é da responsabilidade do Estado, através das entidades públicas competentes.
  2. O Estado, através da entidade pública competente, elabora e mantém atualizado um cadastro territorial, florestal, fundiário e de identificação dos valores naturais e habitats.
  3. A monitorização das políticas de ambiente e ordenamento do território é da responsabilidade do Estado, através das entidades públicas competentes.

Artigo 8.º

Áreas protegidas

  1. As Áreas Protegidas de âmbito nacional, nomeadamente as reservas naturais, os parques naturais, os parques nacionais e os sítios da Rede Natura 2000 são geridas e fiscalizadas pela autoridade pública competente, sem possibilidade de concessão dessas atividades.
  2. A cada uma das Áreas Protegidas referidas no número anterior corresponde uma unidade orgânica de direção intermédia da administração central, dotada dos meios humanos e técnicos para a satisfação das necessidades materiais, biofísicas, sociais e ecológicas da área protegida que tutela.
  3. A cada organismo de direção das Áreas Protegidas em território nacional corresponde um diretor, nomeado pelo Governo.
  4. As Áreas Protegidas são alvo de uma política de ordenamento do território própria, devidamente enquadrada na envolvente social e ambiental em que se inserem, definida através de Planos de Ordenamento para cada uma das referidas áreas.
  5. As Áreas Protegidas são alvo de uma política de visitação planificada por cada uma das direções intermédias referidas nos números anteriores, de acordo com as limitações físicas, biofísicas, sociais ou ecológicas de cada área.
  6. Todos podem aceder e visitar as áreas protegidas independentemente da sua condição sócio-económica, nos termos dos Planos de Ordenamento das respetivas áreas.
  7. As autarquias locais participam e intervêm na definição dos Planos de Ordenamento e na gestão das áreas protegidas, nos termos desses planos.
  8. Os Planos de Ordenamento das Áreas Protegidas são acompanhados por um Plano de Desenvolvimento e Investimento que contempla as medidas de ordenamento e de intervenção do Estado no sentido de assegurar o desenvolvimento local e regional no interior e na envolvente da respetiva área protegida.

Artigo 9.º

Reserva Ecológica Nacional

  1. A Reserva Ecológica Nacional (REN) é uma estrutura biofísica que integra o conjunto das áreas que são objeto de proteção especial e diferenciada por razões ambientais, inserindo-se na REN, nomeadamente, as áreas, corredores e percursos que se diferenciam do território circundante pela função específica ou restrições especiais decorrentes da Lei de Bases do Ambiente e, em especial, pelo estipulado sobre âmbitos específicos de proteção e sobre danos e riscos nos capítulos II e III deste diploma.
  2. A REN representa, sintetiza, diferencia geograficamente e mapeia inequivocamente os territórios com diferentes estatutos e enquadramentos normativos, legais ou regulamentares no domínio do ambiente e da segurança ambiental e é constituída por uma coleção de figuras ou camadas distintas, a cada uma das quais correspondendo um regime específico, que a diferencia do território exterior.
  3. As representações da REN e as suas transposições para instrumentos de ordenamento do território, de licenciamento, de avaliação ambiental ou outros, individualizam obrigatoriamente cada figura ou camada, associando-a ao estatuto, normativo, regulamento e condicionantes específicas, que são únicos para cada figura e diferentes em figuras distintas.
  4. As áreas correspondentes a sobreposições de figuras ou camadas da REN são sujeitas cumulativamente aos regimes associados a cada uma das figuras ou camadas.
  5. A inclusão ou exclusão de determinada área ou território numa ou mais figuras da REN é um ato normativo com instrução técnica e não pode ser executada por ato administrativo.
  6. A REN obedece a legislação própria, subordinada à Lei de Bases do Ambiente.

Artigo 10.º

Avaliações ambientais

  1. As decisões passíveis de ter efeitos diretos ou indiretos, a curto ou longo prazo, certos ou incertos, no ambiente, ou através do ambiente provocar danos, aumentar riscos ou alterar a distribuição de benefícios, danos e riscos, são previamente instruídas por avaliação ambiental.
  2. São instrumentos de avaliação de efeitos ambientais:
    1. Os Processos de Avaliação de Impactes Ambientais;
    2. Os Processos de Avaliação Ambiental Estratégica;
    3. Os Processos de Avaliação de Incidências Ambientais.
  3. A avaliação ambiental inicia-se obrigatoriamente pela caracterização da decisão em avaliação e alternativas, pela definição de âmbito e pela definição de profundidade, de cuja aprovação pela entidade pública competente depende o prosseguimento da avaliação.
  4. São avaliadas obrigatoriamente alternativas, incluindo a alternativa nula.
  5. São avaliados obrigatoriamente os efeitos cumulativos das alternativas consideradas com outras intervenções existentes ou previstas sobre o território considerado.
  6. A definição de âmbito tem de apresentar, clara e detalhadamente, as potenciais implicações da decisão em apreciação e a zona geográfica a abranger pelo estudo da repercussão do efeito ou efeitos potenciais de cada alternativa e identifica explicitamente as disposições, condicionantes e figuras com as quais nenhuma alternativa interfere, para cada disposição ou condicionante estipulada na Lei de Bases do Ambiente e para cada figura ou camada da REN, justificando, quando pertinente.
  7. A definição de profundidade caracteriza os métodos, estudos, informação e o grau de precisão e rigor da análise de cada efeito.
  8. Se a avaliação ambiental aprovada incluir medidas de mitigação de danos, de compensação, de segurança ou outras, a decisão não é passível de prossecução sem que essas medidas sejam tomadas.
  9. As avaliações ambientais e as peças técnicas e descritivas necessárias à sua instrução são públicas e publicitadas em todas as fases do processo de aprovação.
  10. As avaliações ambientais obedecem a legislação própria, subordinada à Lei de Bases do Ambiente.
  11. Os cidadãos têm direito a requerer a avaliação ambiental com processo de consulta pública de decisões com potenciais efeitos danosos no ambiente, bem como a exigir a avaliação de impactes específicos ou de efeitos de medidas de mitigação através de mecanismo regulamentado em legislação própria.

Artigo 11.º

Instrumentos contraordenacionais e penais

  1. A lei prevê um regime contraordenacional como instrumento dissuasor e sancionatório das práticas lesivas para o ambiente ou para a utilização indevida ou abusiva dos recursos naturais.
  2. A lei prevê um regime de aplicação de penas como instrumento dissuasor e sancionatório da prática criminosa que envolva utilização indevida de recursos naturais, poluição ou degradação de recursos ou qualquer outra forma de atuação que se revele lesiva para a integridade dos ecossistemas, da biodiversidade e geodiversidade ou que coloque em risco a saúde e o bem-estar públicos.

Capítulo III

Âmbitos específicos de proteção

Artigo 12.º

Âmbitos específicos de proteção

Nos termos da presente lei, são âmbitos de proteção específica:

  1. O solo
  2. A água;
  3. O ar;
  4. O clima;
  5. A biodiversidade e os recursos biológicos;
  6. O habitat humano;
  7. O subsolo;
  8. Os outros recursos geológicos e a geodiversidade;
  9. A luminosidade;
  10. O som;
  11. A radiação;
  12. As fontes e os recursos energéticos;
  13. O património natural e construído;
  14. A paisagem;
  15. O litoral.

Artigo 13.º

Defesa da qualidade do ambiente e proteções específicas

No sentido de assegurar a defesa da qualidade do ambiente em cada um dos âmbitos específicos referidos no artigo anterior, poderá o Estado, através do Ministério da tutela ou dos organismos competentes, proibir ou condicionar o exercício de atividades e desenvolver ações necessárias à prossecução dos mesmos fins, nomeadamente através da obrigatoriedade de realização de análise prévia de custos-benefícios, tendo em conta os impactos ambientais, culturais, económicos e sociais de cada atividade.

Artigo 14.º

Solo

  1. A defesa e valorização do solo e da sua função social como recurso natural determinam a adoção de medidas conducentes à sua racional utilização, evitando a sua degradação e promovendo a melhoria da sua fertilidade e regeneração, incluindo o estabelecimento de uma política de gestão de recursos naturais que salvaguarde a estabilidade ecológica e os ecossistemas de produção, regulação ou de uso múltiplo e que regule o ciclo da água.
  2. É condicionada a utilização de solos agrícolas de elevada fertilidade para fins não agrícolas, bem como plantações, obras e operações ou práticas agrícolas que provoquem erosão e degradação do solo, o desprendimento de terras, encharcamento, inundações, salinização e outros efeitos perniciosos.
  3. Aos proprietários ou utilizadores de terrenos agrícolas podem ser impostas medidas de defesa e valorização dos mesmos, nos termos do n.º 1 deste artigo, nomeadamente a obrigatoriedade de execução de trabalhos técnicos, agrícolas ou silvícolas, ou outras medidas agroambientais, em conformidade com a legislação em vigor.
  4. O uso de biocidas, pesticidas, herbicidas, adubos, corretivos ou quaisquer outras substâncias poluentes e persistentes no solo, bem como a sua produção e comercialização, são objeto de regulamentação especial.
  5. Para efeitos do número anterior, sem prejuízo da evolução tecnológica e da indústria química, são limitadas e condicionadas as utilizações dos produtos referidos, em função das propriedades do solo e da sua localização, nomeadamente da sua posição relativa a recursos hídricos de superfície ou subterrâneos.
  6. A utilização e a ocupação do solo para usos urbanos e industriais ou implantação de equipamentos e infraestruturas são condicionados pela sua natureza, topografia e fertilidade.

