Intervenção de Luísa Tovar, Mesa Redonda «Energia e recursos na transição energética. Soberania, segurança, ambiente e desenvolvimento»

Energia e usos da água - as hidroeléctricas

Introdução

O potencial hidroeléctrico é um dos mais importantes recursos naturais de Portugal que importa utilizar e a energia gerada num ano não diminui o potencial de geração futuro.

Mas, desde há um século, e excepto num curto período, a exploração hidroeléctrica é um negócio privado, contratado e protegido pelo Estado Português e pelos convénios e acordos entre Portugal e Espanha sobre os rios partilhados.

Ora, a optimização financeira da exploração hidroeléctrica é conflituosa com os outros usos e funções da água – sociais, económicas e ecológicas.

A primazia que os governos portugueses têm dado à maximização da renda das empresas hidroeléctricas, causando danos muito graves aos outros usos e funções da água, tem já consequências alarmantes, cuja face mais evidente é a frequência de secas e períodos de escassez de água absolutamente evitáveis.

Vou só tocar dois pontos, como alerta para um tema que é preciso desenvolver melhor noutra oportunidade:

• a produção em regime de pontas de consumo e a necessidade de modulação dos caudais
• a desproporção do poder, recursos e direitos sobre a água concedidos às empresas hidroeléctricas face a todos os restantes usos e funções da água.

As variações de solicitação e fornecimento de electricidade

O consumo instantâneo de electricidade tem muito grandes variações, horárias e diárias – “horas cheias”, “horas mortas”, “picos”, dias úteis e fins de semana...
O fornecimento tem de responder a estas variações.

A geração eléctrica térmica, nuclear, eólica e fotovoltaica não consegue ajustar-se à grande variação dos “pedidos” na rede.

Sem flexibilidade de geração, tem de se subir a produção na base até cobrir as pontas e é produzida muita electricidade “fora de horas”, que não é utilizada na rede eléctrica e não consegue armazenar.

As hidroeléctricas têm arranque quase instantâneo e podem parar a produção de repente.

Como a mesma quantidade de electricidade tem preços muito diferenciados conforme a hora e dia da semana, os gestores das hidroeléctricas concentram a geração nas horas mais valorizadas, causando grande transtorno do rio.

O rio intermitente

As afluências de água a um sistema hidroeléctrico são muito variáveis. Mas a capacidade de cada turbina é relativamente fixa.

Quando a afluência é inferior à capacidade da turbina, a água é retida na albufeira e a afluência de um dia é turbinada em poucas horas, que se fazem coincidir com os picos de consumo de electricidade na rede eléctrica.

O caudal de dimensionamento das turbinas é sempre para caudais muito mais altos que o afluente médio anual.
O rio passa a ser intermitente a jusante da barragem: está quase seco e parado, às vezes com ilhas, e bruscamente, de imprevisto, surge um violento caudal, que em regime natural raramente ocorria.

Este é um dos efeitos mais ocultados e mais perversos da exploração gananciosa das hidroeléctricas, que prejudica muito todas as outras utilizações e funções da água tornando muito perigoso o uso do rio e das margens.

Além disso, é um desperdício de água, porque a “onda de cheia”, toda por junto, não é tem serventia para a maioria dos usos e funções da água do rio – e faz um curto circuito, precipitando-se no mar.

É evitável; mas não por iniciativa das empresas hidroeléctricas.

• Há soluções técnicas para minimizar estes enormes impactes no rio, nomeadamente a obrigatoriedade de modulação dos caudais turbinados com uma barragem mais pequena a jusante, um “contra-embalse”. A água é turbinada para o “contra-embalse” que a armazena e devolve ao rio em caudal constante.
• O “contra-embalse” proporciona uma optimização da produção eléctrica se o sistema for dotado de turbinas reversíveis. a mesma água pode ser turbinada sucessivamente, bombando-a do “contra-embalse” para a albufeira principal com os excedentes energéticos de outras fontes, e re-turbinando-a nas picos de consumo.
• Albufeiras - É uma falácia apresentar o armazenamento em albufeiras concessionadas a empresas hidroeléctricas como reservas para outros usos
• Conflito com outros usos e funções da água - São deliberadamente escamoteadas as incompatibilidades entre o uso hidroeléctrico e outros usos e funções da água, a pretexto de ser alegadamente um uso “não consumptivo” e “não poluente”, Não é verdade.

Política da água

O principal obstáculo à conciliação da exploração hidroeléctrica com os outros usos e funções da água é a primazia absoluta e privilégio que o Estado dá à maximização da renda das grandes empresas hidroeléctricas, em simultâneo com o desleixo criminoso a que são votados todos os outros usos e funções sociais, económicas e ecológicas da água e a protecção dos recursos hídricos.

Assim:
• Os aquíferos subterrâneos são sobre explorados e degradados sem gestão nem controlo.
• Alqueva esperou mais de 50 anos para ser construída
• Portugal enfrenta sucessivas situações de seca e escassez de água com custos e sacrifícios suportados pela maioria da população.
• A maior parte das águas superficiais e da capacidade de armazenamento “pertencem”, por concessão, às grandes hidroléctricas privadas.

Conclusões

A geração hidroeléctrica tem enorme importância económica e um papel chave na produção eléctrica, sobretudo em associação com outras formas de geração, pela faculdade de armazenar energia e disponibilizá-la quando requerida na rede eléctrica.

Mas os empreendimentos hidroeléctricos, no regime de exploração actual, são muito conflituosos com os outros usos e funções da água, contribuem para uma degradação dos recursos hídricos, e em particular um desperdício brutal de água, que para o mar mandam sem ter cumprido as outras funções do seu ciclo terreste.
É prioritário impor a modulação de caudais descarregados, a instalação de turbinas reversíveis ao invés de turbinas nos contra-embalses.
A afectação de água e constituição de albufeiras inter-anuais para assegurar os outros usos e funções da água é muito prioritária sobre novos empreendimentos hidroeléctricos.

A água não pode ser gerida por critérios financeiros. Os usos mais importantes e vitais da água não são traduzíveis em montantes monetários.
O petróleo vale muito dinheiro ... mas se corresse petróleo nos rios, morríamos todos ...

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