Camaradas e amigos, Estimados convidados, Senhoras e senhores jornalistas,
1. Da realização das Jornadas Parlamentares do PCP no distrito de Beja, nestes dias 30 e 31 de janeiro de 2023, resulta a reafirmação da necessidade de uma política alternativa que enfrente os défices estruturais do País, desde logo os défices produtivo, tecnológico e científico, energético, mas também o défice demográfico.
Promover a produção nacional, criar emprego com direitos, reforçar o investimento público, a par da garantia dos direitos sociais, são condição para o desenvolvimento regional e nacional do País.
Potenciar os recursos e as riquezas de cada território, apoiar os setores produtivos, substituir importações por produção nacional, contribui para a redução da dependência externa do País, para a nossa soberania nacional, e para a criação de riqueza e de emprego.
Criar empregos com direitos, em todo o território, a par do reforço dos serviços públicos, é essencial para a fixação de população e para combater o despovoamento que afeta em particular as regiões do interior do país.
Reforçar o investimento público dirigido à promoção da produção nacional, à melhoria da mobilidade e acessibilidades e no alargamento de equipamentos públicos nas áreas da educação, saúde, ação social e cultura, na gestão dos recursos hídricos, bem como no alargamento do parque habitacional público, constitui um elemento relevante para o desenvolvimento.
E não é demais insistir na relevância que teria para o desenvolvimento regional a criação de regiões administrativas, para assegurar maior coerência à organização administrativa do Estado, ao invés da transferência de competências do Estado para CCDR não eleitas, bem como a reposição de freguesias que foram extintas contra a vontade das populações, promovendo a participação popular, bem como o reforço da capacidade e autonomia do poder local.
2. Cumprir a Constituição no que respeita ao direito à saúde, impõe um SNS robusto, capacitado, competente e de acesso universal, em que a promoção da saúde seja o objetivo central.
Nesta matéria, não pode haver ilusões, não será nunca o setor privado da saúde, mais preocupado com o lucro e com tirar retorno da doença, que cumprirá este desígnio. O direito à saúde só pode ser garantido mantendo no Estado a responsabilidade do SNS e adotando as ações e medidas capazes de responder às múltiplas necessidades que estão colocadas.
E aqui o caminho que tem vindo a ser traçado pelos sucessivos governos, não vai ao encontro do que os portugueses precisam, e não é o recentemente aprovado Estatuto do SNS e a sua recente Direção Executiva que resolvem os problemas que estão colocados. São precisas ações e medidas concretas para responder aos mais de 1 milhão e 400 mil utentes sem médico de família, aos muitos utentes das listas de espera para consultas e cirurgias, às grávidas a quem falta acompanhamento dos serviços de obstetrícia, aos utentes que por dificuldade de aceder aos cuidados de saúde primários passam horas a fio nos serviços de urgência.
Em matéria de Saúde é preciso valorizar os profissionais no SNS, valorizar e dignificar as suas carreiras, reforçar as contratações e incentivar a fixação dos profissionais, em particular nas zonas onde se regista maior carência em cuidados de saúde. É preciso garantir o funcionamento das unidades de saúde em condições adequadas e dotar o SNS de capacidade de resposta ao nível das infraestruturas e equipamentos. Por isso, as medidas para fortalecer o SNS não podem ficar reféns da tutela das finanças, do serviço da dívida ou da ditadura do défice.
Por isso, iremos agendar para discussão no Plenário da Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 376/XV/1.º que propõe a alteração ao Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, que se centra na eliminação das orientações mais negativas do diploma aprovado pelo Governo e na introdução das principais medidas de resposta aos problemas que o SNS enfrenta atualmente. Uma alteração que propõe a retirada das diversas aberturas à entrega de mais serviços ao setor privado, que propõe a dignificação e valorização dos profissionais, com o reforço da importância das carreiras, a introdução de um regime opcional de dedicação exclusiva e de normas para o incentivo à fixação em zonas carenciadas, promovendo o reforço do número de profissionais de saúde e a verdadeira autonomia dos serviços para responderem às necessidades das populações.
No âmbito das dificuldades que estão criadas em matéria de falta de trabalhadores no SNS, o PCP entregou hoje mesmo, na Comissão de Saúde, um Requerimento para ouvir o Ministro da Saúde, o Diretor Executivo do SNS e o Diretor do Conselho Diretivo da ACSS, para obter esclarecimentos quanto à falta de profissionais em cada entidade de saúde que integra o SNS, bem como o programa previsto pelo Governo para assegurar a dotação nos serviços dos profissionais em falta e valorizar as suas carreiras.
