Projecto de Lei N.º 98/XIV/1.ª

Contabilização integral de todo o tempo de serviço das carreiras e corpos especiais

I

O Orçamento do Estado para 2018 reconheceu o descongelamento das carreiras e progressões para todos os trabalhadores da administração pública pondo assim fim a mais de 9 anos em que as mesmas não tiveram qualquer tipo de progressão. Com a sua entrada em vigor, deram-se passos na concretização desse direito, incluindo com a valorização remuneratória, ainda que faseada, dos trabalhadores cuja progressão depende do regime de avaliação em vigor.

O Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 65/2019 de 20 de maio sobre a recuperação do tempo de serviços para efeitos de progressão nas carreiras especiais, tais como, militares, juízes e forças de segurança, para as quais é necessário o decurso de determinado período de tempo, mitigando os efeitos do congelamento ocorrido entre 2011 e 2017.

Este diploma insiste em não considerar todo o tempo de trabalho justamente devido aos trabalhadores das carreiras especiais, considerando 70% do modulo de progressão de uma carreira geral.

O artigo 19.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018 determina que "a expressão remuneratória do tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias integradas em corpos especiais, em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito, é considerada em processo negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis".

O PCP defendeu e defende a contabilização integral do tempo de serviço para efeitos de progressão pelo que discorda das soluções apresentadas no presente diploma que consagra que a progressão e mudança de posição remuneratória depende do tempo de serviço contabilizado em "70% do módulo do tempo padrão”.

Trata-se de, mais uma vez, sacrificar os trabalhadores e os seus direitos e restringir a recuperação de tempo de serviço dos trabalhadores, que esteve congelado, em 70% tendo os trabalhadores direito à recuperação integral desses anos trabalhados.

Para além de a solução preconizada pelo governo levar a graves injustiças, com tratamentos diferenciados e injustiças relativas, a não contabilização da totalidade do tempo, de serviço efetivamente prestado ao serviço do país, não é para o grupo parlamentar do PCP aceitável, por isso propomos que todo o tempo de serviço prestado pelos trabalhadores das carreiras, cargos ou categorias integradas em corpos especiais seja considerado para efeitos de progressão nas carreiras.

II

No comunicado do Conselho de Ministros de 4 de outubro de 2018, o Governo informava que havia aprovado o decreto-lei que procedia “à definição do modelo de recuperação do tempo de serviço dos docentes de carreira dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário cuja contagem do tempo de serviço esteve congelada entre 2011 e 2017.”

Considerava então o Governo que a “solução encontrada – recuperação de 2 anos, 9 meses e 18 dias, a repercutir no escalão para o qual progridam a partir de 1 de janeiro de 2019 – permite conciliar a contagem do tempo para efeitos de progressão entre 2011 e 2017 com a sustentabilidade orçamental” e que “esta solução corporiza o disposto no artigo 19.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018”, prosseguindo com a citação do artigo em questão.

Ora, como é possível observar, o artigo 19.º determina que "a expressão remuneratória do tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias integradas em corpos especiais, em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito, é considerada em processo negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis".

Ou seja, como o PCP tem colocado desde o primeiro momento, o que aqui se encontra em causa é meramente o processo negocial referente ao prazo e ao modo como a expressão remuneratória se irá concretizar e não qualquer possibilidade de amputação de tempo de serviço.

A falta de cumprimento do Governo em relação ao disposto no Orçamento do Estado para 2018 levou a que, novamente, a mesma disposição constasse da Lei, desta vez no artigo 17.º da Lei do Orçamento do Estado para 2019. Na sequência da aprovação disto mesmo, o Presidente da República acabou por devolver, em 26 de dezembro de 2018 e sem promulgação, o decreto-lei ao Governo, “para que seja dado efetivo cumprimento ao disposto no citado artigo 17.º, a partir do próximo dia 1 de janeiro de 2019.”

Quanto à realização das reuniões negociais de 25 de fevereiro e de 4 de março deste ano, o Governo não revelou qualquer abertura para analisar a proposta apresentada pelas organizações sindicais. A este respeito, é preciso frisar que, contrariamente ao tantas vezes dito pelo Governo, existiu disponibilidade por parte da generalidade das organizações sindicais para procurar soluções tendo em vista a um consenso.

Como tal, numa primeira fase (ainda em 2017), houve organizações sindicais que defenderam que os professores deveriam ser posicionados no escalão, em janeiro de 2018, que correspondesse a todo o tempo de serviço cumprido, bem como a recuperação total e imediata dos 9 anos, 4 meses e 2 dias de serviço cumprido.

Após a assinatura da Declaração de Compromisso, em 18 de novembro de 2017, as organizações sindicais passaram a admitir que a recuperação poderia iniciar-se ainda na Legislatura em curso e ser concluída na seguinte. Posteriormente, os sindicatos admitiram ainda que a recuperação se desse até 2023, último ano da presente Legislatura.

