Intervenção de Vasco Cardoso, membro da Comissão Política do Comité Central, Iniciativa de encerramento da acção nacional «A força do povo, por um Portugal com futuro - uma política patriótica e de esquerda»

O controlo público dos sectores estratégicos da economia nacional

No centro do projecto de ruptura com a política de direita que propomos ao povo português está a ruptura com os interesses e o domínio do grande capital monopolista sobre o país e como eixo central da política alternativa, patriótica e de esquerda, que o PCP tem vindo a propor, figura o cada vez mais necessário objectivo da recuperação do controlo público dos sectores estratégicos da economia nacional.

Trata-se de uma proposta que parte da avaliação crítica que fazemos sobre a situação do país, sobre a realidade concreta que atinge a vida de milhões de portugueses, sobre a evolução da situação económica e social nas últimas décadas, sobre o papel de Portugal no mundo, o seu grau de desenvolvimento e as condições para o exercício da sua soberania, sobre as condições que a Revolução de Abril e a Constituição da República criaram e a inadiável urgência de romper com o processo contra-revolucionário e retomar os valores e ideais de Abril.

No conjunto de iniciativas desenvolvidas no âmbito da acção nacional – A força do Povo, por um Portugal com futuro ao longo destes meses, pudemos confirmar o quanto ajustada e oportuna tem sido a intervenção do PCP, não apenas na denúncia e no combate às privatizações e ao domínio dos monopólios sobre a vida nacional, mas também, na afirmação de que não pode haver crescimento económico, desenvolvimento, emprego, soberania se os sectores básicos e estratégicos da nossa economia estiverem nas mãos dos grupos económicos, isto é, se estiverem a ser sacrificados os interesses nacionais em função do lucro desses mesmos grupos.

Uma constatação que esteve presente no decorrer do processo revolucionário iniciado com o 25 de Abril onde foram nacionalizados pelo Estado os grandes monopólios de capital privado nacional nos sectores chave da economia, como na banca, seguros, energia, transportes, telecomunicações, entre outros, contribuindo para a constituição de um poderoso sector empresarial do Estado. A Constituição da República Portuguesa não só reconheceu essa realidade como a projectou, no quadro de uma economia mista, como um instrumento indispensável ao desenvolvimento do país.

A recuperação monopolista e latifundista interrompeu o esboço de construção de relações de produção mais avançadas. Mais do que isso, vários factores, componentes desse processo de recuperação, impulsionados, potenciados ou comandados pela política de direita, danificaram e debilitaram seriamente o aparelho produtivo do país. São de referir a adesão à CEE e ao Euro, as privatizações, a destruição da reforma agrária, as orientações estratégicas do grande capital e o tipo de investimento estrangeiro aqui realizado.

O processo de privatizações foi tudo menos casuístico. Apresentado sempre como sinónimo de modernização do país e meio para resolução dos grandes problemas nacionais, obedeceu e obedece, a uma programada e multifacetada operação que se desenvolve desde o início da contra-revolução.
Foi através das privatizações, com a venda de centenas de empresas (em regra, abaixo do seu valor), conjuntamente com inaceitáveis privilégios e processos fraudulentos, que muitos dos grupos monopolistas do tempo do fascismo ressurgiram e recuperaram poder económico e político numa verdadeira “entrega do ouro ao bandido”, assim como emergiram novos grupos económicos e floresceu o capital financeiro nosso país.

Com as privatizações reduziu-se o financiamento do Orçamento do Estado e limitou-se a sua capacidade na resolução dos problemas do país. Uma das principais causas do défice das contas públicas de hoje, está no desvio de muitos milhares de milhões de euros de lucros e de impostos, de empresas altamente rentáveis que entretanto foram privatizadas.

Com as privatizações aumentou o domínio do Capital estrangeiro na vida nacional, agravou-se a balança de pagamentos, perderam-se importantes elementos da soberania nacional, milhares de milhões de euros de riqueza produzida, foram e são, transferidos sob a forma de lucros, dividendos, rendas e juros todos os anos para os bolsos do capital transnacional.

Com as privatizações liquidaram-se largas dezenas de milhar de postos de trabalho, agravou-se a distribuição da riqueza, atacaram-se os direitos dos trabalhadores, generalizou-se a precariedade, degradaram-se serviços e aumentaram os preços no seu acesso. Destruíram-se ainda dezenas de empresas e importantes sectores produtivos, que desapareceram ou ficaram com um papel residual na nossa economia.

Com as privatizações e o crescente domínio dos monopólios milhares de PME's viram-se arruinadas ou esmagadas com os custos do crédito, dos seguros, da energia, das comunicações, das portagens. O peso da carga fiscal disparou sobre as mesmas, ao mesmo tempo que os rendimentos dos monopólios passaram a usufruir de numerosos benefícios fiscais.

