Intervenção de Agostinho Lopes, Responsável pela Comissão para os Assuntos Económicos do PCP, Sessão Pública «Do pelotão da frente à cauda da Europa: Mitos e realidades - Soluções para um Portugal com futuro»

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Tenho de constatar que vou adiantado na idade. Ainda sou do tempo em que se falava dos tigres asiáticos como o modelo a seguir por Portugal. Mas depois veio o Tigre Celta, que amansou na crise do SubPrime de 2008 para logo renascer...a que seguiram os tigres bálticos, que ainda não estão fora de moda. Contudo, agora, a estrela é a Roménia.

A história dos tigres é o resultado da criação de um campeonato/ranking dos PIB/Capita, procurando avaliar/identificar a evolução comparada das economias dos países, dando-lhe uma visibilidade simplista, atiçando uma competição desportiva-económica fácil de apreender, escondendo as dificuldades metodológicas do seu uso, falsificando mesmo o seu uso. Alguns na aplicação do método vão até à Revolução Liberal de 1820…

Mas toda a gente percebe este campeonato, uns vão à frente, outros descem de divisão. Uns sobem e outros descem.

É assim que depois de estarmos no Pelotão da frente da UE – era assim que se sinalizava o objectivo da nossa pertença ao euro desde a sua fundação – fomos sucessivamente ultrapassados por vários competidores, o tigre celta, os tigres bálticos e agora os tigres romenos...até ficarmos na cauda da Europa, condenados a sermos ultrapassados pela Bulgária (calcule-se!) possivelmente à espera do carro vassoura...

O espantoso é que esta prática seja teorizada por gente que aparentemente dá lições de economia em universidades.

Registe-se a formulação: «O PIB tornou-se, na prática a métrica de avaliação de performance da qualidade dos governos.» («Ainda o PIB da Roménia», J Borges de Assunção, Prof da Universidade Católica, J Negócios 02DEZ23). Professor que não resiste a tirar a «moral da história» da sua fábula: «Talvez a Roménia possa servir de exemplo aos nossos governantes (aprende Costa!) sobre como melhorar a governação do país usando como critério o bem comum e não o serviço de qualquer construção ideológica ou apenas dos eleitores que votam no partido que tem força para formar governo.» Notável… Pobres alunos!

O espantoso é que esta gente não resiste, para suportar as suas opiniões político-ideológicas, aos maiores contorcionismos, inclusive da «ciência» que supostamente deviam servir…

Assim, os adeptos deste estranho campeonato recorrem generalizadamente a outras habilidades metodológicas/ «estatísticas», para que os números confessem os seus crimes.

Provavelmente o mais significativo é o esquecimento da evolução da população! O indicador PIB/Capita é um rácio, o PIB sobre a População, naturalmente para permitir comparar a avaliação da riqueza produzida num ano por cada país! Ou seja, o PIB/Capita evolui em função da evolução de qualquer dos termos do rácio. O PIB/Capita pode crescer porque sobe o PIB ou porque se reduz a população. Podendo mesmo verificar-se uma subida do Rácio com uma descida do valor absoluto do PIB! Nada disto consta das preocupações dos adeptos do campeonato. Por exemplo no caso dos países bálticos e da Roménia o que se pode dizer: «A população da Europa Oriental vem encolhendo como nenhuma outra população regional na história moderna» «Pelo menos 11 países encolheram mais de 10% em termos do seu tamanho populacional desde 1989, incluindo Bulgária, Roménia (...). A Letónia perdeu mais de um quarto da sua população (27%), Lituânia 23% (…).». E segundo a ONU vão continuara a perder a grande velocidade...(1)

Outro «esquecimento» é alguma reflexão sobre a evolução do PIB/Capita de países com um trajecto semelhante ao português na UE e ZE, para depois nos explicarem porque é que alguns desses mesmos países, aplicando as receitas neoliberais dos «tigres», tem comportamentos semelhantes ao português no campeonato! Por exemplo o que está a suceder na Grécia e em Espanha?

No Expresso Economia de 25NOV22, sob o título «Riqueza: Roménia ultrapassa Portugal no PIB per capita já em 2024», é transcrito um Ranking elaborado pela UE para 2020 e a projecção para 2024. Portugal desce 5 lugares, da posição 15ª para 20ª; a Espanha desce os mesmos 5 lugares, da posição 12ª para a 17ª; a Grécia desce da 14ª para a 26ª, perde 12 lugares, isto é Portugal melhora a sua posição relativa à Grécia, ficando à sua frente 6 lugares! E a Itália desce de 9ª para 12ª, perde 3 lugares. Que conclusões tiram os professores destas evoluções? A Grécia e a França e a Itália, estão ou estiveram debaixo de um Governo «socialista» ou como, de forma preciosa, escreveu Luís Todo Bom «um Governo socialista, de matriz comunista, onde a extrema esquerda dita as regras do seu posicionamento estratégico (...)» (Expresso, 04JUN21). Registe-se que a notícia do Expresso, não esqueceu que a «Roménia perde população», mas depois tal facto não conta para o título do artigo!

No caso da Irlanda basta olhar os indicadores macroeconómicos. Será que a Irlanda está mesmo numa «posição invejável em termos de sucesso económico», medido pelo PIB/Capita em PPA?.

