Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, Encontro com reformados, pensionistas e idosos «Envelhecimento com qualidade de vida»

Envelhecimento com qualidade de vida

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Gostaria de começar por saudar este encontro e valorizar a sua actualidade e importância. Envelhecimento com qualidade de vida deve ser sempre, mas sempre, uma preocupação central de todos quantos lutam por uma sociedade melhor, mais justa e de progresso social.

Esta tem que ser uma preocupação de todos, dos que, naturalmente, estão hoje na reforma mas também daqueles que a cada ano que passa para lá caminham.

Em 2022 assistimos à maior subida de preços de bens e serviços essenciais dos últimos 30 anos e que se reflecte agora, neste mês de Janeiro, numa inflação que se fixou nos 8,1%.

Se é verdade que os reformados e pensionistas abrangidos pelo Sistema Público de Segurança Social e pela Caixa Geral de Aposentações viram as suas pensões actualizadas, não é menos verdade que estas actualizações ficaram muito aquém do que legalmente deveria ter sido e muito longe do objectivo de reposição do poder de compra.

Senão vejamos: o valor de actualização das pensões situa-se entre os 4,38% e os 3,89%, a inflação registada em 2022 foi de 8,1%, ora, como dizia o outro, é só fazer as contas.

E contas feitas o resultado é simples e cruel: para lá da propaganda do Governo, estamos confrontados com cortes na ordem dos 3%, ou seja para lá da tareia no ano 2022 este novo ano arranca com um novo rombo nas pensões, ao qual acrescem novos assaltos pela via dos aumentos generalizados de bens e serviços essenciais. 

A operação propagandista do Governo de não aplicação da fórmula por si anteriormente definida, corta pensões e reformas hoje, prepara o corte para 2024 e cria condições para cortes permanentes. Um corte das pensões que atinge todos os reformados: os que têm as pensões mais baixas, mas também muitos outros que trabalharam uma vida, fizeram os seus descontos e não é aceitável que vejam as suas reformas e pensões degradadas.

Hoje está colocada a questão da justa reposição do poder de compra, mas além disso, para uma grande parte dos reformados e pensionistas, está colocada a questão das condições materiais para viver.

No limite, o Governo decidiu que as reformas até 960 euros têm um aumento de 4,38%, mas o problema é que estas reformas e pensões são a imensa maioria, e é preciso lembrar e nunca esquecer que a média do valor das pensões é de cerca de 400 euros.

São estes valores que têm de dar resposta aos 53% de aumento do arroz, aos 20,6% de aumento no pão e nos cereais, aos 29,6% de aumento nos lacticínios, aos 21% de aumento da carne, aos 17% nos congelados, aos 18% no peixe, e por aí fora.

Juntem-se estes aumentos ao processo em curso de desmantelamento de serviços públicos como o SNS e vejam-se as consequências para todos, nomeadamente para os reformados e pensionistas.

Estamos confrontados com um profundo agravamento das situações de pobreza de milhares de reformados com pensões muito baixas, a quem lhes é negado o direito a um nível de rendimento que lhes permita uma alimentação cuidada, o pagamento das despesas essenciais como a habitação, a electricidade ou o gás.

Gente que trabalhou uma vida inteira, que merece viver o resto dos seus dias com dignidade, com qualidade de vida e, não menos importante, gente que merece respeito.

Gente que, para lá dos problemas que enfrenta e face à actual situação, é o ponto de apoio financeiro a filhos e netos, também eles confrontados com a perda de poder de compra dos seus salários, face à carestia de vida, o aumento das taxas de juro dos empréstimos para habitação ou com as acrescidas despesas de educação dos netos.

O que estamos hoje aqui a tratar não é apenas, como se isso por si só fosse pouco, da situação dos reformados e pensionistas, estamos aqui a tratar de uma visão e de um projecto de sociedade, da forma como se olha e age no presente e para aqueles que trabalharam um vida inteira.