Na verdade, as privatizações foram um assalto ao património colectivo, que só não foi mais longe, porque os trabalhadores e o Povo português resistiram e lutaram contra o seu avanço.

São claros os responsáveis políticos e de classe pela destruição e fragilização do aparelho produtivo do país.

Socialmente, os grandes monopolistas e latifundistas, que a revolução de Abril fundamentalmente expropriara. Associados, como auxiliares, numerosos dirigentes, altos funcionários e quadros das grandes empresas e dirigentes de topo da administração pública. Ideologicamente comprometidos, académicos e personalidades públicas que fizeram a apologia do “estado mínimo”, da recuperação monopolista e latifundista.

Politicamente, o PS, o PSD, o CDS/PP, que se alternaram no poder para garantir a continuidade da política de direita, que a partir de posições governamentais e maioritárias na assembleia da república se encarregaram de assegurar a intervenção do Estado a favor dos grandes grupos económicos e financeiros, financiaram a acumulação do grande capital e asseguraram a sua dominação sobre os trabalhadores.

O aparecimento e desenvolvimento de grupos económicos e financeiros privados após o refluxo do processo revolucionário, assumindo uma natureza e um domínio monopolistas, constituem o traço essencial do processo de recuperação capitalista em Portugal. A sua génese constituiu e constitui um processo complexo, com componentes políticas, económicas e financeiras que se interpenetram, e que se escorou nos apoios dos governos, nos apoios políticos e financeiros do sector público empresarial, sobretudo da banca. As consequências dessa realidade entretanto construída estão aí à vista de todos.

Disse o Primeiro-ministro recentemente num misto de oportunismo e de hipocrisia que os donos do país estão a desaparecer. É preciso não ter um mínimo de respeito pela verdade. De facto, os donos do país não só não estão a desaparecer, como o seu património e influência está alastrar e a crescer, designadamente com as medidas que este governo assumiu ao longo dos últimos três anos. O que está a desaparecer são as empresas e sectores nacionais e qe estão a ser transferidos para os bolsos do grande capital estrangeiro.

Na verdade, este foi o governo que, na continuidade dos PEC's dos governos do PS, acelerou em larga medida o processo de concentração monopolista que se tem vindo a verificar em Portugal. De todas as medidas já concretizadas e que terão uma inevitável projecção para o futuro destacou-se novamente “o ambicioso programa de privatizações”- a expressão é aliás da autoria dos governos PS - e que levou nos últimos três anos à entrega, sobretudo ao grande capital estrangeiro, da ANA ao grupo francês Vincy, da EDP e da REN à chinesa Three Gorges, dos Seguros da CGD aos chineses da Fosun, da CIMPOR aos brasileiros da Camargo Correa, da PT (com a alienação da Golden share), dos CTT aos americanos da Goldman Sachs e alemães do Deutch Bank, da EGF empresa de recolha de resíduos sólidos à Mota-Engil, dos ENVC à Martinfer. Pelo caminho ficou adiada a privatização da RTP, sendo que estão também na calha para privatizar empresas de transportes como o Metro de Lisboa, a CARRIS, os STCP.

Particularmente visível nos últimos dias está a privatização de 66% da TAP, constituindo esta, a terceira tentativa de privatização desta empresa. Uma empresa de bandeira, o maior exportador nacional, responsável por mais de 12 mil postos de trabalho directos e indirectos, fundamental para o sector do turismo, para a comunidade emigrante e para a unidade do território nacional. Uma empresa que sofre na pele as consequências de uma gestão danosa cujo único objectivo é o de preparar a sua privatização. Uma empresa na qual o Estado não mete um euro há mais de uma década, ao contrário aliás daquilo que faz com os milhões de euros que tem dado às multinacionais low-cost, e que, ao contrário daquilo que diz o governo e todos os que se submetem aos interesses da União Europeia como o PS, que defende igualmente a privatização da TAP, pode e deve ser capitalizada por via de recursos públicos, salvando e garantindo o futuro desta companhia aérea. Para o PCP não é a dimensão da fatia a privatizar que está em causa, como disputam o PS e o PSD, mas a clara e inequívoca opção de manter a TAP sob o controlo público com as medidas adequadas que assegurem a sua recuperação.

Da mesma forma, o processo que envolve a PT, empresa dominante no sector das telecomunicações, de uma importância estratégica para o país, está hoje à beira de se transformar num apendice de um fundo de investimento estrangeiro. Uma empresa que depois de privatizada por sucessivos governos serviu para tudo, menos para promover o desenvolvimento do país. Serviu para distribuir mais de 11 mil milhões de euros em dividendendos aos seus accionistas descapitalizando a empresa e desbaratando o seu património. Serviu como plataforma giratória de quadros entre membros do governo e a administração da empresa. Serviu para alimentar negócios obscuros, corrupção e estratégias de domínio empresarial como aconteceu com as suas ligações ao BES. Também agora, neste preciso momento o Estado português pode impedir a destruição da empresa, por via do chamado Fundo de Resolução do Novo Banco travando a vednda da PT e iniciando, tal como propõe o PCP, um processo de recuperação do controlo público da PT.