Artigo 15.º

Água

  1. A proteção da água visa assegurar, de forma integrada e transversal, as suas funções sociais, ecológicas e económicas, como fluxo contínuo, determinante da composição atmosférica, do clima, da morfologia, das transformações químicas e biológicas e das condições de toda a vida na Terra, insubstituível e essencial nas suas funções de suporte à vida, ao bem-estar humano e à maioria dos processos produtivos, bem como a proteção das pessoas, do território, dos solos e subsolos, dos seres vivos, dos ecossistemas e do património natural e construído relativamente a ameaças associadas à água, nomeadamente a cheias, a tempestades, a episódios de precipitação intensa, a variações da energia gravítica e cinética do escoamento e variações anómalas de caudais por causas naturais ou provocadas, a secas, a descontinuidades ou interrupções dos caudais dos cursos de água permanentes, a carências de água, à contaminação das águas, à exaustão da capacidade de depuração de meio hídricos, a anomalias na fase hídrica dos ciclos do oxigénio, do fósforo, do azoto e do carbono, à eutrofização, à estagnação e outros fenómenos conducentes à ocorrência de meios aquáticos propícios à proliferação de organismos patogénicos ou vetores de transmissão de doenças.
  2. Os riscos sanitários, os riscos de arrastamento pelas águas, afogamento, erosão, deslizamento, esqueletização de solos e arrastamento de finos, submersão, de exaustão ou degradação de reservatórios de água, de degradação dos usos, da biodiversidade ou da ictiofauna por inadequação do regime de escoamento ou da qualidade física, química, microbiológica, ecológica da água, de emissões gasosas nocivas ou com odores, de contaminação de solos ou subsolo, bem como todos os riscos de degradação da sanidade ou da qualidade do ambiente em todas as suas vertentes, incluindo a paisagem, são alvo de regulamentação própria, nos termos da presente lei.
  3. É dever do Estado assegurar a proteção da água, fazer as intervenções necessárias à recuperação dos aspetos degradados e administrá-la, com base na solidariedade, na unidade do ciclo hidrológico, na harmonia com a dinâmica dos processos naturais e norteada pela defesa do primado do seu carácter público.
  4. São enquadrados por legislação sectorial específica os principais usos da água, com ênfase para a captação de águas, rejeição de efluentes e construções junto aos cursos de água, sendo assegurado o caráter intersectorial da administração da água com a administração do ambiente e do território, com ênfase para a interação com o solo e incidindo especialmente na abordagem integrada e holística da parte do ciclo da água que se processa no solo e no subsolo.
  5. As disposições do presente diploma aplicam-se à proteção de todas as fases e processos do ciclo hidrológico, aos terrenos e infraestruturas necessários ao adequado funcionamento do ciclo da água e dos processos físicos, químicos e biológicos que nela se processam, assim como à proteção das funções sociais e ecológicas da água, dos seus usos instalados e potenciais, com ênfase para a utilização doméstica e saneamento, bem como para a proteção das espécies piscícolas e outros ecossistemas aquáticos ou associados à água.
  6. Incluem-se no estatuto especial de proteção das águas:
    1. Águas marítimas, águas costeiras e águas de transição, com respetivos fundos, leitos e margens;
    2. Águas interiores, nomeadamente cursos de água permanentes e temporários, lagos, lagoas, valas, canais e albufeiras, com respetivos leitos e margens, as águas subterrâneas e as águas sub-superficiais.;
    3. Fontes, nascentes e minas de água, assim como as origens que as alimentam;
    4. Todos os reservatórios naturais ou artificiais comunicantes com sistemas aquíferos ou cursos de água, abrangendo, nomeadamente, a retenção de humidade pelos solos;
    5. Todo o domínio público hídrico, as servidões públicas associadas à água, as áreas inundáveis, as zonas ameaçadas por cheias, as origens de água para abastecimento público e outras figuras designadas ou que venham a ser designadas por legislação específica como de importância relevante para a proteção da água.
  7. São condicionadas e objeto de regulamentação especial as ações e usos do solo compatíveis com a proteção da água.
  8. São condicionadas, sujeitas a autorização do Estado e objeto de regulamentação especial todas as alterações morfológicas, reconversões de uso do solo, construções, movimentos de terras, instalação de equipamento, impermeabilizações, abandono ou incorporação de substâncias nocivas ou potencialmente contaminantes, ou quaisquer outras ações que:
    1. alterem ou perturbem o regime de escoamento;
    2. alterem ou perturbem o regime de recarga de aquíferos;
    3. interfiram com a continuidade dos percursos de cursos de água permanentes ou temporários, em todos os troços do percurso, nomeadamente, naturais ou artificiais, a céu aberto, cobertos, sub-superficiais, ou no subsolo;
    4. deteriorem a qualidade física, química, biológica ou ecológica das águas, reduzindo a sua aptidão para usos humanos exigentes, nomeadamente a potabilidade ou uso balnear, ou prejudicando os ecossistemas aquáticos ou associados, com ênfase para ictiofauna, ou diminuindo a capacidade de depuração do meio hídrico;
    5. perturbem os processos de infiltração, evapotranspiração, evaporação, armazenamento de água no solo, de formação ou transporte das nuvens, ou de formação da precipitação;
    6. perturbem os processos de transporte sólido, erosão ou deposição;
    7. alterem as condições de drenagem, induzindo alagamentos ou aumentos de velocidade;
    8. desviem o curso das águas ou alterem a energia do escoamento, reduzindo caudais ou provocando aumentos de velocidade erosivos;
    9. de qualquer forma prejudiquem localmente ou em maior extensão o bom funcionamento do sistema hídrico, ou a capacidade de satisfação das funções sociais, ecológicas e económicas da água.
  9. O represamento de cursos de água para qualquer fim, a extração de inertes em cursos de água ou nas margens e bancos de cursos de água são sujeitos a medidas de minimização da contenção de sedimentos e obedecem a normas próprias, identificadas nos Estudos de Impacte Ambiental e Declarações de Impacte Ambiental, que defendem a estabilidade do ciclo sedimentar, e garantem a produção, transporte e deposição dos sedimentos.
  10. São incentivadas e promovidas as atividades e usos do solo que contribuam para a proteção da água ou proporcionem recuperação das situações de degradação.
  11. É proibida a interrupção da continuidade dos percursos da água, temporários ou permanentes, desde que a precipitação atinge o solo e até que a água chega ao oceano; sejam esses percursos naturais ou artificiais, superficiais ou subterrâneos, incorporando ou não reservatórios ou aquíferos e seja qual for o período de residência em cada reservatório e em cada fase do percurso.
  12. Para efeitos de delimitação dos percursos referidos no número anterior, é considerada a bacia de drenagem pertinente, a intensidade, duração e frequência de precipitação mais desfavorável para uma probabilidade de ocorrência que não exceda uma vez em 100 anos.
  13. A qualidade dos percursos refere-se à harmonização dos seguintes fatores, tendo em conta a variabilidade hidrológica natural e as probabilidades de ocorrência de fenómenos extremos:
    1. adequada drenagem das águas pluviais e superficiais;
    2. bom escoamento de cheias, minimizando as áreas inundadas, as velocidades e a erosão;
    3. manutenção contínua dos regimes de caudais dos cursos de água adequados na perspetiva das utilizações humanas instaladas ou habituais, incluindo o lazer e balnear, bem como na perspetiva ecológica, de proteção das espécies vivas e nomeadamente adequadas condições de circulação e de desova das espécies piscícolas residentes e das migratórias;
    4. condições adequadas de infiltração e recarga de aquíferos;
    5. maximização dos tempos de permanência nos reservatórios e nos percursos, no sentido de prolongar a fase do ciclo hidrológico entre a precipitação e a incorporação no oceano, otimizando a disponibilidade de água doce;
    6. preservação das fontes e nascentes naturais;
    7. minimização das condições favoráveis à contaminação das águas, especialmente das contidas em reservatórios de mais longas residências, e nomeadamente por inundação transporte e lixiviamento ou por alterações à permeabilidade ou aos diferenciais de energia determinantes dos escoamentos no subsolo;
    8. minimização das condições que possam criar zonas insanas, nomeadamente, que possam adequar-se à proliferação de micro-organismos patogénicos ou geradores de substâncias tóxicas ou ao desenvolvimento de agentes ou vetores de transmissão de doenças, que produzam emissões poluentes do ar ou odoríferas;
    9. manutenção das velocidades dos cursos de água e dos níveis de oxigenação adequados, nomeadamente, garantindo a capacidade de depuração e as boas condições ecológicas do meio hídrico.
  14. Incumbe ao Estado, em articulação com as Autarquias, recuperar os percursos degradados e assegurar a preservação da qualidade dos percursos e reservatórios existentes.
  15. O Estado, em articulação com as Autarquias, elabora os planos de recuperação e manutenção dos percursos da água, a entrar em vigor no prazo de cinco anos após a aprovação desta lei.
  16. O Estado poderá autorizar ou promover alterações aos percursos existentes, desde que seja assegurado que a qualidade e capacidade dos novos troços não diminuem a qualidade dos percursos, que são adequados aos caudais previsíveis e que a alteração não diminui a qualidade ambiental, nos termos deste diploma, nem imputa riscos ou prejudica terceiros, nomeadamente no uso atual ou potencial do solo.
  17. Incumbe ao Estado, em articulação com as Autarquias, fazer o cadastro, caracterização, nomeadamente em termos de caudais, e cartografia cotada dos percursos das águas, com a escala e rigor adequado, num prazo de cinco anos após a publicação deste diploma.
  18. O cadastro, sua caracterização e cartografia, é atualizado e republicado de cinco em cinco anos, registando e incorporando as alterações, devidamente documentadas.
  19. Os instrumentos de planeamento com incidência territorial incorporam estes cadastros, articulam-se com os planos de recuperação e impõem as condicionantes pertinentes à utilização do solo.