E em face da necessidade de assegurar o acesso de todos à saúde, o PCP irá entregar iniciativas legislativas para garantir a comparticipação total de medicamentos aos idosos, aos doentes crónicos e utentes com carência económica e assegurar a gratuitidade do transporte não urgente de doentes, assegurando que todos têm acesso à deslocação em condições adequadas a consultas, tratamentos e exames de que necessitam.
3. O distrito de Beja reflete de forma dramática os problemas das limitações de acesso ao emprego, mas também de condições de precaridade e de trabalho sem direitos garantidos, desregulação dos horários de trabalho e, sobretudo no sector mineiro, com exposição a concentrações de substâncias e compostos nocivos, de intensificação do trabalho, com jornadas que ultrapassam largamente as oito horas diárias e atingem mesmo as doze, e a prestação de trabalho por turnos.
Trata-se de matérias em relação aos quais o PS tem apresentado uma postura refratária às propostas do PCP, numa convergência programática com o PSD e seus sucedâneos, assumindo-se como vetor ativo de políticas de direita, especialmente na área laboral, como o demonstra a discussão na especialidade das alterações à legislação laboral, com a recusa em revogar as normas gravosas do Código do Trabalho, como a caducidade das convenções e o não reconhecimento do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, ao mesmo tempo que barra o caminho a avanços como a diminuição do horário de trabalho ou a limitação do trabalho por turnos.
NO encerramento destas Jornadas queremos deixar uma palavra de apoio e valorização à luta dinamizada por todos os trabalhadores no Distrito de Beja, designadamente da luta dos professores em defesa da Escola Pública.
O PCP continuará a bater-se pela reposição e melhoria de direitos dos trabalhadores, desde logo com a criação de condições legais de maior eficácia da ação da Autoridade para as Condições de Trabalho. Nesse sentido, agendará a discussão do Projeto de Lei n.º 65/XV/1.ª, que confere a natureza de título executivo às decisões condenatórias da ACT em matéria de trabalho precário – problema generalizado no país e que no distrito de Beja regista particular intensidade, atingindo de modo especial os trabalhadores migrantes.
4. Estas Jornadas Parlamentares realizam-se num momento em que as populações se debatem com dificuldades cada vez mais gritantes para fazer face às despesas com a habitação. Por todo o país, o aumento das taxas de juro provoca uma escalada das prestações sem paralelo na última década. No arrendamento, a “Lei Cristas” continua em vigor por opção do PS, permitindo que o aumento das rendas continue sem controlo.
Seja no mercado de compra e venda ou no mercado de arrendamento, Portugal está entre os países europeus onde os preços da habitação mais aumentaram, com crescimentos que, no caso das vendas, chegam a representar quase o dobro da média europeia.
No Distrito de Beja, as gravíssimas carências de habitação condigna demonstram que não há medidas pontuais ou isoladas que possam compensar opções políticas erradas, e que é indispensável confrontar o modelo de desenvolvimento, o modelo económico, a política de uso e posse da terra, o desinvestimento nos serviços públicos e funções sociais e de soberania do Estado, que continua a aumentar o seu rasto de pobreza e desigualdade na Região e no País.
Para garantir o direito de acesso à habitação, e para cumprir esta incumbência do Estado, é preciso que o Governo assegure quer competências quer meios que transformem o Estado em grande promotor público de habitação. E isto significa que terá de construir e de reabilitar habitação, que terá de gerir eficientemente o seu património habitacional, que terá de promover a construção e a reabilitação de habitação destinada a setores de rendimentos intermédios, que terá de abandonar políticas fiscais que só aumentam a especulação, como os Vistos Gold e o regime fiscal dos residentes não habituais.
Para debater e propor medidas que respondam ao grave problema que afeta milhões de pessoas com o aumento das taxas de juro no crédito à habitação, o PCP marcou para o próximo dia 15 de fevereiro o agendamento potestativo do seu Projeto de Lei n.º 452/XV sobre regime extraordinário de proteção da habitação própria face ao aumento dos encargos com o crédito à habitação.
5. A situação destes trabalhadores justifica particular preocupação, tendo em conta sobretudo o que se passa nos sectores da agricultura, mas também grande distribuição, em que o recurso a mão-de-obra imigrante acaba por revelar a intenção de aproveitar estes trabalhadores para intensificar a exploração. Empresas de trabalho temporário, contratadas pelas grandes empresas ou grupos económicos na área da agricultura ou da grande distribuição, empregam milhares de trabalhadores imigrantes a quem não são garantidos direitos e que vivem em condições da maior precariedade. Muitos destes trabalhadores imigrantes são angariados nos próprios países de origem, a partir de redes de auxílio à imigração ilegal e tráfico de seres humanos, a partir de promessas que não se verificam, deixando estes trabalhadores completamente vulneráveis.
