Intervenção de Miguel Tiago, Mesa Redonda «Energia e recursos na transição energética. Soberania, segurança, ambiente e desenvolvimento»

«A consigna “Portugal é um país pobre” serve apenas o interesse da classe dominante e acumuladora»

Boa tarde camaradas e amigos,

Portugal é, apesar de um território com pequena área, um país rico e diversificado do ponto de vista dos recursos geológicos. O potencial económico dos recursos minerais metálicos e não metálicos, não colocando de lado os hidrocarbonetos, é vasto e não pode, de forma alguma ser descurado ou secundarizado no quadro da definição de uma política de desenvolvimento assente na valorização do trabalho e dos recursos endógenos. 

A actividade mineira e a exploração de rochas ornamentais e materiais de construção têm longa história em Portugal, sendo que, no que toca aos recursos minerais metálicos a opção tem sido a da entrega, por via de concessões, dessas riquezas a empresas privadas – quase sempre estrangeiras – sem que em Portugal fique a grande parte do valor acrescentado que a fileira de cada minério permitiria. 

Os contratos que estão neste momento a ser preparados para a entrega de vastas áreas do território nacional para a exploração de lítio, por exemplo, também não implicam o tratamento do minério em Portugal, pelo que podemos uma vez mais estar perante uma situação de verdadeira predação dos recursos para entrega de uma boa parte do valor potencial a terceiros, sem que as populações e o país retirem as mais-valias possíveis e necessárias. 

O que é importante quando abordamos a questão dos recursos minerais, para a definição de uma política de exploração que se compatibilize e enquadre numa orientação política com vista à construção de uma política patriótica e de esquerda é a capacidade de avaliar o interesse nacional, muitas vezes numa óptica de caso a caso, mas ser capaz de delinear um plano mineiro, um plano de desenvolvimento mineiro que assente numa visão global de colocação destes recursos ao serviço do país, como elementos fundamentais de uma economia que seja inteiramente dirigida pelo interesse nacional e do povo. 

Isto significa que é necessário salvaguardar a utilização dos recursos de acordo com as necessidades do país e não apenas subordinando a entrega de concessões à voragem das “oportunidades de negócio” que, como até aqui, têm retirado do território nacional uma grande parte do minério sob a forma de concentrados, porque nem a transformação é realizada em Portugal. Isso significa que, apesar de ser este país a fonte dos recursos, não é neste país que esses recursos são valorizados até ao seu potencial económico pleno.

São, todavia, várias as questões que se colocam na definição de uma política para os recursos geológicos. Desde logo, a questão da harmonização do desenvolvimento industrial com a natureza e o normal funcionamento da ecologia e das outras actividades humanas. Esta questão, devendo ser abordada sempre à luz do que a tecnologia permite, deve colocar como objectivo central o equilíbrio dos usos em vez de incompatibilizar permanente e de forma insanável a natureza e a actividade mineira. 

Numa visão global, os custos para a natureza de uma extracção de minério do outro lado do planeta, sob regras ambientais desconhecidas, a sua transformação em qualquer outro local do mundo e sua posterior deslocação para Portugal para consumo, podem ser muito superiores do que a extracção próxima, especialmente se esta se traduzir numa criação de verdadeira riqueza para o país e as regiões afectadas. É evidente que esta primeira questão está intimamente ligada à forma como é gerida a extracção e os objectivos que esta prossegue. Uma lavra gananciosa com vista ao saque rápido dos recursos – principalmente dos que pela raridade podem ter um pico de valor de curta duração – no sentido da maximização do lucro do concessionário pode representar uma incompatibilidade total com a envolvente natural e humana. Contudo, uma lavra planificada, dirigida pelo estado e assegurada a sua fiscalização por um sistema científico e tecnológico eficaz e actuante, pode representar a total integração da actividade mineira com a envolvente natural e outros interesses e valores em presença.

Ou seja, o impacto da actividade mineira na natureza não se define de forma independente dos objectivos que prossegue, nem da fiscalização e direcção a que está sujeita. 

Outra das questões que se coloca, até a montante, é a da importância do conhecimento dos recursos disponíveis e o da sua constante avaliação. É determinante que a cartografia geológica do país e o estudo dos recursos à superfície e em profundidade sejam uma actividade constante, dirigida por organismos públicos. O desmembramento do Instituto Geológico e Mineiro e do INETI e a concentração de várias valências no LNEG não contribuíram para a capacitação do estado no que toca à intervenção na área da geologia. Para que o conhecimento sobre os recursos avance é importante que também a prospecção e estudo dos recursos tenham uma fortíssima e preponderante componente pública, sob pena de serem os próprios privados a definir o valor do que se propõem comprar. 

A exploração dos recursos propriamente ditos deve ter em conta a importância estratégica do recurso e a sua forma de exploração, bem como a intensidade da intervenção pública, podem variar em função dessa relevância. Apesar de todos constituírem um recurso público, devem ser consideradas as diferenças evidentes entre, por exemplo, a exploração de calcários para brita ou a exploração de zinco, estanho, chumbo cobre, ouro ou lítio ou mesmo de hidrocarbonetos. Para uma exploração destes recursos sem que a sua extracção constitua apenas a deslocação de recursos naturais para fora do país é determinante que exista em primeiro lugar um forte investimento no sistema científico e tecnológico nacional, quer no âmbito da investigação e desenvolvimento, quer no âmbito das outras actividades de Ciência e Tecnologia (inspecções, medições, calibragens, etc.). Em segundo lugar, é necessária a presença do estado na direcção da exploração e na planificação da exploração – seja a exploração levada a cabo por empresas privadas ou púbicas - através de planos mineiros, à escala regional e nacional. Em terceiro lugar, é necessária a criação de empresas públicas de minas que possuam a capacidade de levar a cabo a exploração de recursos sem dependência de terceiros, à semelhança da Empresa Nacional de Urânio, já extinta. 

A consigna “Portugal é um país pobre” serve apenas o interesse da classe dominante e acumuladora. Se o país não tem recursos, é natural que eles não possam ser distribuídos e que os salários reflictam essa pobreza natural do país, dizem-nos. A geodiversidade e a riqueza geológica do nosso território continental, e também o potencial geotérmico dos açores, demonstram que, pelo contrário, o país tem uma imensa riqueza natural, com minas de nível mundial e jazigos de relevo extraordinário. A abordagem dos sucessivos governos tem-se centrado sempre na negociação de contratos de direitos de exploração, muitos deles, transaccionáveis, sem ritmos de exploração mínimos ou máximos fixados, sem salvaguarda de postos de trabalho e, igualmente grave, sem a construção de mecanismos para que a cadeia de valor fique intacta em território nacional. Os que se revezam no governo vêem nos recursos minerais apenas uma óptima oportunidade de negócio, um novo e gigantesco universo para novas privatizações – à falta de mais empresas para privatizar – e o país fica depauperado ambiental e economicamente sem o devido ressarcimento e sem a necessária industrialização e reactivação da produção nacional. 

No quadro de uma política patriótica e de esquerda, que o PCP defende e propõe, os recursos minerais do país constituem um pilar fundamental do desenvolvimento económico, ao serviço do interesse nacional, como matérias-primas capazes de gerar toda uma cadeia de valor que funcione como um factor de desenvolvimento e de melhoria das condições de vida das populações, quer das que convivem com a actividade extractiva, quer das que nela trabalham, quer das que apenas beneficiarão do seu funcionamento.

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