Artigo 16.º

Ar

  1. A gestão da qualidade do ar é regulamentada por legislação própria no sentido de garantir a sua adequação às necessidades dos ecossistemas e das comunidades humanas, garantindo um controlo permanente com cobertura territorial representativa, da proporção e natureza da mistura de compostos gasosos que o compõem.
  2. O lançamento para a atmosfera de quaisquer substâncias, seja qual for o seu estado físico, suscetíveis de afetarem de forma nociva a qualidade do ar e o equilíbrio ecológico ou que impliquem risco, dano ou incómodo grave para as pessoas e bens é limitado e é objeto de regulamentação especial.
  3. As alterações do odor do ar, ou da carga de partículas em suspensão, em função de atividades industriais, de processamento de resíduos ou de outras atividades económicas são da responsabilidade da entidade promotora da atividade, a quem cabe o seu controlo ou eliminação.
  4. A produção de energia elétrica através do vento é alvo de regulamentação específica e atenta aos seus impactos na qualidade e no valor da estrutura e funcionamento da paisagem.
  5. É proibido pôr em funcionamento novos empreendimentos ou desenvolver aqueles já existentes e que, pela sua atividade, possam constituir fontes de poluição do ar sem serem dotados de instalações, dispositivos ou mecanismos em estado de funcionamento adequado para reter ou neutralizar as substâncias poluentes ou sem se terem tomado as medidas para respeitar as condições de proteção da qualidade do ar estabelecidas pelo organismo competente.

Artigo 17.º

Clima

  1. O Estado assegura uma política de planeamento que salvaguarde os valores naturais, o bem-estar e a saúde públicos, tendo em conta a instabilidade climática, as variações de pressão, temperatura e composição atmosféricas, bem como os seus impactos.
  2. Para efeitos do disposto no número anterior, o Estado, através de entidade pública competente, garante a monitorização, por observação direta e modelação, da pressão, temperatura e composição atmosféricas, bem como a sua publicitação.
  3. É da responsabilidade do Estado a elaboração, a fiscalização e o cumprimento de planos de adaptação, mitigação e combate às alterações climáticas que influam negativamente no território nacional no plano ambiental, social ou económico.
  4. Para efeitos do número anterior, o Estado cria e mantém um Fundo para as alterações climáticas destinado prioritariamente à intervenção em território nacional para cumprimento dos objetivos fixados no n.º 1 do presente artigo.
  5. No âmbito da mitigação, adaptação e combate às alterações climáticas o Estado assegura a participação nacional e a cooperação internacional em políticas concertadas para a redução das consequências da variabilidade climática, incluindo o estímulo ao desenvolvimento dos meios produtivos e da indústria mais sustentável em território nacional ou estrangeiro, privilegiando, sempre que possível, circuitos mais curtos de produção-consumo.
  6. A política de combate às alterações climáticas em Portugal assenta na redução de emissão de gases com efeito de estufa, na racionalização da utilização dos solos, no estímulo às fontes de energia não poluentes, na promoção da racionalização do sistema de transportes, com investimento no sistema público de transportes e no estímulo da mobilidade suave e na concretização de uma política de eficácia energética e no uso de recursos, nomeadamente da água, através dos mecanismos legais adequados.
  7. O Estado cria uma Plataforma de acesso e partilha de informação dos estudos e projetos de investigação e desenvolvimento elaborados no âmbito das alterações climáticas.
  8. O Governo submete anualmente à Assembleia da República um relatório síntese do Estado da Arte relativo aos projetos de investigação e desenvolvimento elaborados no âmbito das alterações climáticas, referenciados na Plataforma prevista no número anterior.
  9. O Estado cria uma Plataforma de acesso e partilha de informação dos Projetos de Cooperação desenvolvidos no âmbito das alterações climáticas.
  10. O Governo submete anualmente à Assembleia da República um relatório síntese do Estado da Arte relativo aos Projetos de Cooperação no âmbito das alterações climáticas, referenciados na Plataforma prevista no número anterior.
  11. O Estado desenvolve e implementa um Sistema de Contabilidade Ambiental a aplicar aos diferentes sectores de atividade, assente numa abordagem de minimização efetiva das emissões de gases com efeito de estufa, em que sejam evidenciados os custos ambientais de todo o ciclo de vida dos produtos e serviços, incluindo os custos ambientais de transporte.
  12. A regulamentação dos critérios a considerar no âmbito do Sistema de Contabilidade Ambiental é elaborada pelo Governo e apresentada à Assembleia da República para discussão e aprovação.

Artigo 18.º

Biodiversidade e recursos biológicos

  1. A variabilidade genética e os organismos vivos são protegidos através de legislação própria, atendendo ao seu papel nos ecossistemas, à sua utilização na atividade humana, ao seu bem-estar e à abundância e dimensão de cada comunidade específica.
  2. Toda a fauna é protegida através de legislação especial com vista a salvaguardar a conservação e a exploração das espécies, principalmente sobre as quais recai interesse científico, económico, ou social, garantindo o seu potencial genético e os habitats que asseguram a sua existência.
  3. A proteção dos recursos faunísticos autóctones pode implicar medidas de restrição, condicionamento ou proibição de atividades humanas, nomeadamente no âmbito de:
    1. Manutenção ou ativação dos processos biológicos de auto-regeneração;
    2. Recuperação dos habitats degradados essenciais para a fauna e criação de habitats de substituição, quando necessário;
    3. Comercialização de fauna silvestre, aquática ou terrestre;
    4. Introdução de espécies animais selvagens, aquáticas ou terrestres, no território nacional, com relevo para as áreas protegidas;
    5. Destruição de animais tidos por prejudiciais, sem exceção, através do recurso a métodos não autorizados e sempre sobre controlo das autoridades competentes;
    6. Regulamentação e controlo da importação e comercialização de espécies exóticas;
    7. Regulamentação e controlo da utilização de substâncias que prejudiquem a fauna selvagem;
    8. Organização de lista ou listas de espécies animais e das biocenoses em que se integram, quando raras ou ameaçadas de extinção.
  4. A exploração e gestão dos recursos animais, cinegéticos e piscícolas de águas interiores e da orla costeira marinha é objeto de legislação especial que regulamenta a sua valorização, fomento e usufruição, prestando especial atenção ao material genético que possa ser utilizado no desenvolvimento da silvicultura e da aquicultura e atendendo aos impactos ambientais inerentes às atividades em causa.
  5. A exploração de recursos faunísticos, independentemente das suas características, obedece a normas específicas que assegurem um nível de bem-estar animal máximo, de acordo com a capacidade tecnológica, através de legislação especial.
  6. A utilização para fins experimentais, científicos, de investigação ou para testes, de seres vivos sencientes é regulamentada por diploma próprio e carece de autorização pelas autoridades competentes.
  7. A política de ambiente promove a adoção de medidas de:
    1. Substituição das técnicas que usam material senciente para os fins referidos no número anterior por outras, ou substituição do material senciente por outro não senciente, no quadro das possibilidades tecnológicas disponíveis;
    2. Redução da utilização de seres vivos sencientes para os fins referidos no número anterior;
    3. Aperfeiçoamento das técnicas relacionadas com os referidos fins, no sentido da redução das necessidades de utilização de seres vivos sencientes nesses procedimentos.
  8. A utilização de seres vivos sencientes em qualquer atividade económica, desportiva, cultural ou recreativa é regulamentada por legislação própria e sujeita a autorização das autoridades competentes, bem como a inspeções periódicas.
  9. A utilização de seres vivos sencientes para fins de companhia é de notificação obrigatória junto das autoridades competentes, nos termos de legislação específica.
  10. As formações vegetais espontâneas e subespontâneas que constituem o património florestal e dos espaços verdes urbanos e periurbanos são protegidas por lei especial que visa a sua integridade, salvaguarda e valorização.
  11. São proibidos os processos ou atividades que impeçam o desenvolvimento normal ou a recuperação da flora e da vegetação espontânea que apresentem interesse científico, económico e paisagístico, designadamente da flora silvestre e da flora ripícola.
  12. A política de proteção da Flora visa designadamente:
    1. A salvaguarda e valorização do património silvícola do país, bem como o seu ordenamento em função de objetivos científicos, económicos, sociais e paisagísticos;
    2. A recuperação dos recursos silvícolas degradados ou afetados por incêndios florestais;
    3. A conservação das espécies vegetais ameaçadas de extinção ou os exemplares botânicos isolados ou em grupo que, pelo seu potencial genético, porte, idade, raridade, ou outra razão, representem um valor ecológico, científico, económico, social, cultural ou paisagístico;
    4. O controlo da colheita, do abate da utilização e comercialização de certas espécies vegetais e seus derivados, da sua importação ou da introdução de exemplares exóticos, através de legislação adequada.
    5. O combate à desertificação, acidificação ou salinização dos solos.
  13. A conservação da biodiversidade animal, vegetal ou dos restantes seres vivos, bem como dos correspondentes habitats, é inalienável e incumbe ao Estado, através dos seus organismos competentes.
  14. Para efeitos do disposto no número anterior, através dos organismos competentes, o Estado organiza, e atualiza sempre que necessário, a inventariação e identificação dos valores biológicos bem como dos seus habitats, de acordo com a sua distribuição geográfica, com suporte em registo cartográfico com escala adequada.
  15. É proibida a libertação ou introdução em território nacional, em ambiente não controlado, de organismos geneticamente modificados.