O combate à exploração e às condições sub-humanas a que estas pessoas são sujeitas exige uma ação decidida do Governo. Com o objetivo de acompanhar a intervenção das entidades públicas sobre esta realidade, e sem prejuízo de intervenção posterior, o PCP irá requerer desde já na Assembleia da República a audição da ACT, do SEF, da Segurança Social e da Autoridade Tributária.
6. Como o PCP tem vindo a afirmar, Portugal enfrenta uma situação preocupante no que respeita à garantia da sua soberania alimentar.
A falta de capacidade interna para suprir, em níveis razoáveis, as necessidades de bens alimentares, deixa o país sem mecanismos eficazes para combater a especulação dos preços dos alimentos e para garantir o direito de todos à alimentação.
Ao longo dos anos, como mostram os dados do mais recente recenseamento agrícola (RA2019), tem-se vindo a registar a perda de explorações agrícolas, o aumento da área média das explorações, a que se associa um decréscimo de 12 % de terras aráveis, com redução da área de produção de cereais para grão e de área de produção de batata e o aumento de 24 % da área reservada a culturas permanentes e de 14 % da área de pastagens, elementos que se encontram bem à vista na região do Alentejo.
A alteração da estrutura produtiva agrícola, a perda de mais de 15,5 mil explorações (RA2019) e as dificuldades que pequenos e médios agricultores e agricultores familiares enfrentam, materializadas na sua constante perda de rendimentos (como evidenciam os dados mais recentes publicados pelo INE), são aspetos que o PCP tem vindo a trazer à discussão e aos quais os sucessivos governos teimam em não responder.
Tal cenário impõe a adoção de estratégias e medidas que impulsionem a produção nacional, designadamente a produção de alimentos, pondo essa produção ao serviço das populações, respeitando recursos, ambiente, os direitos dos trabalhadores e a qualidade de vida.
Neste âmbito é necessário disciplinar a instalação de culturas permanentes, em regime superintensivo, não permitindo que as mesmas alastrem, em modelo de monocultura, por hectares a perder de vista, onde apenas o lucro importa. É preciso que o modelo agrícola seja diversificado, responda às necessidades de alimentos e de criação de emprego, respeite o solo, os recursos hídricos e as populações, e não responda apenas ao que o “mercado” quer em cada momento.
Por isso o PCP irá dar entrada de uma iniciativa legislativa para a elaboração e concretização do Programa Nacional de Avaliação e Controlo da Utilização Superintensiva do solo agrícola e do Atlas de Utilização Intensiva do Solo, que considere a definição de faixas de proteção e salvaguarda, dimensões máximas de ocupação do solo com determinadas culturas e que realize a cartografia da ocupação superintensiva agrícola do solo.
No âmbito do regadio e sem prejuízo da concretização de todos os perímetros de rega previstos e dar resposta a necessidades que se encontram identificadas, o PCP irá entregar um projeto de Resolução para que seja construído o Bloco de Rega da Vidigueira, elemento fundamental para garantir a produção agrícola, nomeadamente de vinho, nesta região, num cenário em que a disponibilidade hídrica é elemento fundamental.
Importa ainda referir a preocupante situação no que respeita à produção de cereais, em especial no que respeita ao trigo, cujo grau de autoaprovisionamento é da ordem de 6,4 %. Não basta anunciar metas para aumentar a produção de cereais. É preciso apresentar as medidas necessárias para que esse aumento seja realidade.
O PCP apresentou já, em diversos momentos, propostas para criar apoios e incentivos à produção de cereais, propostas que o Governo e a maioria PS rejeitaram. Contudo, face à urgência de resposta à situação que se atravessa, o PCP irá apresentar uma iniciativa para cadastro dos solos com especial aptidão para a produção de cereais e a criação de incentivos e apoios à sua produção, designadamente no âmbito da conversão cultural, discriminando positivamente os pequenos agricultores e agricultores familiares, incluindo a acompanhamento pela AR da Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais.
7. A viagem de comboio de deputados do Grupo Parlamentar do PCP, entre Lisboa e Beja, em contacto com trabalhadores e passageiros, permitiu o diálogo com utentes e com dirigentes das Organizações Representativas dos Trabalhadores sobre esta linha e a necessidade de proceder a um reforço substancial e efetivo do investimento neste serviço.