Tendo sido alcançado acordo para aprovação do modelo de recuperação do tempo de serviço na Madeira, as organizações sindicais propuseram a aplicação de solução semelhante no Continente, o que significaria uma recuperação a concluir em 2025.

Por fim, na última proposta apresentada ao Governo, os sindicatos propuseram ainda a possibilidade de que a recuperação, por opção do professor, pudesse ter efeitos na aposentação ou na dispensa de vaga no acesso a determinados escalões da carreira e não necessariamente no posicionamento na carreira.

Já do Governo não foi conhecida a entrega de qualquer proposta concreta, tendo apenas sido repetida a mesma posição constante do Decreto-Lei que propunha o apagão de mais de 6,5 anos cumpridos pelos professores e que acabou devolvido ao Governo por incumprimento da Lei do Orçamento do Estado.

Situação que se reflete no Decreto-Lei n.º 36/2019, de 15 de março, que retoma uma proposta contrária ao estipulado na Lei do Orçamento do Estado, insiste em não considerar todo o tempo de trabalho justamente devido aos professores e tenta impor uma solução diferenciada em relação aos docentes das Regiões Autónomas quanto ao tempo a contabilizar.

Diz o Governo, no preâmbulo do Decreto-Lei, que “o artigo 17.º da Lei do Orçamento do Estado para 2019 reafirma ambos os pressupostos, remetendo a consideração do tempo para negociação sindical, com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo em conta a sustentabilidade e a compatibilização com os recursos disponíveis.”

Deste modo, é distorcida a norma orçamental e é ignorada a história dos factos que levou à repetição de uma norma constante do Orçamento do Estado de 2018 no de 2019 – a consideração pela maioria dos grupos parlamentares de que o Governo não cumpriu o que se encontrava, efetivamente, estipulado.

O PCP requereu a Apreciação Parlamentar ao referido Decreto-Lei e apresentou várias propostas de alteração onde considerava que o tempo de serviço é tempo trabalhado que tem de relevar para a progressão na carreira. Isso é o que se encontra estabelecido nas Leis do Orçamento do Estado para 2018 e para 2019. Por isso, o PCP propôs a contabilização integral do tempo de serviço: 9 anos, 4 meses e 2 dias ou 3411 dias.

O PCP propôs assim, que fosse adotada a mesma solução negociada, em termos de faseamento, entre os sindicatos e o Governo Regional da Madeira. Ou seja, a valorização remuneratória que resulte da recomposição da carreira docente viria o seu impacto distribuído ao longo de 7 anos, iniciando-se em 1 de janeiro de 2019.

Salvaguardava ainda que não podiam ocorrer situações de ultrapassagens de posicionamento nos escalões da carreira por docentes que tenham menos tempo de serviço, resolvendo a iniquidade que veio a resultar da aplicação do Decreto-Lei do Governo.

Destas propostas, foi aprovado em sede de Comissão de Educação e Ciência a contabilização dos 9 anos, 4 meses e 2 dias, tal como tinha sido consagrado nos Orçamentos do Estado para 2018 e para 2019. Contudo, PSD e CDS voltaram com a palavra atrás e em votação final global chumbaram qualquer alteração ao Decreto-lei, demonstrando que se moveram em todo o processo não pelo objetivo de dar resposta ao direito de contagem do tempo de serviço dos trabalhadores das carreiras especiais da Administração Pública, mas sim por meros critérios de calculismo eleitoralista. Manteve-se, assim, o apagão de 6 anos, 6 meses e 23 dias de trabalho.

Em 20 de maio, o Governo, publica o Decreto-Lei n.º 65/2019, que regula o modelo de recuperação do tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias, integrados em corpos especial em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependa do decurso do tempo. Neste diploma, o Governo prevê mais uma vez o corte de parte do tempo de serviço, mas em todas as carreiras abrangidas. Assim, prevê a recuperação de 70% do módulo de tempo padrão para mudança de escalão ou posição remuneratória na respetiva categoria, cargo ou posto, o que no caso dos professores corresponde aos 1027 dias, ou 2 anos, 9 meses e 18 dias.

Mais uma vez, este diploma mantém o apagão de 6 anos, 6 meses e 23 dias. Diferentemente do previsto no Decreto-Lei n.º 36/2019, de 15 de março, e numa tentativa de resolver as ultrapassagens que se verificavam com a aplicação deste decreto-Lei, a contabilização do tempo de serviço repercute-se no escalão ou posição remuneratória de forma faseada, 1/3 por ano até 2021.

Com o presente Projeto de Lei, o PCP apresenta novamente a contabilização de todo o tempo de serviço dos professores e educadores, de modo a que se cumpra integralmente o que foi decidido no OE 2018 e 2019. No entanto, o PCP reafirma que todas as outras carreiras e corpos especiais, como militares, profissionais das forças de segurança, entre outros, têm direito igualmente à contabilização de todo o tempo de serviço trabalhado para efeitos de progressão na carreira.

