Intervenção de Diana Ferreira na Assembleia de República, Reunião Plenária

Cumprir os direitos laborais e aumentar os salários para cumprir os direitos das crianças

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Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

A Declaração Universal dos Direitos da Criança foi proclamada pela Organização das Nações Unidas a 20 de Setembro de 1959, mas só em 1989, com a adopção por parte da ONU da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (ratificada por Portugal no ano seguinte), é que a Criança passou a ser considerada como cidadão de pleno direito.

Consagra a nossa Constituição da República (artigo 69.º) que cabe ao Estado e à sociedade proteger as crianças “com vista ao seu desenvolvimento integral”, designadamente contra todas “as formas de abandono, de discriminação, e de opressão”.

A todas as crianças deve ser assegurado o direito à protecção e a cuidados especiais, o direito ao amor e ao afecto, ao respeito pela sua identidade própria, o direito à diferença e à dignidade social, o direito a serem desejadas, à integridade física, à segurança. O direito a uma alimentação adequada, ao vestuário, à habitação, à saúde, à educação, à cultura, ao desporto. O direito a brincar de forma livre e criativa. O direito a tempos livres, a participarem na vida em sociedade. O direito a crescerem de forma harmoniosa e equilibrada. O direito a serem acompanhadas pelos seus pais e mães em todas as fases de crescimento e desenvolvimento.

Entre muitos outros direitos plasmados em diplomas nacionais e internacionais.

Direitos que, tantas e tantas vezes, não saem do papel.

No nosso país, a vida quotidiana de milhares de crianças continua marcada por várias formas de negação de direitos, violências e discriminações.

Não porque seja uma fatalidade, mas porque sucessivos governos se têm recusado a tomar medidas que efectivem plenamente os direitos das crianças, bem como diferentes governos têm aprofundado um caminho de desresponsabilização do Estado na garantia dos direitos das crianças e de agravamento das condições de vida dos trabalhadores e do povo.

Uma limitação e negação dos direitos das crianças que é indissociável da limitação, negação e atropelo dos direitos dos pais, especialmente dos pais e mães trabalhadoras.

Sim, porque não podemos falar dos direitos das crianças sem falar dos direitos dos pais.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Quase um quarto das crianças e jovens até aos 18 anos vivem em risco de pobreza e exclusão social. E para uma criança a pobreza repercute-se de forma bem mais funda do que uma privação material – traduz-se nas dificuldades no acesso à saúde, à educação, à habitação de qualidade, a uma alimentação saudável, a tempo com os pais e a família, reproduz a falta de esperança, compromete o desenvolvimento de cada criança e o do próprio País.

Números que têm tudo para aumentar face a um momento com uma escalada inflacionista e um brutal aumento do custo de vida que se traduz já em mais dificuldades das famílias em acederem a bens e serviços essenciais. Um problema grave, que o governo de maioria absoluta PS não quer resolver nem enfrentar.

A pobreza das crianças é a pobreza das suas famílias e a sua resolução exige medidas estruturais – não caridade ou assistencialismo.

O que se impõe é a valorização geral dos salários – o aumento do salário mínimo para 850 euros num curto prazo, mas também o fim de todos os instrumentos que, no público e no privado têm servido para não se aumentarem os salários dos trabalhadores, incluindo a caducidade da contratação colectiva e carreiras profundamente desvalorizadas e estanques.

As crianças e os pais precisam de tempo, tempo para viver e viverem em conjunto – horários dignos para os pais, tempo para as crianças brincarem, para estarem com a família, com os amigos, tempo para as crianças socializarem.

E para isso é necessária a redução do horário de trabalho para as 35 horas, combater o uso abusivo do trabalho nocturno e por turnos, eliminar bancos de horas e todos os mecanismos que desregulam os horários de trabalho. Porque essa desregulação dos horários de trabalho e essa desumanização afasta os pais e as mães dos seus filhos.

Não é de creches a funcionar 24 horas por dia, 7 dias por semana (como há quem queira que se faça) que as crianças e os pais precisam. Precisam sim do alargamento da gratuitidade das creches e de uma rede pública de creches que assegure a universalidade deste direito e de outros equipamentos sociais que promovam o seu desenvolvimento.

As crianças precisam de condições de estabilidade nas suas vidas. A precariedade laboral de mais de um milhão de trabalhadores no nosso país tem tradução directa na vida das suas crianças. Além do adiamento da opção de muitos em terem filhos, para os que têm a instabilidade do seu vínculo é a incerteza nas condições de vida que consegue assegurar aos seus filhos, é a dúvida quanto ao futuro e o que lhe conseguirá proporcionar.

O combate ao desemprego, a erradicação da precariedade, um caminho de pleno emprego e de emprego com direitos é fundamental para que os pais e as mães trabalhadoras têm as condições necessárias para terem os filhos que desejam em condições de dignidade.

As crianças precisam de uma Escola Pública valorizada, de proximidade e que seja um espaço de motivação para a aprendizagem e para o crescimento. Precisam de um Serviço Nacional de Saúde que assegure médico e enfermeiro de família para todos, com respostas próximas, pediatras, dentistas, nutricionistas e psicólogos nos cuidados de saúde primários. Precisam que a Segurança Social tenha todas as condições para assumir as suas funções de protecção social, assegurando-se a universalidade do abono de família e toda a protecção necessária em situação de vulnerabilidade social. Precisam de uma habitação condigna e que não sugue salários inteiros dos pais para a ela aceder. Que a cultura e o desporto não sejam tratados como “adornos” ou para alguns, estando sim acessíveis a todos, assegurando o seu desenvolvimento integral.

As crianças precisam de mais direitos de maternidade e paternidade, que os que existem não sejam atropelados e que ter filhos deixe de ser visto (como é por muitos patrões), como um “empecilho” à disponibilidade dos trabalhadores.

Tendo-se assinalado ontem o Dia Mundial da Criança, com esta intervenção o PCP reafirma o seu compromisso com o aprofundamento dos direitos das crianças e a sua plena concretização, para que as crianças cresçam e se desenvolvam em harmonia, para que lhes seja assegurado o direito a serem crianças e a serem felizes e para que os pais possam estar presentes e acompanhar todos esses momentos – não são privilégios, são direitos.

Das crianças e dos pais e por isso inseparáveis entre si.

Disse.

 

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