Artigo 19.º

Habitat humano

  1. O Estado assegura, nomeadamente através da política de ambiente, a qualidade do habitat humano, essencial à fruição plena e universal dos direitos ao ambiente, à habitação e à saúde garantidos respetivamente pelos artigos 66.º, 65.º e 64.º da Constituição da República Portuguesa.
  2. O habitat humano é fundamentalmente integrado pelas áreas naturais e urbanas que constituem ambiente e suporte da atividade humana nas suas diversas dimensões: na habitação, no trabalho, no estudo, no lazer, na organização comunitária e no viver coletivo.
  3. Estão abrangidas para efeitos da presente lei as componentes, funções, processos, infraestruturas, equipamentos e serviços relevantes para a qualidade do habitat humano, incluindo designadamente a qualidade e segurança ambientais, sanitárias e estruturais dos espaços interiores e exteriores.
  4. Uma ocupação equilibrada em termos de usos e densidades assegura o desenvolvimento harmonioso e ambientalmente sustentado do território nacional no seu conjunto.
  5. O habitat humano assegura uma relação equilibrada com a paisagem e o ambiente natural. As formas de ocupação do solo que realiza são compatíveis e tiram vantagem dos processos naturais pré-existentes, nomeadamente no que diz respeito à drenagem natural das águas superficiais, à desobstrução das linhas de água, ao regime de ventos e brisas dominantes que asseguram a renovação e a qualidade do ar.
  6. O habitat humano tem as suas funções organizadas de forma a reduzir os custos energéticos dos diferentes modos de transporte, a facilitar as deslocações, a potencializar a oferta e a utilização das redes de transporte coletivo.
  7. Na relação entre a habitação, os locais de trabalho e os equipamentos coletivos a política de ambiente valoriza a proximidade e os pequenos percursos, privilegiando a continuidade da ocupação do espaço e a desobstrução dos percursos.
  8. A construção de espaços habitáveis privilegia as envolventes que asseguram menores custos energéticos e maior durabilidade.
  9. O planeamento urbano privilegia a contenção dos perímetros urbanos, e favorece a reabilitação e a reconversão da construção existente.

Artigo 20.º

Subsolo

  1. A exploração dos recursos do subsolo, marítimo ou terrestre, deverá ter em conta:
    1. As limitações impostas pelas necessidades de conservação da natureza e dos recursos naturais;
    2. A necessidade de obedecer a um plano global de desenvolvimento e, portanto, a uma articulação a nível nacional;
    3. Os interesses e questões que local e mais diretamente interessem às regiões e autarquias onde se insiram.
  2. Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do presente artigo, a exploração dos recursos do subsolo deverá ser orientada de forma a respeitar os seguintes princípios:
    1. Garantia das condições que permitam a regeneração dos fatores naturais renováveis e uma adequada relação entre o volume das reservas abertas e o das preparadas para serem abertas;
    2. Valorização máxima de todas as matérias-primas extraídas, independentemente de constituírem ou não o recurso nuclear da exploração;
    3. Exploração racional das nascentes de águas minerais e termais, fontes geotérmicas e hidrotermais, e determinação dos seus perímetros de proteção;
    4. Adoção de medidas preventivas de degradação do ambiente, resultantes dos trabalhos de extração de matéria-prima que possam pôr em perigo a estabilidade dos sistemas naturais e sociais;
    5. Adoção de medidas especiais de controlo e contenção de radioatividade sempre que a exploração do subsolo incida sobre matérias-primas radioativas;
    6. Reconstrução obrigatória e reabilitação funcional da paisagem quando da exploração dos recursos do subsolo resulte alteração da topografia preexistente, do coberto vegetal ou outros valores naturais importantes, com vista à integração harmoniosa da área sujeita à exploração na paisagem envolvente.
  3. É proibida a concessão de novas explorações, ou o desenvolvimento daquelas que já existem, sempre que se verifique ou seja previsível, em análise prévia, o incumprimento, de qualquer um dos princípios referidos no número anterior.

Artigo 21.º

Outros recursos geológicos e geodiversidade

  1. As formações geomorfológicas de relevante interesse, os monumentos geológicos, e as estruturas geológicas, as fontes geotermais e hidrotermais, as camadas litológicas de interesse paleo-estratigráfico, os fósseis e os icnofósseis constituem valores ambientais a salvaguardar, de acordo com a sua importância.
  2. O Estado promove a preservação e salvaguarda do património geológico, litológico, estratigráfico e paleontológico, através de legislação especial de proteção da geodiversidade e da criação e funcionamento dos mecanismos e organismos adequados.
  3. A produção de energia através de recursos energéticos geológicos internos é alvo de regulamentação específica.
  4. O Estado pode impor, através do Ministério da tutela ou dos organismos competentes, impedimentos ou condicionantes ao exercício de atividades humanas que coloquem em risco ou sejam passíveis de degradar património geológico de relevante importância científica, social, cultural ou económica.

Artigo 22.º

Litoral

  1. Todos têm direito a aceder e usufruir do litoral, nomeadamente da faixa compreendida entre os cordões dunares e o mar, das falésias e arribas estáveis e seguras.
  2. O âmbito específico litoral compreende a zona de interação entre o mar e a terra e designadamente o domínio público hídrico marítimo e o território confinante, as terras reclamadas ao mar, os estuários, as águas costeiras, de transição e todas aquelas, superficiais ou subterrâneas, cujo regime seja influenciado pelas marés ou sujeitas a intrusão salina, com seus leitos, margens e formações que os delimitam, as praias, falésias e sistemas dunares, os solos associados com seu coberto vegetal, bem como os processos, os ecossistemas, incluindo o humano, as atividades, as construções, os equipamentos, as instalações e a laboração associados a esses espaços e compreende ainda as zonas passíveis de ser submersas, inundadas ou erodidas por causas associadas a ondulação excecional ou subidas do nível do mar de curta ou de longa duração, incluindo marés vivas, maremotos ou outras.
  3. A política de gestão do litoral considera a influência das atividades humanas e limita a sua realização de acordo com a estabilidade da faixa costeira, nomeadamente face a fenómenos de avanço ou recuo da linha de costa, a tempestades ou cheias ou intrusão salina em aquíferos de abastecimento para qualquer fim.
  4. A política de gestão do litoral é transversal, nacional e da responsabilidade do Estado, nomeadamente no que toca a concertação internacional e transfronteiriça que se demonstre necessária para a estabilidade da faixa costeira continental.
  5. O litoral tem expressão territorial transposta nos instrumentos de Ordenamento do Território com a delimitação, expressão e regulamentação específica adequada.
  6. A gestão do litoral é definida por instrumentos de ordenamento do território próprios, os planos de ordenamento da orla costeira, definidos em articulação com as autarquias locais.