Apresenta ainda uma proposta que determina que todos os professores que, por pressão do Governo, tenham optado por um ou outro regime (previstos nos Decretos-Leis n.º 36/2019, e 65/2019) possam recuperar em 2020 os 1027 dias e correspondentes efeitos em matéria de progressão e remuneração, evitando ultrapassagens por professores e educadores com menos tempo de serviço.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

  1. O presente diploma define os termos e a forma como se procede à recuperação de todo o tempo de serviço prestado pelos trabalhadores das carreiras, cargos ou categorias integrados em corpos especiais.
  2. Altera ainda o Decreto-Lei n.º 36/2019, de 15 de março.

Artigo 2.º

Progressão na carreira e valorização remuneratória

  1. Relevam, integralmente, para efeitos de progressão na carreira e valorização remuneratória, todo o tempo de serviço efetivamente prestado nas carreiras, cargos ou categorias integradas em corpos especiais, considerando a necessidade do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito.
  2. Para os efeitos previstos no número anterior, a definição do prazo e do modo de concretização da valorização remuneratória resultante da contagem do tempo de serviço das carreiras cargos ou categorias integradas em corpos especiais, tal como previsto no artigo 19.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, é objeto de negociação sindical, com exceção do disposto nos artigos 3.º e 4.º do presente diploma.
  3. No caso de faseamento do pagamento da valorização remuneratória revisto no presente artigo, o mesmo não pode ultrapassar o período máximo de seis anos.

Artigo 3.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 36/2019, de 15 de março

São alterados os artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 36/2019, de 15 de março:

«Artigo 1.º

Objeto e âmbito

  1. O presente diploma define os termos e a forma como se processa a recuperação tempo de serviço prestado em funções docentes num total de 2384 dias.
  2. O presente diploma aplica-se aos docentes abrangidos pelo Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, na redação atual, doravante denominado de Estatuto da Carreira Docente.

Artigo 2.º

Recuperação do tempo de serviço

  1. A recuperação do tempo de serviço previsto no artigo anterior realiza-se através de aditamento de tempo de serviço para efeitos de progressão, nos seguintes termos:
    1. 399 dias a 1 de janeiro de 2020;
    2. 397 dias a 1 de janeiro de 2021;
    3. 397 dias a 1 de janeiro de 2022;
    4. 397 dias a 1 de janeiro de 2023;
    5. 397 dias a 1 de janeiro de 2024;
    6. 397 dias a 1 de janeiro de 2025.
  2. A recuperação do tempo de serviço termina quando o docente já não possua tempo de serviço a ser considerado para efeitos de recuperação ou no final do prazo estabelecido no número anterior.

Artigo 3.º

Regras específicas

  1. O tempo de serviço a recuperar nos termos do presente diploma pode ser utilizado, a requerimento do docente, para efeitos de aposentação, a definir em sede de negociação coletiva, no prazo 6 meses após a publicação do presente diploma.
  2. O tempo de serviço a recuperar de acordo com o previsto no presente diploma pode ainda ser utilizado, a requerimento do docente, para efeitos de dispensa da obtenção de vaga para acesso ao 5.º e 7.º escalões, respeitando o disposto no Estatuto da Carreira Docente.
  3. O período de tempo de serviço previsto no artigo 1.º apenas releva para efeitos do presente diploma quando, cumulativamente:
    1. Tenha sido prestado em estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário na dependência do Ministério da Educação ou em estabelecimentos ou instituições dependentes ou sob tutela de outros ministérios, da Secretaria Regional da Educação da Madeira ou da Secretaria Regional da Educação e da Cultura dos Açores;
    2. Tenha sido prestado com qualificação profissional e avaliado com a menção qualitativa mínima de Bom.
  4. É igualmente considerado o tempo prestado em regime de contrato a termo resolutivo, respeitando as condições previstas no número anterior, para efeitos de posicionamento ao abrigo do número 2 do artigo 36.º do Estatuto da Carreira Docente.»

Artigo 4.º

Aditamento ao Decreto-Lei n.º 36/2019, de 15 de março

São aditados os artigos 5.º e 6.º no Decreto-Lei n.º 36/2019, de 15 de março:

«Artigo 5.º

Progressão

A progressão realiza-se nos termos previstos no Estatuto da Carreira Docente.

Artigo 6.º

Contabilização dos 1027 dias

  1. Os docentes que tenham optado pelos regimes previstos nos Decretos-Lei 36/2019, de 15 de março e n.º 65/2019, de 20 de maio, têm direito além do previsto na presente lei, da contabilização dos 1027 dias e efeitos correspondentes em matéria de progressão e remuneração.
  2. O previsto no presente artigo apenas se aplica aos docentes cujos 1027 dias ainda não foram contabilizados na totalidade para efeitos de progressão e remuneração.»

Artigo 5.º

Norma revogatória

É revogado o artigo 5.º do Decreto-lei n.º 65/2019, de 20 de maio.

Artigo 6.º

Produção de efeitos

A presente lei produz efeitos com a publicação da lei que aprova o Orçamento do Estado para 2020.

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