A situação na banca também carece de medidas urgentes. Banca privada que, depois dos processos com elevados custos para o povo português como os do BPN, BPP, BCP e BANIF, está hoje perante mais um escândalo corporizado na situação em que se encontra o Banco Espírito Santo com consequências que ainda não se revelaram na sua totalidade.

Tal como temos afirmado, para lá de todos os esclarecimentos, apuramento de responsabilidades e medidas que venham a ser necessárias construídas não para salvar os accionistas, mas para defender o povo e o país, assim como a clara oposição à venda dos activos do BES sem que estes processos estejam esclarecidos, o que a situação neste banco veio tornar ainda mais evidente é que o crédito é um bem demasiado importante para ficar nas mãos desta ou daquela família ou grupo de accionistas e da necessária urgência na recuperação do controlo público da banca.

Enquanto se mantiver uma política de favorecimento dos interesses dos monopólios, com privatizações, benefícios fiscais, apoios de milhões aos grandes interesses, favores e negócios ruinosos para o erário público, em si mesma, uma política contrária à própria Constituição da República, enquanto se mantiver esta política, o processo de afundamento do país.

Aos que insistem na teoria das inevitabilidades e na tese de que a modernização da economia se faz destruindo o papel e a intervenção do Estado e entregando aos chamados mercados todo o poder e alavancas económicas do país, daqui lhes dizemos que não estamos dispostos a prosseguir com a venda dos dedos, depois de terem sido vendidos os anéis. Que são muitos e cada vez mais aqueles que não vão permitir que aquilo que demorou gerações a construir continue a ser entregue de forma criminosa nas mãos de uns poucos.

Aos que nos dizem ou se refugiam nas imposições decorrentes na União Europeia, também ela uma estrutura dos monopólios, para afirmar da impossibilidade da ruptura com este rumo, relembramos que nenhum tratado, nenhum processo de integração se pode sobrepor ao direito do povo português de decidir do seu futuro, do direito de assegurar uma política que responda aos interesses e aspirações dos trabalhadores e da população.

Aos que se apresentam perante o povo como se nenhuma responsabilidade tivessem perante situação do país, acenando com novas ilusões, com uma viragem à esquerda como faz o PS, daqui lhes dizemos, que não há nenhuma viragem à esquerda por parte daqueles que privatizam como a direita, se submetem aos interesses dos grupos económicos como a direita e abdicam da defesa da Constituição e do futuro do país, como têm feito e mal, a direita.

A recuperação do controlo público dos sectores estratégicos da economia não é apenas um eixo fundamental da política patriótica e de esquerda que o país precisa, sobretudo uma condição para que o país se possa desenvolver, assegurar a sua soberania, num quadro de relações económicas mutuamente vantajosas com outros povos.

Seja por nacionalizações, seja por acordos, ou outro tipo de medidas de intervenção do Estado, é tarefa de um governo patriótico e de esquerda, romper com o poder dos monopólios e abrir caminho à recuperação para as mãos do povo português dos sectores estratégicos. Uma opção que se articula naturalmente com a exigência da renegociação da dívida nos seus prazos, juros e montantes e a preparação do país face a uma saída do euro; com a recuperação dos salários, pensões e rendimentos que foram entretanto roubados; com a defesa e promoção da produção nacional; com a tributação efectiva do grande capital e uma reforma fiscal que alivie os trabalhadores e as PME's; com a valorização dos serviços públicos e as funções sociais do Estado; com a afirmação da soberania nacional, designadamente perante a União Europeia e outras estruturas.

Quarenta anos depois do 25 de Abril a situação exige um Sector Empresarial do Estado forte e dinâmico, ao serviço da democracia e do desenvolvimento, factor imprescindível para responder aos problemas do país, manter em mãos nacionais alavancas económicas decisivas, promover uma política de emprego e a elevação das condições de vida.

Quarenta anos depois do 25 de Abril reafirmamos que a indispensável ruptura e mudança na vida nacional é tão mais realizável quanto mais expressivo for o desenvolvimento da luta de massas e mais largamente se afirmar a frente de oposição à política de direita. Uma mudança que está nas mãos dos trabalhadores e do povo construir contando, como sempre contaram, com a intervenção do PCP na defesa dos seus direitos e por um Portugal mais justo, próspero e soberano.

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