(Interpelação n.º 4/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Sr. Ministro,
Há mais de 100 anos atrás, o Prof. Alfredo da Costa lutou durante toda a sua carreira clínica para que a então chamada Enfermaria de Santa Bárbara, no Hospital de S. José, se transformasse numa maternidade autónoma para tratar da saúde da mulher e da criança de forma condigna.
Em 1932, depois de vários anos de porfia nesse sentido, foi então inaugurada a Maternidade Alfredo da Costa. Há, portanto, 80 anos.
80 anos depois, esta Maternidade já viu nascer 600 000 crianças nas suas instalações, das quais cerca de 1400 já em 2012.
Está agora esta unidade na mira do processo de encolhimento geral do Serviço Nacional de Saúde que o Governo está a levar a cabo.
É evidente que o que se está a passar não é uma simples reestruturação, porque a Maternidade Alfredo da Costa foi, nos últimos anos, nas últimas décadas, um pilar da evolução extremamente positiva dos dados da mortalidade materno-infantil no nosso país. A Maternidade Alfredo da Costa é mais do que uma maternidade, tem serviços de excelência na reprodução assistida, na neonatologia, tem um inovador banco de leite humano que presta serviços inestimáveis às grávidas e às crianças deste país.
A Maternidade Alfredo da Costa, Sr. Ministro, não é repartível. Não é possível reproduzir com a mesma qualidade, coerência e sentido de profundidade de intervenção aquele todo em partes repartidas. Repartir a Maternidade Alfredo da Costa, mesmo que nada se perdesse pelo caminho, será destruir uma parte importante do que aquele todo integrado significa.
É uma unidade que, para além disso, com relação com a Universidade, se desenvolve nestas várias vertentes porque elas estão todas integradas debaixo de uma gestão comum e de uma vocação específica, que é a saúde materno-infantil.
E se as equipas, mesmo que por teoria, fossem preservadas, repartidas por várias unidades, esse todo integrado, que é a chave do desenvolvimento do sistema materno-infantil e que ali tem um pilar fundamental, não existiria da mesma forma.
É evidente, Sr. Ministro, que não acreditamos que a preservação das equipas se mantenha tal qual, porque vemos o que está a acontecer por todo o País. E o que está a acontecer em todo o País não são encerramentos preservando as equipas, as respostas, os acessos. Não é nada disso que está a acontecer, pelo que não há nenhuma razão para acreditar que isso aconteça na Maternidade Alfredo da Costa. E mesmo que acontecesse — repito isto, Sr. Ministro —, isso deitaria fora uma lógica integrada e coerente de desenvolvimento destas especialidades e desta resposta que só pode existir estando numa unidade própria e dedicada a esta questão, que é a Maternidade Alfredo da Costa.
Hoje, aqui, não queremos que o Sr. Ministro reincida na «crónica da morte anunciada» até 2015 da Maternidade Alfredo da Costa. O que queremos que nos diga é que vai suspender, interromper este processo de encerramento da Maternidade Alfredo da Costa, que não pode ser sacrificada a uma política de diminuição e desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, como a que o Governo está a levar a cabo.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Saúde,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
O Sr. Ministro referiu aqui, mais uma vez, que os custos das taxas moderadoras são apenas 2% do orçamento do Serviço Nacional de Saúde e, por isso, não serão um copagamento.
Sr. Ministro, o que define se são ou não um copagamento é o peso nos utentes, não é o peso no Serviço Nacional de Saúde. Se o Sr. Ministro disser que é pouco peso no orçamento do Serviço Nacional de Saúde, posso-lhe garantir que é muito peso no orçamento das famílias portuguesas e daqueles que têm de pagar estas taxas moderadoras.
O problema, Sr. Ministro, não é as pessoas que chegam aos serviços e são, de facto, atendidas, porque os nossos profissionais não permitiriam que fosse de outra forma. O problema é aquelas que não vão lá, porque sabem que não têm dinheiro para pagar as taxas moderadoras.
Esse é que é o problema que está a acontecer, neste momento, no nosso País.
Quanto à Lei dos Compromissos, Sr. Ministro, gostaria de lhe dizer que, na semana passada, o PCP perguntou ao Sr. Ministro das Finanças se ia haver uma adaptação da Lei para a área da saúde, para o Ministério da Saúde, porque é evidente que as administrações hospitalares estão hoje confrontadas com uma questão terrível, que é a de serem criminalizadas por não cumprirem a Lei dos Compromissos ou serem criminalizadas por não darem às pessoas o tratamento em saúde de que elas necessitam em cada situação.
É este o problema que está colocado. E a solução das 48 horas de tolerância para os casos de vida ou de morte não resolve o fundamental dos problemas, porque a seguir é preciso fazer igualmente a cabimentação.
Quero perguntar ao Sr. Ministro se, afinal, há alguma adaptação da Lei para a área da saúde ou se o Sr. Ministro das Finanças cometeu outro lapso e negou o que não devia ter negado. Deixo-lhe a pergunta para que o Sr. Ministro ainda possa responder.
Para terminar, Sr. Ministro, quero questioná-lo sobre a Maternidade Alfredo da Costa.
Sr. Ministro, em muitos casos e naquele em particular, o todo é mais do que a soma das partes e é por isso que não se pode repartir a Maternidade. A Maternidade já teve muitos mais partos por ano — já chegou a ter 13 000 partos por ano e agora só tem entre 5000 e 6000 — e, no entanto, adaptou-se, alargou o leque de especialização, melhorou os seus serviços e é isso que tem de fazer, Sr. Ministro da Saúde.
O Sr. Ministro diz que não podemos intervir em função dos sentimentos das pessoas. É nesse ponto que se engana, porque, de facto e neste caso em particular, o sentimento das pessoas é um aspeto essencial para a política de saúde. Se as pessoas sentem aquela unidade como uma referência, como uma garantia de qualidade, como uma garantia de segurança, essa devia ser a primeira razão para qualquer governo a manter, a preservar e a melhorar, e não o contrário.
O sentimento das pessoas é das coisas mais importantes na condução de uma política de saúde, mas, pelos vistos, é desprezado por este Governo.
Sabe, Sr. Ministro, ontem, quase espontaneamente, estiveram umas centenas largas ou milhares de pessoas naquela concentração; sábado haverá por todo o País um conjunto de atividades contra a desestruturação do Serviço Nacional de Saúde e novas iniciativas da população, dos utentes e dos trabalhadores sobre a Maternidade Alfredo da Costa se anunciam, porque este sentimento de perda, se esta Maternidade for fechada, se muitas outras unidades forem encerradas, não está longe dos corações da população portuguesa. Pode o Governo querer ignorá-lo, mas ele acabará por se impor e por derrotar a política que estão a seguir.