Artigo 23.º

Luminosidade

  1. Todos têm direito a um nível de luminosidade natural conveniente à sua saúde, bem-estar e conforto na habitação, no local de trabalho e nos espaços públicos de recreio, lazer e circulação.
  2. Nos termos do número anterior, ficam condicionados:
    1. A volumetria dos edifícios a construir, no sentido de impedir que prejudique a qualidade de vida dos cidadãos e a vegetação, pelo ensombramento, dos espaços públicos e privados;
    2. O regulamento e as normas específicas respeitantes à construção de fogos para habitação, escritórios, fábricas e outros locais de trabalho, escolas e restante equipamento social;
    3. A volumetria das construções a erigir na periferia de espaços verdes existentes ou a construir;
    4. Os anúncios luminosos só são permitidos nas áreas urbanas e são condicionadas as suas cor, forma, intensidade luminosa, localização e intermitência, por regulamentação especial.
  3. O nível de luminosidade para qualquer lugar deve ser o mais consentâneo com o equilíbrio dos ecossistemas transformados de que depende a qualidade de vida das populações.
  4. Os anúncios luminosos, fixos ou intermitentes, não devem perturbar o sossego, a saúde e o bem-estar dos cidadãos.

Artigo 24.º

Som

  1. Todos têm direito a um nível de ruído conveniente à sua saúde, bem-estar e conforto na habitação, no local de trabalho e nos espaços públicos de recreio, lazer e circulação.
  2. Nos termos do número anterior, compete ao Estado assumir o controlo do ruído através, designadamente:
    1. Da normalização dos métodos de medida do ruído;
    2. Do estabelecimento de níveis sonoros máximos,
    3. Da redução do nível sonoro na origem, através da fixação de normas de emissão aplicáveis às diferentes fontes;
    4. Dos incentivos à utilização de equipamentos cuja produção de ruídos esteja contida dentro dos níveis máximos admitidos para cada caso;
    5. Da obrigação de os fabricantes de máquinas e eletrodomésticos apresentarem informações detalhadas, homologadas, sobre o nível sonoro dos mesmos nas instruções de uso;
    6. Da introdução, nas autorizações de construção de edifícios, de utilização de equipamento ou no exercício de atividades, da obrigatoriedade de adotar medidas preventivas para eliminação da propagação do ruído para o exterior e no interior, bem como das trepidações.
    7. Da sensibilização das populações para os problemas associados ao ruído;
    8. Da localização adequada no território das atividades causadoras de ruído.
  3. Os veículos motorizados, incluindo as embarcações, aeronaves e transportes ferroviários, estão sujeitos a homologação e controle no que se refere às características do ruído que produzem.
  4. Os avisadores sonoros estão sujeitos a homologação e controle no que se refere às características das vibrações acústicas que produzem.
  5. Os equipamentos eletromecânicos deverão ter especificadas as características do ruído que produzem.

Artigo 25.º

Radiação

  1. O espaço hertziano e os campos eletromagnéticos são recursos naturais regulamentados por legislação própria.
  2. A radiação solar é um bem comum de acesso público e livre.
  3. São proibidas as atividades ou processos que impeçam permanentemente ou de forma significativa, contra a vontade do proprietário, a incidência da radiação solar sobre os solos ou edifícios.
  4. A produção de energia elétrica que use como fonte direta a radiação solar é regulamentada por legislação própria.

Artigo 26.º

Fontes e recursos energéticos

  1. As fontes e recursos energéticos são alvo de uma gestão que visa, designadamente:
    1. O aumento da eficácia energética e a democratização do usufruto das comodidades da energia;
    2. O desenvolvimento da produção nacional, em harmonia com o equilíbrio ecológico e a conservação da natureza;
    3. O aproveitamento otimizado das fontes e recursos naturais, com o menor impacto ambiental.
    4. A diminuição da dependência energética externa do país e a minimização do recurso à combustão como forma de produção de energia.
  2. As fontes e os recursos energéticos, ou seja, a água, as fontes hidrotermais e geotérmicas, os hidrocarbonetos, os recursos minerais, o ar, a radiação solar, são inalienáveis e a sua gestão cabe ao Estado, de acordo com legislação própria.
  3. A produção e utilização de biomassa para produção de energia elétrica são regulamentadas por legislação própria.
  4. A produção e utilização de combustíveis, para qualquer fim, obtidos, em todo ou em parte, através de recursos biológicos produzidos no país ou no estrangeiro é regulamentada por legislação especial, salvaguardando a função social dos solos, nomeadamente no que diz respeito à produção alimentar.
  5. A implantação ou construção de infraestruturas de produção ou transformação energética através de recursos naturais é alvo de planificação sectorial no plano nacional e regional que identifica as potencialidades e impactos da referida produção, nomeadamente nos planos económico, ecológico, paisagístico e humano.

Artigo 27.º

Património natural e construído

  1. São deveres do Estado, através de legislação adequada:
    1. A salvaguarda, conservação e valorização do património natural e construído, bem como do património histórico e cultural através, entre outros, de uma adequada gestão dos recursos existentes, da planificação das ações a empreender numa perspetiva de animação e utilização criativa;
    2. A recuperação e reabilitação dos centros históricos das áreas urbanas e rurais, a conservação ou recuperação de paisagens primitivas e naturais notáveis e de edifícios e conjuntos monumentais;
    3. A inventariação e a classificação do património histórico, cultural, natural e construído, em cooperação com as autarquias locais e com as associações locais de defesa do património e de defesa do ambiente;
    4. A promoção do desenvolvimento local e regional através da valorização do património cultural e construído identitário de cada região.
  2. Constitui responsabilidade do Estado a inventariação e classificação do património histórico, cultural, natural e construído, bem como de bens paleontológicos, em cooperação com as autarquias locais e com as associações locais de defesa do património e de defesa do ambiente.
  3. Aos proprietários de bens patrimoniais culturais e naturais incumbe a preservação e proteção dos mesmos.
  4. Os proprietários e usufrutuários têm o direito à informação quanto aos atos de administração do património, à indemnização, a pronunciarem-se quanto à definição da política, ao conhecimento das medidas aplicadas e a recurso à expropriação.
  5. Os proprietários e usufrutuários têm ainda os deveres de conservar e proteger o bem, de facilitar o acesso à informação necessária e de facilitar o acesso e usufruto físico do bem, nos casos em que não existam incompatibilidades.
  6. Os bens patrimoniais naturais e construídos são alvo de regulamentação específica, por parte de entidades responsáveis pela sua salvaguarda, designadamente medidas de estabelecimento de zonas de proteção e procedimentos específicos, relativos à intervenção nessas áreas, determinados pela tutela e delimitação zonas de proteção específica, em respeito pela defesa da qualidade ambiental e paisagística.
  7. As intervenções em monumentos, conjuntos e sítios são autorizadas por pareceres vinculativos das autoridades competentes tendo em conta o enquadramento paisagístico e regulamentar existente.
  8. Para efeitos do disposto no número anterior, a lei estabelece a orgânica e o modo de funcionamento dos organismos, existentes ou a criar, responsáveis e considerados necessários para o seu cumprimento.

Artigo 28.º

Paisagem

  1. Para a preservação da paisagem, como unidade ecológica, estética e visual, serão condicionados pela administração central, regional, ou local, a implantação de construções, infraestruturas viárias, novos aglomerados urbanos ou outras construções que, pela sua dimensão, volume, silhueta, cor ou localização, provoquem um impacto perturbante na paisagem preexistente, bem como a exploração de minas e pedreiras, evacuação e acumulação de resíduos e materiais usados e o corte maciço do arvoredo, nos termos de legislação específica.
  2. A ocupação marginal das infraestruturas viárias, fluviais, portuárias ou aeroportuárias, qualquer que seja o seu tipo, hierarquia ou localização, é objeto de regulamentação especial.
  3. Para uma política de gestão da paisagem, são instrumentos:
    1. A proteção e valorização das paisagens que, caracterizadas pelas atividades seculares do ser humano, pela sua diversidade, concentração e harmonia e pelo sistema sócio-cultural que criaram, se revelam importantes para a manutenção da pluralidade paisagística e cultural;
    2. A determinação de critérios múltiplos e dinâmicos que permitam definir prioridades de intervenção, quer no que respeita às áreas menos afetadas pela presença humana, quer àquelas em que a ação humana é mais determinante;
    3. Uma estratégia de desenvolvimento que empenha as populações na defesa desses valores, nomeadamente, e sempre que necessário, por intermédio de incentivos financeiros ou fiscais e de apoio técnico e social;
    4. O inventário e a avaliação dos tipos característicos de paisagem rural e urbana, comportando elementos abióticos, bióticos e culturais;
    5. A identificação e cartografia dos valores visuais e estéticos das paisagens naturais.

