Intervenção de Violeta Gregório, 2.º Encontro Nacional do PCP sobre Cultura

Ensino Artístico

Camaradas,

É com este momento que fica tão claro não só o entendimento que o nosso partido tem do papel da arte e da cultura enquanto pilares basilares de uma sociedade e de um povo, especialmente do nosso, que conquistou Abril também através delas, que fez da sua expressão uma forma de resistência e a ergueu tão alto; como fica claro também o compromisso que afirmamos diariamente com a luta para efetivar este entendimento na construção da sociedade com que sonhamos, combatendo as ideias que a direita e os seus sucessivos governos tentam implementar de que a arte e a cultura são bens adquiríveis, luxos restringíveis, meios lucrativos, apenas entretenimento – concessões que procuram elitizar a sua participação, criação, fruição e formação e desassociá-la dos trabalhadores e da juventude

No entanto, a vontade popular demonstra a incompatibilidade com esta concessão, dado que continuamos a ver jovens a procurar o ensino artístico e uma formação que lhes permita trabalhar na área da cultura e das artes, jovens que procuram poder viver plenamente da sua criação e expressão artística. Da sua vocação. Do que gostam de fazer. 

Dito isto, esta incompatibilidade é também provada na relação profundamente assimétrica entre o número de jovens que procuram o ensino artístico, os que de facto o frequentam, e os que conseguem construir a sua vida numa profissão no quadro das suas aspirações e formações.

É através das décadas de desinvestimento e subfinanciamento crónicos, de desresponsabilização pública que entrega as escolas artísticas dos diferentes níveis de ensino ao domínio privado, que nos deparamos com a sua situação degradante. E é face a ela que tantos estudantes por todo o país encontram na luta a resposta aos seus problemas.

No ensino secundário verificamos a profunda escassez de uma oferta de formação plural das diversas áreas, que seja pública, acessível e democrática;

Seja nas artes visuais, onde há apenas duas escolas de formação artística especializada, localizadas nos dois grandes polos urbanos: a Escola Artística Soares dos Reis no Porto e a Escola Artística António Arroio em Lisboa, ambas com problemas antigos que os estudantes lutam para combater, realçando as lutas dos estudantes da Escola Artística Soares dos Reis contra o despedimento de funcionários, de maior expressão neste dia nacional do estudante, ou da EAAA pela abertura de uma cantina digna e espaço para estar na escola.

Esta polarização contribui para a limitação do acesso a uma formação artística digna, que vãmente se tenta colmatar através da introdução de cursos artísticos em escolas secundárias, sem que lhes sejam fornecidos os recursos materiais e humanos para garantir a qualidade da formação, quanto mais equipará-la. 

Também na formação para as artes performativas verificamos uma situação semelhante. Raras são as escolas de ensino integrado e os conservatórios públicos para música, dança ou teatro. As duas últimas tornam-se cada vez mais residuais e são maioritariamente do domínio privado, havendo apenas uma instituição publica com este fim para a dança – a Escola Artística de Dança do Conservatório Nacional, onde recentemente os estudantes se organizaram e criaram a Associação de Estudantes que lhes é direito - e a oferta de formação pública em teatro ou artes circenses ser nula, e profundamente precária nas opções privadas que são fornecidas, onde o financiamento é reduzido ao ponto de pôr em causa a segurança dos alunos, como é o caso na Escola de Circo do Chapitô, onde o pano para as práticas da profissão não é renovado há 15 anos.

 Já na música, ainda que seja a área que predomina esta rede de ensino, as opções são similarmente inacessíveis e, muitas vezes, onde há uma estrutura que se propõe a garantir este ensino, não há professores que correspondam às necessidades, nem recursos materiais que tornem democrática a sua frequência.

No Ensino Profissional, onde encontramos a maioria das opções de formação em teatro, a par dos vários problemas gerais deste modo de ensino, vemos as escolas artísticas num modo de sobrevivência arcaico, através do mecenato, normalmente recorrendo a bancos ou empresas, resultado também da inexistência de uma rede publica de ensino profissional e ensino profissional artístico, proposta antiga do PCP. Esta é uma opção de classe assumida por sucessivos governos que definiu e define este modo de ensino, e são os seus impactos que levam também estes estudantes à luta, como foi no dia 24 de março na Academia Contemporânea do Espectáculo, no Porto, onde os estudantes se concentraram à porta da sua escola a reivindicar a valorização do ensino profissional artístico.

Também no ensino superior encontramos sinais inequívocos do abandono a que se vota o ensino artístico.

Para além dos problemas gerais do Ensino superior, como as propinas limitadoras ou o processo de Bolonha, assistimos também a um processo de financiamento quase hierárquico, através do qual são repetidamente descuradas as instituições de ensino artístico e empoladas outras que se dedicam a áreas do saber claramente tidas por mais úteis ou importantes. Esta situação assume um carácter ainda mais preocupante quando percebemos que a maioria das escolas artísticas, nomeadamente nas áreas performativas, estão integradas nos institutos politécnicos, pelo que às dificuldades já existentes se soma ainda o subfinanciamento crónico deste sistema de ensino.

Todos estes factores contribuem para que as instituições de ensino artístico se tornem párias dentro das próprias instituições das quais tanto precisam para se afirmarem.

Mas estes estudantes também não se conformam. 

No Porto, juntaram mais de uma centena de estudantes das escolas artísticas da cidade pela valorização do ensino superior artístico, e pela faculdade a que têm direito, sob o lema “Sem educação não há cultura”.

Também em Lisboa, os estudantes da Escola Superior de Dança se organizaram num processo de luta que já vai longo para reivindicar instalações próprias e dignas que correspondam às necessidades características da formação em dança; em 2018, contestam as condições precárias da escola no palácio do Marquês de Pombal, no Bairro Alto, através de uma greve estudantil. Com o fechar portas imediato do Palácio em decadência, a solução que lhes é encontrada é similarmente insuficiente – são transferidos para as instalações do ISEL, partilhando-as com estes alunos de engenharia. Voltam então à luta em 2021 por um espaço próprio, para estudarem, praticarem, viverem plenamente e em segurança na sua própria faculdade. 

Camaradas, vim vos falar do ensino artístico em Portugal, das suas dificuldades e fragilidades, do seu estado em cada vez mais rápida degradação, muito anterior à epidemia de costas largas, atrás da qual se escondem as entidades responsáveis que sistematicamente nos desiludem e tentam usá-la como origem de todos os males já velhos desta área. 

Mas também vos vim falar da luta destes estudantes. Do descontentamento com que não se conformam e que os leva a revindicar para si, como para todos os jovens, o acesso à cultura e à arte, à sua fruição, criação e formação democráticas, que lhes é direito constitucional, tal como é a escola de Abril, pública, gratuita e de qualidade, que merecem. É esse mesmo descontentamento que os traz à JCP, porque é na JCP que encontram plasmada a visão e a vontade de luta que lhes suscita a sua condição, é na JCP que encontram o espaço que os organiza e liberta, e será a partir da sua intervenção na JCP que encontrarão a resposta aos seus anseios de um ensino e de uma concepção artística ao serviço de e para todos. 

Viva a JCP.

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