A inexistência de ligações diretas entre Beja e Lisboa (ou ainda entre Beja e o Algarve), a eletrificação da linha que marca passo há anos a fio, o projeto de modernização que continua a não incluir a ligação para sul até Ourique e Funcheira nem ao Aeroporto de Beja, o material circulante obsoleto que continua a não ter alternativa, as estações desguarnecidas que evidenciam a gritante carência de trabalhadores, são realidades que continuam a penalizar o Distrito de Beja e as suas populações, e que exigem uma resposta concreta do Governo, para lá das proclamações e intenções anunciadas.
Entretanto, sucedem-se atrasos, problemas e incidentes nas intervenções em curso na rede ferroviária nacional, a suscitar preocupações e perplexidades sobre as opções que estão a ser seguidas.
Na Linha do Norte, o principal eixo ferroviário do País, ocorreram quatro abatimentos em três semanas. Os abatimentos levaram ao corte de uma das vias, a afrouxamentos que deverão prolongar-se durante meses, com os consequentes atrasos, penalizando milhares de utentes nos comboios suburbanos, regionais, de longo curso, e dificultando o tráfego de mercadorias. É indispensável garantir o pleno apuramento dos factos e das causas destas situações e retirar as devidas consequências sobre a forma como estas intervenções estão a ser realizadas.
As razões que levaram os sucessivos governos a prometer e não cumprir no investimento da rede ferroviária não só revelam falta de seriedade política, como são inseparáveis da submissão às orientações da União Europeia, da prioridade ao défice sobre o investimento público, da ausência de políticas orientadas para o desenvolvimento do País. O PCP reafirma que é urgente, e indispensável, uma política de promoção do transporte ferroviário, incluindo na vertente de construção nacional de material circulante, e da sua articulação com o equilíbrio territorial e o desenvolvimento do País.
Perante a situação da ferrovia nacional e as questões que devem ser suscitadas no plano político, o PCP irá promover, como já foi ontem anunciado na abertura destas jornadas, a realização de um Debate de Atualidade sobre este tema na Assembleia da República.
8. O IP8 é uma estrutura rodoviária fundamental para o país e para a região. Esta ligação estruturante está hoje absolutamente desprezada. O Governo do PSD/CDS suspendeu as obras, desperdiçando os milhões de euros já investidos, contudo o Governo do PS não fez melhor, mantem as obras paradas e com as estradas nacionais que atualmente emprestam o seu traçado ao IP8, absolutamente degradadas. Neste sentido, o PCP irá dar entrada de um projeto de resolução para a conclusão do IP8 em toda a sua extensão.
9. O desaproveitamento do Aeroporto de Beja tem dado azo a manobras demagógicas, a ataques ao projeto ou a silêncios cúmplices, que escondem sempre os responsáveis por não se usufruir desta importante infraestrutura aeroportuária, onde foi feito um considerável investimento público que tem condições excecionais para ser, de imediato, integrado no sistema aeroportuário nacional. A intervenção do PCP tem sido clara e objetiva. Ainda na passada quinta-feira, dia 26 de janeiro, foi aprovado um projeto de resolução apresentado pelo PCP que recomenda ao Governo o aproveitamento do Aeroporto de Beja nas suas diversas dimensões e potencialidades, apesar da maioria absoluta do PS o ter amputado relativamente à construção das acessibilidades rodoviárias e ferroviárias que o potenciam e à garantia do financiamento deste projeto.
10. O PCP tem vindo a chamar a atenção, desde há vários anos, para o verdadeiro escândalo que constitui o recurso por parte do Estado à arbitragem ad-hoc para resolver litígios entre o Estado e grupos económicos que deveriam ser submetidos aos tribunais administrativos ou fiscais. Esta forma privada de resolução de litígios, rodeada de total secretismo quanto aos árbitros e respetivos honorários bem como quanto à fundamentação das decisões, resulta invariavelmente em prejuízos de milhares de milhões de euros para o Estado e num favorecimento escandaloso dos grupos económicos litigantes. Sucessivos casos relativos a parcerias público-privadas no setor rodoviário ou do pagamento dos impostos devidos pela EDP pela venda de barragens no nordeste transmontano são ilustrativos do que está em causa nestes processos. Assim, o PCP irá retomar a iniciativa legislativa nesta matéria de modo a impedir que os interesses do Estado em litígios de natureza administrativa e fiscal sejam subtraídos à aplicação da Justiça por via dos chamados tribunais arbitrais.