Artigo 29.º

Avaliação e proteção

  1. As políticas, planos, programas e outras decisões do Estado, com vista à promoção ou autorização de intervenções, são acompanhadas de análise prévia dos seus potenciais efeitos e riscos ambientais.
  2. Os âmbitos específicos de proteção e as ameaças específicas são explicitamente considerados, em todas as suas vertentes, nos estudos e avaliações ambientais, assim como na tomada de decisões públicas sobre intervenções físicas no território ou nas águas, nomeadamente:
    1. nos processos de avaliação de impacte ambiental e respetivos Estudos de Impacte Ambiental;
    2. nos Estudos de Incidências Ambientais;
    3. nos processos de declaração ambiental e noutras avaliações ambientais;
    4. na instrução dos processos de licenciamento;
    5. em processos de desafetação ou de alteração de condicionantes ao uso do solo;
    6. nas avaliações ambientais estratégicas de planos e programas;
    7. na instrução dos processos de declaração de interesse público;
    8. na instrução do processo de classificação de qualquer projeto como de "Potencial Interesse Nacional";
    9. nos processos de concessão, com ou sem concurso público.
  3. São obrigatoriamente emitidos e publicitados, gratuitamente relatórios, técnicos e resumos não técnicos dos elementos apurados e postos à consulta pública, em moldes a regulamentar por lei, antes da deliberação sobre o plano, programa, projeto ou ação.
  4. Excetuam-se as intervenções necessárias em situações de emergência, de reparação urgente ou de socorro.

Capítulo IV

Segurança, danos e riscos

Artigo 30.º

Danos e riscos por causas naturais ou provocadas

  1. Incumbe ao Estado prevenir e mitigar os danos no ambiente e os prejuízos pessoais devidos a causas naturais, a acidentes ou a ações de terceiros e, designadamente, a ações que alterem a vulnerabilidade, a magnitude, a exposição ou a distribuição dos danos.
  2. Para efeitos do número anterior, a prevenção e mitigação dos danos compreende a segurança em relação a danos incertos ou riscos.
  3. O Estado inventaria e caracteriza as situações de vulnerabilidade e de risco existentes e elabora planos de recuperação, redução da vulnerabilidade e mitigação dos danos, bem como programas operacionais de emergência nos casos de inevitabilidade dos riscos.
  4. O Estado garante a monitorização e fiscalização adequadas à minimização de danos e riscos e empreende as ações necessárias à cessação das situações irregulares.
  5. Legislação sectorial, designadamente, regulamentação técnica e de segurança de construção e de laboração bem como condicionantes dos instrumentos de ordenamento do território e outra regulamentação específica, impõe limitações às atividades humanas, à construção e ao uso dos solos, de acordo com as condicionantes naturais verificadas no terreno, nomeadamente em relação às ameaças específicas objeto do artigo seguinte.
  6. Os cidadãos colocados em situação de risco provocado ou afetados por acidente decorrido desse risco têm direito a compensação, nos termos da lei.
  7. A lei proíbe a realização de ações indutoras de risco ou danosas para terceiros, sempre que os instrumentos de análise prévia indiquem a impossibilidade de serem tomadas medidas de mitigação que permitam, com elevado grau de certeza e razoabilidade, prever a contenção do risco para níveis de segurança que garantam o bem-estar das populações, o equilíbrio ecológico, a conservação da natureza ou a preservação de valores naturais e construídos de relevante interesse científico, económico, social ou cultural.
  8. O Estado dispõe de um Fundo público de compensação para os danos materiais e humanos em caso de catástrofe natural, acionado sempre que o valor do prejuízo o justifique, nos termos de legislação própria.

Artigo 31.º

Ameaças específicas

A legislação complementar e o planeamento sectorial para efeitos de medidas especiais de mitigação, proteção e segurança de pessoas, bens, qualidade do ambiente, do território e dos recursos naturais em relação aos danos e riscos, incide sobre as seguintes ameaças específicas:

  1. Cheias, inundações e precipitações intensas;
  2. Sismos e maremotos;
  3. Vulcanismo;
  4. Seca e desertificação;
  5. Alterações locais, regionais ou globais às normais climáticas;
  6. Incêndios e fogos;
  7. Contaminação física;
  8. Contaminação química;
  9. Contaminação biológica;
  10. Ameaças pelas águas do mar;
  11. Instabilidade da costa ou de falésias;
  12. Anomalias na realimentação das praias ou das dunas;
  13. Tempestades e tornados;
  14. Erosão e deslizamentos;
  15. Rotura de estruturas naturais ou construídas;
  16. Disfunções, avarias e deficiências de instalações ou processos;
  17. Deficiências de estanquidade de reservatórios ou depósitos de matérias sólidas, líquidas ou gasosas;
  18. Meios, de génese natural ou antropogénica, favoráveis à proliferação de organismos patogénicos, geradores de substâncias tóxicas ou vetores de doenças;
  19. Alterações ou variações de génese antropogénica aos regimes de caudais, velocidades, níveis ou percursos das águas;
  20. Variações temporárias ou alterações, de génese natural ou antropogénica, às áreas inundáveis pelas águas costeiras ou interiores, incluindo as subterrâneas.

Artigo 32.º

Regulamentação de segurança

  1. As atividades ou construções passíveis de gerar implicações na qualidade do ambiente ou de criar riscos para os seus trabalhadores, infraestruturas ou para terceiros elaboram obrigatoriamente um regulamento de segurança e apresentam-no para homologação à autoridade pública competente antes do início da atividade ou da entrada em funcionamento da infraestrutura construída.
  2. A regulamentação de segurança obedece a um enquadramento legal próprio, definido de acordo com o sector de atividade e com as exigências, limitações e condicionantes imposta pela circunstância ambiental em que se insere a atividade ou construção.
  3. O Governo elaborará, no prazo de um ano após a aprovação deste diploma, a regulamentação de segurança em relação a cada uma das ameaças específicas referidas no artigo 31.º.

Artigo 33.º

Responsabilidade por danos, acidente ou risco e direito de compensação

  1. O proprietário, promotor ou concessionário de ação ou atividade que provoque acidente ou potencie risco de acidente, é responsável pelas consequências geradas pelo acidente ou pela geração do risco, ainda que sem concretização de acidente, e é obrigado a compensar os cidadãos afetados, a reparar os danos ambientais e a cessar a atuação geradora ou potenciadora de risco.
  2. Os prejuízos para terceiros, os acidentes ou danos ambientais que decorram de atividade ou construção licenciada, por ausência de cumprimento pela entidade promotora ou proprietária das obrigações decorrentes dos termos do licenciamento, da Declaração de Impacte Ambiental ou da legislação sectorial aplicável, são da responsabilidade exclusiva dessa entidade.
  3. O Estado é corresponsável pelos prejuízos para terceiros dos acidentes ou danos ambientais que decorram de atividade ou construção licenciada, concessionada ou autorizada, por ausência da identificação de riscos ou de medidas de mitigação ou adaptação e minimização dos impactos,
  4. A declaração de interesse público de qualquer projeto, atividade ou ação é precedida de processo de impacte ambiental incluindo consulta pública e instrução com todas as peças e apreciações aplicáveis por lei à tipologia do empreendimento e condicionantes de localização, bem como a clara identificação de danos e riscos e uma Declaração da Aceitabilidade dos Riscos emitida pelo membro do Governo com competências na área do ambiente.
  5. Excetuam-se do estipulado no ponto anterior as ações de socorro ou mitigação de emergência.
  6. O licenciamento, concessão, autorização ou declaração de interesse público da atividade ou ato não isenta o seu proprietário, concessionário ou autor, das responsabilidades relativamente a terceiros e ao ambiente e, nomeadamente, das indemnizações e recuperações devidas, bem como responsabilidade civil pelos danos e riscos, competindo-lhe a reposição das condições originais ou a indemnização a terceiros por danos, prejuízos, aumento ou geração de novos riscos tendo o direito de processar o Estado ou as entidades públicas licenciadoras para ressarcimento dos prejuízos próprios decorrentes.
  7. O aumento ou geração de novos riscos que resultem do licenciamento de uma atividade, construção ou ação é identificado pelas entidades licenciadoras e emissoras da Declaração de Impacte Ambiental, sendo equiparado a prejuízo para todos os efeitos.

Artigo 34.º

Direito ao conhecimento do risco

  1. Os cidadãos têm direito a aceder a todos os estudos de análise prévia, bem como aos resultados de análises e avaliações de risco efetuadas a cada atividade ou construção.
  2. É da responsabilidade do Estado, em articulação com as autarquias, a criação e preparação de respostas céleres, no âmbito da intervenção ambiental ou proteção civil, em função dos riscos identificados.

Artigo 35.º

Mitigação e adaptação

  1. Os instrumentos de análise prévia e a declaração de impacte ambiental devem conter as indicações necessárias para a mitigação dos impactes negativos identificados.
  2. O cumprimento das obrigações previstas no número anterior é condição para o licenciamento e funcionamento da atividade ou construção em causa.
  3. Os instrumentos de análise prévia, bem como a declaração de impacte ambiental devem conter indicações sobre as medidas de adaptação do projeto de atividade ou construção sob avaliação, sendo o seu cumprimento condição para o licenciamento e execução.