Valorizar as reformas e pensões é uma forma, diria obrigatória, de elevar a qualidade de vida, mas para garantir o direito a um envelhecimento com qualidade é preciso que os trabalhadores de hoje tenham direitos, horários dignos, salários mais elevados e estabilidade.

Para garantir o direito a um envelhecimento com qualidade é preciso afrontar os golpes sucessivos ao sistema público e solidário da Segurança Social.

Debaixo das lágrimas de crocodilo, para lá da suposta preocupação com a sustentabilidade da Segurança Social, o que estão é a olhar para o dinheiro que existe para ver como lhe põem a mão, o que procuram é que o dinheiro que há-de vir seja transferido, não para o sistema contributivo e redistributivo, mas sim para os bolsos dos grandes interesses.

O resto, o resto é conversa.

O dinheiro da Segurança Social é dinheiro do Trabalho, não é do Capital.

A luta do PCP pela valorização anual das pensões com reposição do seu poder de compra não é de hoje. Os aumentos extraordinários que se concretizaram para os reformados com pensões mais baixas, de 2016 até aqui, foram, para além da luta, resultado da determinação do PCP, que em todas as instâncias aproveitou uma correlação de forças que obrigou o PS a concretizar o que não queria.

Fica hoje muito claro de que constrangimentos o PS se queria libertar quando chantageou o PCP a aprovar um orçamento que servia de antecâmara para o que se veio a concretizar nos orçamentos seguintes.

Fica hoje muito claro que, como alertámos na altura, era necessária uma mudança de política, porque os problemas que não se resolvem, pioram. Aí está a realidade, infelizmente mas sem surpresa, a dar-nos razão.

A chantagem e o medo deram frutos ao PS, que conquistou a maioria absoluta. 

Em Junho de 2022, António Costa prometeu aumentos históricos para 2023, que se traduziram numa miragem perante a decisão de suspender a aplicação da lei no único ano em que permitiria aumentos, quando ao longo de 15 anos constituiu um instrumento de travão à valorização anual de todas as pensões.

Ainda há espaço e tempo para o PS arrepiar caminho, mesmo depois de rejeitar as propostas do PCP de aumento das pensões de 8% com um aumento mínimo de 50 euros.

Ainda há espaço e tempo para minorar a perda de poder de compra que se faz sentir, entre os reformados e os trabalhadores. 

Um  caminho que não se faz com apoios pontuais, seja a meia pensão paga em Outubro passado aos reformados, os 125 euros aos trabalhadores ou os 240 euros às famílias mais vulneráveis que têm tarifa social.

Naturalmente que eles ajudaram quem os recebeu e na altura em que receberam.

Mas o problema é que a falta de dinheiro disponível não se faz sentir de forma pontual, o problema é que os aumentos dos bens e serviços não surgem de quando em vez, este é um problema de todos os dias e que está profundamente ligado às baixas pensões e reformas e aos baixos salários.

Por outro lado estes apoios pontuais mascaram mas não resolvem a brutal injustiça na distribuição da riqueza, uma injustiça que se expressa na brutalidade dos lucros dos grandes grupos económicos e emergência social com que se confrontam milhões de trabalhadores e reformados.

O caminho de uma mais justa repartição do rendimento nacional tem de ser feito através do aumento geral dos salários, mas igualmente pela valorização das reformas e das prestações sociais, fazendo cumprir o papel do Sistema Público de Segurança Social, enquanto instrumento de mais e melhores prestações sociais.

A reposição do poder de compra tem de ser feita, também, pelo controle dos preços dos bens e serviços essenciais, que hoje mais uma vez levamos à discussão na Assembleia da República.

Mais uma vez, porque da última vez que propusemos controlar os preços dos bens alimentares, PS, PSD, Chega e IL, ali estiveram, bem unidos, a votar contra.

Votaram assim não apenas contra o controle e fixação de preços, votaram a favor da manutenção da especulação dos preços, essa mesma especulação que eleva os lucros das grandes distribuidoras a níveis nunca antes vistos.

Foi isto que fizeram, colocaram-se mais uma vez contra os trabalhadores e o povo, e puseram-se mais uma vez ao serviço dos grandes grupos económicos.

