Apreciação Parlamentar N.º 49/XIV/2.ª

Decreto-Lei n.º 30/2021, de 7 de Maio - Procede à regulamentação da Lei n.º 54/2015, de 22 de Junho, no que respeita aos depósitos minerais

(Publicado no Diário da República, 1.ª série — N.º 89 — 07 de maio de 2021)

Exposição de Motivos

Foi publicado em 7 de maio de 2021 o Decreto-Lei n.º 30/2021, que “procede à regulamentação da Lei n.º 54/2015, de 22 de junho, no que respeita aos depósitos minerais.”

Neste diploma o Governo refere, no respetivo preâmbulo, que “o presente decreto -lei vem regulamentar a Lei n.º 54/2015, de 22 de junho, no que respeita aos depósitos minerais, os quais, nos termos ali definidos, integram o domínio público do Estado, razão pela qual a sua revelação e exploração deve obedecer a uma estrita lógica de prossecução do interesse público”.

Neste contexto, o Governo refere ainda que, no âmbito da defesa do interesse público em causa, “são adotados três eixos estruturantes na regulamentação jurídica da atividade de revelação e aproveitamento de depósitos minerais”, a saber:

  • primeiro eixo – “cumprimento dos mais exigentes padrões de sustentabilidade ambiental na atividade de extração dos recursos do domínio público do Estado”;
  • segundo eixo – “reforço de disponibilização de informação e da participação pública e, bem assim, com o reforço da intervenção dos municípios”;
  • terceiro eixo – “a repartição justa dos benefícios económicos da exploração entre o Estado, os municípios onde ela se insere e as suas populações”.

No entanto, o modelo defendido pelo Governo de concessão de direitos a particulares no que se refere às atividades de revelação e de aproveitamento de depósitos minerais, levanta questões de fundo que estão muito longe de assegurar a efetiva defesa do interesse público nesta matéria.

Seja relativamente à revelação - avaliação prévia, prospeção e pesquisa e exploração experimental - seja relativamente ao aproveitamento/exploração dos recursos, o Estado, à semelhança do que aconteceu por diversas vezes no passado, embora com abrangências e intensidades diferentes, deverá voltar a ter, na perspetiva da real salvaguarda do interesse nacional, uma intervenção profunda no setor extrativo, particularmente na sua componente mineira, designadamente enquanto importante ator económico público, a par, naturalmente, das suas funções enquanto Administração.

E esta orientação é tanto mais importante quanto a Lei nº 54/2015, de 22 de junho, constitui um mecanismo privilegiado, para entrega das riquezas mineiras nacionais ao grande capital estrangeiro, com vista a alimentar as suas poderosas indústrias.

E nesta matéria, o artigo 16º do Decreto-Lei n.º 30/2021, de 7 de maio, relativo aos procedimentos concursais da iniciativa do Governo, encontra-se completamente alinhado com a perspetiva atrás referida, constituindo uma espécie de leilão das riquezas geológicas nacionais.

No passado, o Estado interveio enquanto agente económico na área mineira, desde logo através da capacidade da sua Administração nos processos de revelação, bem como na esfera da exploração, indo em contraciclo à lógica vinda do século XIX, em que eram capitais estrangeiros que dominavam as principais minas nacionais.

Na perspetiva de coordenar e potenciar uma intervenção económica direta, foi criada há já algumas décadas, a Empresa de Desenvolvimento Mineiro (EDM), EP, transformada depois em Sociedade Anónima, que detinha partes importantes das principais empresas mineiras, e que hoje constitui, face ao seu nome, um completo eufemismo, tratando-se agora de uma empresa de reparação de danos, para compor as destruições ambientais que os privados foram promovendo no país.

O regresso do Estado à esfera económico-produtiva desta área, particularmente no que concerne aos estratégicos depósitos minerais (sobretudo de metais básicos, terras raras e minerais litiníferos), decorre, desde logo da importância qualitativa e quantitativa das nossas reservas/recursos e dos caminhos que a exploração integrada de tais riquezas pode abrir.

Atendendo a que, quer a Lei nº 54/2015, de 22 de junho, quer em lógica sequencial, os Decretos-Lei que a regulamentam, foram completamente concebidos para a iniciativa privada, pelo menos no que respeita às substâncias mais estratégicas, quando deveria ser o Estado português a protagonizar a sua exploração, e desejavelmente a sua ulterior transformação em território nacional, criando fileiras e cachos industriais geradores de riqueza.

Importa referir que analisando a perspetiva história no que concerne à revelação e exploração de depósitos minerais, é fácil observar que muitos dos que no passado “foram contemplados” com a atribuição de direitos de uso privativo para atividades de revelação e de aproveitamento de depósitos minerais, exploraram esses mesmos recursos enquanto lhes foi rentável, deixando posteriormente um rasto de desolação e de passivos ambientais associados a áreas mineiras abandonadas, que estão longe de estar resolvidos.

A pesquisa no domínio da internet da Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG), mostra que se encontram atualmente identificadas 199 áreas mineiras abandonadas cuja recuperação ambiental ficou a cargo, por contrato de concessão publicado em 2001, ao grupo EDM — Empresa de Desenvolvimento Mineiro, SGPS, e em que a recuperação ambiental de 72 áreas mineiras abandonadas (das 175 identificadas inicialmente) continua por realizar, 20 apresentam constrangimentos no âmbito dessa recuperação e apenas 74 apresentam processo concluído.

Esta realidade impõe que se analise com a maior precaução as possibilidades de continuar a atribuir direitos de revelação e de exploração de depósitos minerais a grandes grupos económicos, dando azo a que o país e as populações fiquem com o ónus dos passivos e dos problemas de saúde pública e ambiental.

Nesta matéria o Decreto-Lei n.º 30/2021, de 7 de maio, não vem dar a resposta necessária à salvaguarda do interesse público e das populações, deixando em aberto um conjunto de questões que é necessário tratar e rever.

O articulado apresentado neste diploma não assegura a ponderação cuidada da participação pública, não promove uma efetiva auscultação das populações, nem considera as suas posições em relação a todas as fases do processo, não acautela a concertação com o poder local, nem garante a salvaguarda de valores ambientais e patrimoniais importantes, ou o exercício de outras atividades presentes na região objeto de pedido de atribuição de direitos de prospeção, pesquisa e exploração, o que poderá prejudicar a economia e as populações locais.

Nestas condições, apesar de se anunciar que se pretende prosseguir no sentido do interesse público e de acautelar os bens em presença e as populações, a leitura do diploma não demonstra que tais aspetos estejam de facto assegurados, nem que a participação de entidades e público em geral tenha ponderação nas tomadas de decisão.

Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP e do Grupo Parlamentar do PEV, ao abrigo da alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição e ainda dos artigos 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, requerem a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 30/2021, de 07 de maio, que “Procede à regulamentação da Lei n.º 54/2015, de 22 de junho, no que respeita aos depósitos minerais”, Publicado no Diário da República, 1.ª série — N.º 89 — 07 de maio de 2021.

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