Artigo 36.º

Declaração de zona crítica ou situação de emergência

  1. O Governo declarará como zonas críticas todas aquelas em que os parâmetros que permitem avaliar a qualidade do ambiente atinjam, ou se preveja virem a atingir, valores que possam pôr em causa a saúde humana ou o ambiente, ficando sujeitas a medidas especiais e ações a estabelecer pelo departamento encarregado da proteção civil em conjugação com as demais autoridades da administração central e local.
  2. Quando os índices de poluição, em determinada área, ultrapassarem os valores admitidos pela legislação regulamentar correspondente, ou por qualquer forma, colocarem em perigo a qualidade do ambiente, poderá ser declarada a situação de emergência, devendo ser previstas atuações específicas, administrativas ou técnicas, para lhes fazer face, por parte da administração central e local, acompanhadas do esclarecimento da população afetada.
  3. Serão aplicadas as medidas imediatas necessárias para socorrer a casos de acidente sempre que estes provoquem aumentos bruscos e significativos dos índices de poluição ou que, pela sua natureza, façam prever a possibilidade dessa ocorrência.

Artigo 37.º

Segurança ambiental

  1. A presente lei é regulamentada por legislação própria no que toca aos acréscimos de responsabilidade por imputação de riscos ou danos.
  2. Até à publicação da legislação regulamentar, os acréscimos de responsabilidade por imputação de riscos ou danos não são aplicáveis a construções, movimentos de terras ou equipamentos fixos já existentes e em condições legais à data de aprovação do presente diploma.

Capítulo V

Contenção da contaminação do ambiente e da exaustão dos recursos naturais

Artigo 38ª

Abordagem integrada dos impactos do sistema produtivo

  1. A política de ambiente compatibiliza a melhoria de qualidade de vida da população e o desenvolvimento do sistema produtivo nacional com a contenção da contaminação e da exaustão dos recursos naturais, visando simultaneamente:
    1. A redução de emissões poluentes, de resíduos e de desperdício;
    2. O controlo e proteção da qualidade física, química, biológica e ecológica do meio ambiente;
    3. A contenção da exploração dos recursos naturais dentro dos limites de renovação.
  2. A intervenção do Estado na adaptação ambiental do sistema produtivo e de consumo, privilegia a maior utilidade dos bens e produtos para o bem-estar e qualidade de vida da população e combate os danos ambientais, ponderando, nomeadamente:
    1. a necessidade e utilidade do bem ou produto, a acessibilidade e extensão da sua utilização, a importância objetiva e subjetiva para a qualidade de vida da população;
    2. a incorporação de materiais e a degradação de energia, bem como as emissões e resíduos no ciclo completo de vida do bem ou produto, nomeadamente a produção, a embalagem, o transporte, a importação, a comercialização, a fruição, o consumo, a duração útil, recolha, transporte, processamento e deposição final dos materiais sobrantes ou residuais;
    3. as matérias primas consumidas, transformadas ou degradadas em relação com a sua taxa de renovação na natureza e com a taxa de consumo global, distinguindo os impactos em território nacional, nomeadamente na degradação ou risco de exaustão dos recursos naturais;
    4. o tipo e quantidade de emissões e resíduos, respetiva perigosidade, riscos ambientais associados e efeitos nos meios recetores, distinguindo os meios no território nacional e considerando o seu estado e capacidade de depuração disponível;
    5. a viabilidade de otimizar a relação utilidade-impactos por eliminação ou substituição de componentes ou fases do processo, com ênfase para os desperdícios, o transporte, as embalagens, a obsolescência precoce e a curta durabilidade de bens não consumíveis;
    6. a substituibilidade do bem ou produto por outro com melhor relação utilidade-impactos;
    7. a viabilidade de soluções de produção de proximidade, de manutenção, de reutilização e de reconversão dos bens ou produtos não consumíveis, das embalagens e dos resíduos sólidos não biodegradáveis;
    8. os efeitos das intervenções no sistema produtivo nacional, na cadeia produtiva e no emprego;
    9. a contenção e redução dos custos ao consumidor ou utilizador final, a equidade social e o combate à pobreza.
  3. Os normativos, medidas e intervenções de contenção e redução dos impactos negativos do sistema de produção e utilização ou consumo não podem, em caso algum, provocar, direta ou indiretamente, discriminação negativa da produção nacional face à importação.
  4. O Estado publicita e promove a notícia rigorosa e completa aos consumidores sobre os impactos dos ciclos de vida dos produtos, em padrões idênticos para bens semelhantes, de forma a facultar a possibilidade de escolha informada.
  5. O Estado desenvolve um Sistema Específico de Informação ao Público sobre Produtos e Serviços que evidencie os respetivos impactes no âmbito das alterações climáticas, nomeadamente quanto às emissões de Gases com Efeito de Estufa associados às diferentes atividades, indicando, no caso específico de bens de consumo, as emissões relacionadas com o seu transporte em cada modo, bem como a respetiva distância média de percurso entre a origem e o destino.
  6. São monitorizados e publicitados os efeitos no ambiente e recursos naturais, na qualidade de vida, no sistema produtivo nacional e nos preços ao consumidor, das normas, medidas e intervenções no âmbito da contenção da contaminação do ambiente e da exaustão dos recursos naturais.

Artigo 39.º

Poluição química, resíduos e águas residuais

  1. No âmbito da abordagem integrada de contenção da contaminação do ambiente e da exaustão dos recursos naturais, são aplicadas medidas específicas de controlo e redução da poluição, que incluem:
    1. O estímulo à aplicação de tecnologias menos poluentes;
    2. A avaliação sistemática dos efeitos potenciais dos agentes químicos sobre o homem e sobre o ambiente;
    3. O controlo do fabrico, comercialização, utilização e eliminação dos agentes químicos;
    4. A aplicação de técnicas e metodologias preventivas orientadas para a reciclagem e reutilização de matérias-primas e produtos químicos;
    5. O controlo e inventariação da produção nacional, importação e exportação de reagentes passíveis de constituir ou integrar arma química ou agente nocivo para a saúde e bem-estar públicos, bem como para o ambiente e os recursos naturais;
    6. O funcionamento de estruturas laboratoriais públicas que realizem ensaios destinados ao estudo dos impactos ambientais dos agentes químicos;
    7. A obrigatoriedade de avaliação dos impactos e riscos decorrentes da utilização ou deposição de agentes químicos, antes da sua comercialização, por parte dos seus produtores industriais;
    8. Estabelecimento de normas e mecanismos adequados de fiscalização para os níveis máximos admitidos para a presença de diferentes agentes químicos, elementos ou compostos, na água, no solo e subsolo, no ar, nos seres vivos e na cadeia trófica do ser humano.
    9. A redução da produção e da importação de produtos inúteis, com ênfase nas embalagens, rótulos, tintas ou solventes, que não sejam imprescindíveis para a individualização ou manutenção do produto final ao consumidor;
    10. A hierarquização dos processos, considerando como primeira prioridade a reciclagem do resíduo, como segunda prioridade a reutilização e como última prioridade a sua eliminação, ainda que dessa resulte produção energética;
    11. Reencaminhamento de todos os materiais reutilizáveis ou recicláveis para o tratamento adequado após o seu tempo de vida útil.
    12. Estímulo ao aproveitamento dos desperdícios agropecuários;
    13. A reciclagem, incentivando o encaminhamento de todos os resíduos para processos de reconversão em matérias-primas;
    14. A reutilização, incentivando a utilização, ainda que em função e atividade distinta, do resíduo ou efluente, considerando como última opção a eliminação ou valorização energética.
    15. A aplicação de instrumentos fiscais e financeiros que incentivem a reciclagem e a reutilização de resíduos;
    16. A responsabilização do produtor ou importador e do distribuidor pela redução, reciclagem, reutilização e tratamento dos resíduos.
  2. A produção de efluentes implica o processamento e destino final adequado das fases sólida e líquida, com controlo por autoridade pública competente e de acordo com uma estratégia nacional de efluentes.
  3. É da responsabilidade do Estado, em articulação e cooperação com as autarquias, assegurar uma rede pública de saneamento de águas residuais e tratamento e recolha de resíduos sólidos urbanos que garanta a universalidade do acesso e a sanidade ambiental.

Artigo 40.º

Substâncias radioativas e controlo da radioatividade

  1. O Estado dispõe de entidade laboratorial capacitada para a realização de ensaios e estudos científicos que contribuam para a prossecução de uma política de controlo de poluição radioativa e de gestão de substâncias radioativas, nomeadamente no âmbito da investigação em tecnologias nucleares ou extração de minério.
  2. O controlo da poluição originada por substâncias radioativas tem por finalidade eliminar a sua influência na saúde e bem-estar das populações e no ambiente e faz-se, designadamente, através:
    1. Da avaliação dos efeitos das substâncias radioativas nos ecossistemas recetores;
    2. Da fixação de normas de emissão para os efluentes físicos e químicos radioativos resultantes de atividades que impliquem extração, transporte, transformação, utilização ou armazenamento de material radioativo;
    3. Do planeamento das medidas preventivas necessárias para a atuação imediata em caso de poluição radioativa;
    4. Da avaliação e controlo dos efeitos da poluição transfronteiriça e atuação técnica e diplomática internacional que permita a sua prevenção;
    5. Da fixação de normas para o trânsito, transferência e deposição de materiais radioativos no território nacional e nas águas marítimas territoriais e na zona económica exclusiva.