Amanhã saberemos nas votações na Assembleia da República como optam desta vez.

Que bom que é ter casos e casinhos para poder elevar o tom de voz e forjar a oposição a um Governo com o qual, no essencial, se concorda. 

Nós condenamos os procedimentos e práticas que servem os interesses do grande capital e os seus objectivos, denunciamos todos os que se envolvem nesses escândalos e ao mesmo tempo agimos para que os problemas essenciais que atingem os reformados e pensionistas, os trabalhadores, as novas gerações, o País, não sejam escondidos nem desvalorizados.

O País enfrenta um problema complexo e estrutural de défice demográfico, o que significa que a população está a envelhecer.

Perante esta realidade só há três coisas a fazer. Primeiro enfrentar de frente o problema e definir um rumo político que o resolva, segundo tomar medidas para que os pais ou quem deseje ter filhos tenham as condições para o poder fazer, desde logo através de aumento de salários, estabilidade, horários regulados, creches gratuitas, reforço e alargamento do abono, entre outras medidas, e, em terceiro lugar, olhar para os milhares de reformados e pensionistas, não como uma camada que atrapalha, mas sim como gente que nos ajudou e ajuda a chegar até aqui, como gente válida, com saber e com experiência, como gente capaz de continuar a dar o seu contributo para fazer o País avançar.

Gente que, como já dissemos e não cansamos de repetir, merece respeito, merece qualidade de vida, devemos-lhe isso tudo.

O envelhecimento da população portuguesa não pode continuar a ser pretexto para impedir que os trabalhadores possam aceder à reforma, sem penalizações, independentemente da idade quando atingem 40 ou mais anos de descontos para a Segurança Social.

Ou para impedir o direito à reforma aos 65 anos, com o argumento de que aumentou o número de anos em que se está reformado.

E, neste domínio, não deixa de ser um paradoxo que em 2023 a idade de reforma seja fixada em 66 anos e 4 meses o que acontece pela primeira vez, devido à diminuição da esperança de vida, por sua vez derivada do aumento da mortalidade.

À nossa proposta de 40 anos de descontos corresponder uma reforma sem penalizações, como votaram PS, PSD e IL? Contra, porque no que é essencial, no que contribui para o progresso social, para a melhoria de vida, aí estão eles prontos a darem as mãos, aí estão eles a concordarem na rejeição.

Ora votando contra, ora se abstendo, ora todos juntos, ora à vez, vemos bem quem de que lado está. Seja na recusa de soluções que melhorem a vida dos trabalhadores e do povo, seja na defesa dos lucros que enchem os bolsos à minoria que se aproveita da especulação e da exploração.

Como se vê, são de facto muitos os problemas com que estamos confrontados. Mas  por muita que a preocupação seja, ela não é maior que a confiança.

Não uma confiança vazia, dita da boca para fora, quiçá para motivar simplesmente. Uma confiança que se reflecte nas potencialidades do momento que vivemos. Uma confiança que se reflecte nas estruturas existentes de reformados e nos múltiplos momentos e acções de luta.

Há muitos passos a dar, muitas dificuldades e limitações a ultrapassar. Mas este é um caminho que é necessário prosseguir.

O direito a envelhecer com direitos para os reformados de hoje e para os do futuro é um avanço civilizacional pelo qual continuaremos a lutar.

Ele é um compromisso que integra a política patriótica e de esquerda indissociável de um Portugal soberano, mais justo e solidário para com todas as gerações de trabalhadores.

E se há ensinamento com o qual hoje daqui saímos, é que é também com a luta dos mais velhos que se garante o presente e o futuro dos mais novos.

E àqueles que lutaram uma vida inteira lhes dizemos com profundo respeito, obrigado por todo o esforço mas o vosso papel não acabou. São necessários, são indispensáveis nas lutas de hoje e de amanhã, por vocês, pelos vossos filhos, pelos vossos netos, pelo País que queremos e que vamos construir.

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