Intervenção de Octávio Teixeira, Sessão pública Direitos, desenvolvimento e soberania – a alternativa à política de direita

Dívida, renegociação, contas públicas

1- Nos últimos 3 anos a dívida pública aumentou 55.000 milhões de euros, mais 35%. Ou doutra forma, ¼ da dívida actual é da responsabilidade dos últimos 3 anos.

As previsões da troika quanto à evolução da dívida prometiam um rácio de 115% do PIB em 2013, e o que se verificou foram cerca de 130%.
Estes factos mostram o fracasso claro da estratégia seguida.

Por causa disso ou de qualquer outra coisa, no relatório das 8ª e 9ª avaliações o FMI fez um exercício sobre a sustentabilidade desta dívida.

As conclusões foram que para reduzir a dívida a 60% do PIB daqui a 20 anos seriam necessários:

. saldos orçamentais primários de 3% do PIB
. taxa de crescimento real do PIB de 1,8% ao ano e o mesmo para a inflação
.emissões de dívida pública à taxa média de 3,8%.

Ora, isto não é possível!

Porque para conseguir aquele aumento do PIB - quase o dobro do que se verificou nos 6 anos que antecederam a crise mundial de 2008 - seria necessário um enorme aumento das exportações líquidas e/ou uma forte recuperação da procura interna.

Mas o crescimento da procura interna é incompatível com a austeridade orçamental inerente a um saldo primário de 3% durante 20 anos.
Seria então necessária uma de duas coisas:

1ª, um aumento significativo das exportações e que as importações não aumentassem; mas dada a estrutura produtiva, travar as importações só é possível com recessão, o que contradiz a hipótese de crescimento do PIB;

2ª seria pois preciso que as importações aumentassem mas o aumento das exportações fosse de tal ordem que compensasse o efeito do aumento das importações e da queda da procura interna. Ora isto é impensável, exigiria um crescimento explosivo das exportações que entraria para o Guiness.

Ou seja, não é possível reduzir sustentadamente a dívida pública. A dívida é impagável na sua totalidade. Não é uma questão de se querer ou não pagar: é uma impossibilidade objectiva.

2- O Governo (mas também o PS) esconde esta realidade e diz que a dúvida é se a partir de Maio vai aos mercados sem para-quedas ou se recorre a um programa cautelar.

Para tentar a “saída em voo livre” vem fazendo emissões de dívida para além das necessidades imediatas, para criar um “pé-de-meia” que dê para 1 ou 2 anos, e que já ultrapassa os 20.000 milhões de euros.
Isto significa um aumento evitável dos encargos com juros superior a 1.000 milhões num ano.

Por outro lado, apesar dos mercados financeiros:

(a) estarem com um enorme excesso de liquidez que foi injectado pelos bancos centrais;
(b) de estarem conjunturalmente a tirar parte dessa liquidez dos mercados dos países emergentes e precisarem de aplicações alternativas;
(c) e de terem a garantia do BCE de, se necessário, intervir sem limites no mercado secundário das dívidas públicas dos países da zona Euro, o melhor que o Governo conseguiu até agora foi uma taxa de 5,1%. Bastante acima dos 3,8% que o FMI considera como limite para a sustentabilidade da dívida num horizonte de 20 anos, e que aumenta significativamente a factura dos juros já incomportável.

É possível que o Governo, por razões eleitoralistas, tente seguir pela saída em voo livre mas agravando os problemas da dívida pública, da sustentabilidade das finanças públicas e da austeridade.

Por outro lado, o recurso a um programa cautelar permitiria obter financiamentos a taxas de juro mais baixas, da ordem dos 3,5 a 4%.

Não é por acaso que os banqueiros o desejam. Mas implica necessariamente um novo pacote de “condicionalidades”, um segundo programa de sequestro. Isto significa a permanência da austeridade imposta e controlada por entidades externas o que, como vimos nestes 3 anos, não resolve só agrava.

(Aliás, a dita saída “limpa” também mantém a austeridade, mas sem a desculpa da imposição externa).

Ou seja, nenhuma das hipóteses é solução.

3- Assim, a renegociação da dívida é incontornável.

É indispensável para reduzir os juros que anualmente são suportados pelas finanças públicas libertando recursos para diminuir a austeridade e, em consequência, aumentar o PIB com mais procura interna e aumentar as receitas fiscais que sustentem a redução do défice, e para permitir a sustentabilidade da dívida.

A restruturação da dívida tem de incidir sobre maturidades e taxas de juro, mas também sobre o montante da dívida.

Cingi-la às maturidades e taxas de juro alivia o serviço da dívida no curto prazo mas aumenta-o no longo prazo. É empurrar com a barriga.
Tem de haver, necessariamente, um incumprimento parcial da dívida porque o montante actual é impagável.

A reestruturação tem de abranger todos os credores incluindo as instituições da troika pois já detêm 35% da dívida. Apenas deverão ser poupados os pequenos aforradores e os investidores públicos nacionais, como o Fundo de Estabilização da Segurança Social.

O perdão de dívida deverá rondar os 50% para a reduzir para próximo dos 60% do PIB que a União Europeia impõe para a considerar sustentável.

E o aumento das maturidades não deverá ser inferior a 30 anos, pois só assim o aumento dos juros a pagar durante mais tempo será compensado com a redução do valor actual da dívida decorrente da inflação.

Por último, a renegociação, que é urgente, deve ser desencadeada e conduzida por Portugal por forma a defender os interesses nacionais, e não pelos credores como sucedeu na Grécia com resultados conhecidos.

Não é um caminho fácil, mas é condição necessária para a viabilidade e sobrevivência do País.

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