Capítulo VI

Competência do Governo e organismos responsáveis

Artigo 41.º

Competência do Governo e da Administração Regional e Local

  1. Compete ao Governo, de acordo com a presente lei de bases, a condução de uma política global nos domínios do ambiente, da qualidade de vida e do ordenamento do território, bem como a coordenação das políticas de ordenamento regional do território e desenvolvimento económico e progresso social e ainda a adoção de medidas adequadas à aplicação dos instrumentos previstos na presente lei.
  2. O Governo e a administração regional e local articulam entre si a aplicação das medidas necessárias à prossecução dos fins previstos na presente lei, no âmbito das respetivas competências.
  3. O Governo garante, através de uma agência pública e em articulação com as administrações regional e local, a realização de processos de avaliação de impacte ambiental que implica a elaboração do estudo de impacte ambiental, a participação e conhecimento públicos e a consequente declaração de impacte ambiental, nos termos de legislação própria.
  4. O Governo garante, através de uma agência pública, a realização dos estudos de impacte ambiental das atividades ou construções que deles careçam, cujos custos são assumidos pela entidade proprietária ou requerente da autorização e licenciamento ambiental, nos termos de legislação própria.
  5. O Governo garante, através de uma agência pública, a emissão de declaração de impacte ambiental, determinante para o licenciamento ou não licenciamento de cada atividade ou construção, nos termos de legislação própria.

Artigo 42.º

Organismos responsáveis

  1. A entidade ou as entidades públicas competentes do Estado responsável pela coordenação da aplicação da presente lei tem por missão central promover, coordenar, apoiar e participar na execução da política nacional do ambiente e qualidade de vida constante deste diploma e a concretizar pelo Governo, em estreita colaboração com os diferentes serviços da administração central, regional e local.
  2. A nível de cada região administrativa existem organismos dependentes da administração regional, responsáveis pela coordenação e aplicação da presente lei, em termos análogos aos do organismo referido no número anterior e em colaboração com este, sem prejuízo de poderem existir organismos similares a nível municipal.

Capítulo VII

Direitos e deveres dos cidadãos

Artigo 43.º

Direitos e deveres dos cidadãos

  1. É dever dos cidadãos, em geral, e dos sectores públicos, privado e cooperativo, em particular, colaborar na criação de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e na melhoria progressiva e acelerada da qualidade de vida.
  2. Às iniciativas populares no domínio da melhoria do ambiente e da qualidade de vida, quer surjam espontaneamente, quer correspondam a um apelo da administração central, regional ou local, deve ser dispensada proteção adequada, através dos meios necessários à prossecução dos objetivos do regime previsto na presente lei.
  3. O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público, em especial as autarquias, fomentarão a participação das populações em iniciativas de interesse para a prossecução dos fins previstos na presente lei, nomeadamente as associações nacionais ou locais de defesa do ambiente, do património natural e construído e de defesa do consumidor.
  4. Os cidadãos diretamente ameaçados ou lesados no seu direito a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado podem pedir, nos termos gerais de direito, a cessação das causas de violência e a respetiva indemnização.
  5. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é reconhecido às autarquias, às organizações de defesa do ambiente e aos cidadãos que sejam afetados pelo exercício de atividades suscetíveis de prejudicarem a utilização dos recursos do ambiente o direito às compensações por parte das entidades responsáveis pelos prejuízos causados.

Artigo 44.º

Responsabilidade objetiva

  1. Existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos no ambiente, em virtude de ação perigosa, ainda que em respeito pela legislação aplicável.
  2. O quantitativo de indemnização a fixar por danos causados no ambiente será estabelecido em legislação complementar.

Artigo 45.º

Embargos administrativos

Aqueles que se julguem ofendidos nos seus direitos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado poderão requerer que seja mandada suspender imediatamente a atividade causadora do dano, seguindo-se, para tal efeito, o processo de embargo administrativo.

Artigo 46.º

Seguro de responsabilidade civil

Aqueles que exerçam atividades que envolvam alto grau de risco para o ambiente e como tal venham a ser classificados serão obrigados a segurar a sua responsabilidade civil.

Artigo 47.º

Direito a uma justiça acessível e pronta

  1. É assegurado aos cidadãos o direito ao apoio judiciário, nomeadamente através da isenção de pagamento de taxa de justiça e custas judiciais, nos processos em que pretendam obter reparação de perdas e danos emergentes de factos ilícitos que violem regras constantes da presente lei e dos diplomas que a regulamentem, desde que o valor da causa não exceda o da alçada do Tribunal da Relação.
  2. Os processos contra o mesmo arguido relativos a infrações em violação da presente lei, não serão apensados salvo se requerido pelo Ministério Público.

Capítulo VIII

Penalizações

Artigo 48.º

Tribunal competente

  1. São competentes para as ações decorrentes da violação da presente lei e respetiva regulamentação os tribunais comuns, territorialmente competentes em função do dano causado ou da residência do denunciante.
  2. Sem prejuízo da legitimidade de quem se sinta ameaçado ou tenha sido lesado nos seus direitos, à atuação perante a jurisdição competente do correspondente direito à cessação da conduta ameaçadora ou lesiva e à indemnização pelos danos que dela possam ter resultado, ao abrigo do disposto no capítulo anterior, também ao Ministério Público compete a defesa dos valores protegidos pela presente lei, nomeadamente através da utilização dos mecanismos nela previstos.
  3. É igualmente reconhecido a qualquer pessoa, independentemente de ter interesse pessoal na demanda, bem como às associações e fundações defensoras dos interesses em causa e às autarquias locais, o direito de propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa dos valores protegidos pela presente lei.

Artigo 49.º

Crimes contra o ambiente

Sem prejuízo dos crimes previstos e punidos no Código Penal, serão ainda considerados crimes as infrações que a legislação complementar qualificar como tal, de acordo com o disposto na presente lei.

Artigo 50.º

Contraordenações

  1. As infrações à presente lei não qualificadas como crime, serão consideradas puníveis com coima, em termos a definir por legislação complementar, compatibilizando os vários níveis da Administração em função da gravidade da infração.
  2. Se a mesma conduta constituir simultaneamente crime e contraordenação, será o infrator punido a título de crime, sem prejuízo das sanções acessórias previstas para a contraordenação.
  3. Em função da gravidade da contraordenação e da culpa do agente, poderão ainda ser aplicadas as seguintes sanções acessórias:
    1. Interdição do exercício de uma profissão ou atividade;
    2. Privação do direito de subsídio outorgado por entidades ou serviços públicos;
    3. Cessação de licenças ou autorizações relacionadas com o exercício da respetiva atividade;
    4. Apreensão e perda a favor do Estado dos objetos utilizados ou produzidos aquando da infração;
    5. Perda de benefícios fiscais, de benefícios de crédito e de linhas de financiamento de estabelecimentos de crédito de que haja usufruído.
  4. A negligência e a tentativa são puníveis.

Artigo 51.º

Obrigatoriedade de remoção das causas da infração e da reconstituição da situação anterior

  1. Os infratores são obrigados a remover as causas da infração e a repor a situação anterior à mesma ou equivalente, salvo o disposto no n.º 3.
  2. Se os infratores não cumprirem as obrigações acima referidas no prazo que lhes for indicado, as entidades competentes mandarão proceder às demolições, obras e trabalhos necessários à reposição da situação anterior à infração a expensas dos infratores.
  3. Em caso de não ser possível a reposição da situação anterior à infração, os infratores ficam obrigados ao pagamento de uma indemnização especial a definir por legislação e à realização das obras necessárias à minimização das consequências provocadas.

Capítulo IX

Disposições finais e transitórias

Artigo 52.º

Relatório sobre cumprimento de políticas ambientais

  1. O Governo fica obrigado a apresentar à Assembleia da República, juntamente com as Grandes Opções do Plano de cada ano, um relatório sobre o cumprimento da legislação ambiental, referindo, designadamente, o número de processos criminais em curso e o montante de contraordenações instaurado e efetivamente cobrado em Portugal, referente ao ano anterior.
  2. O Governo fica obrigado a apresentar à Assembleia da República, de três em três anos, um relatório sobre o estado do ambiente, investimento e grau de execução das políticas ambientais em Portugal.

Artigo 53.º

Acordos e convenções internacionais

A regulamentação da presente lei e toda a legislação especial em matéria ambiental tem em conta as convenções e acordos internacionais aceites e ratificados por Portugal neste âmbito, assim como as normas e critérios aprovados bilateralmente ou multilateralmente entre Portugal e outros países.

Artigo 54.º

Legislação complementar

Os diplomas legais necessários à regulamentação do disposto na presente lei são publicados no prazo de um ano a partir da data da sua entrada em vigor.

Artigo 55.º

Norma revogatória

É revogada a Lei n.º 19/2014, de 14 de abril.

  • Ambiente
  • Projectos de Lei
  • Acção Climática