Segundo o INE (2021) o PIB/capita em PPA em 2021 da Irlanda era 70.858. O de Portugal 24.347. Ou seja aquela gente estava cheia de razão… não fosse aquele PIB/capita irlandês ser uma “fraude”! Repare-se nisto: o PIB/capita irlandês é também superior ao francês (38.982), ao holandês (42.056), e mesmo ao alemão, 38.982!!! Só é mesmo ultrapassado na Zona Euro e na UE pelo Luxemburgo, 87.058! Alguém acredita no valor do PIB irlandês?

Mas a cegueira ideológica neoliberal selecciona o que se ver, para só ver o que queremos exibir. A Irlanda tem uma notável especificidade económica que aliás explica em grande medida a evolução recente da sua economia. Dessa forte especificidade, faz parte a instalação na Ilha de um forte contingente de multinacionais de base EUA, que se servem da Irlanda como plataforma para entrada no Reino Unido e na Europa. Ou seja a «estatística» irlandesa, está fortemente «deformada» pelos «preços de transferência» e produção falsamente contabilizada como produzida na Irlanda, a que tanto obriga/determina a sua condição de paraíso fiscal! O seja o PIB irlandês, não é de fiar!!!

Para esclarecimentos adicionais, todos os amigos do tigre celta podiam ter lido o pequeno Estudo da insuspeita OCDE «Irish GDP up by 26,3% in 2015» (Paris, Outubro 2016), onde se questiona se «Pode o PIB reflectir adequadamente a actividade económica?» (e a resposta é negativa) e se afirma que o «O PIB não é um indicador do bem estar material de um país». E depois o texto evidencia como é deformado o PIB da Irlanda. Uma curta citação: «A principal razão para o particularmente elevado crescimento do PIB reside no facto de nos anos recentes ter atraído, em grande parte pela baixa taxa fiscal sobre as empresas, um elevado nº de grandes empresas multinacionais, que relocalizaram as suas actividades económicas e mais especificamente o registo das suas patentes na Irlanda. Como resultado, as vendas (da produção) geradas pelo uso das patentes agora contribuem bastante mais para o PIB irlandês do que para os PIB de outros países. Dada a dimensão destas companhias, o impacto no crescimento do PIB foi, em correspondência, elevado.»

Os títulos na imprensa de comentadores e articulistas da evolução do PIB/Capita português foram e são elucidativos: «Retrato de um país ameaçado pelo marasmo»; «Portugal, pedala, pedala, e não sai do sítio»; «Causas da nossa decadência»; «História de um país pobre que se tornou um pobre país»; A conclusão da Sedes: «É infelizmente necessário constatar que, em termos de desenvolvimento económico e social, os últimos 22 anos se saldaram por um rotundo fracasso», etc., etc. A controvérsia não é certamente com as «conclusões» inscritas nos títulos. Mas há um surpreendente «esquecimento».

Aparentemente não passa pela cabeça dos analistas que nesse período de tempo, as duas primeiras décadas do século, a economia portuguesa é definitiva e estruturalmente marcada pela adesão ao euro e tudo o que a pertença à Zona Euro arrastou, nomeadamente em termos de gestão orçamental e investimento público. A que se deve acrescentar as consequências da chamada Estratégia de Lisboa (2000) e os seus sucedâneos, com um carrossel de liberalizações e privatizações, uma financeirização brutal, e consequências dramáticas nos sectores produtivos, como foi a desindustrialização.

O esquecimento continua presente quando na referência aos países bálticos e à Roménia não enxergam que uns estão no euro e outros como a Roménia fora do euro! Aparentemente, estar ou não estar no Euro não tem qualquer importância!

O problema devemos dizê-lo, não é se se é/foi a favor ou contra a adesão do país ao Euro! Ou estando, como estamos no Euro, se devemos ou não, abrir caminho à saída! O que impressiona, é que o verdadeiro ponto de ruptura na economia nacional que representou a adesão ao euro, não ter qualquer lugar na reflexão dessa gente. Pode até pensar-se que foi uma boa decisão. O que não é possível é reflectir sobre a economia portuguesa e a sua evolução não tendo em conta a ruptura no ordenamento monetário, financeiro e económico do país e da intervenção do governo, nomeadamente da gestão orçamental, que significou a entrada no euro em 2000! No fundo deviam responder à questão: como foi que a mais valia de estar no Pelotão da Frente dos Fundadores do Euro se transfigurou na cauda da Europa!

Todos concentram as responsabilidades da situação em que nos encontramos, não em mais de quatro décadas de políticas de direita do PS, PSD, CDS, particularmente as que geriram os 20 anos deste século, (caso da adesão ao euro), mas na paralisia dos Governo PS peado no ímpeto reformista, primeiro pelas «alianças» à esquerda e depois não se sabe bem porquê! Mas não avançou e pretende avançar o PS na concretização das velhas e conhecidas, e nunca assaz louvadas, «reformas estruturais»? De facto na agenda continua a maior liberalização da legislação laboral e redução do peso do Estado, o assalto à Segurança Social, a destruição do SNS e da Escola Pública e privatização de serviços públicos. Sem nunca esquecer: mais dinheiro dos fundos comunitários para o grande capital...Tudo em nome das «contas certas»!

As soluções publicitadas para acabar com a estagnação económica do país, são exactamente a reprodução em versão agravada das políticas que aqui nos conduziram. É extraordinário que não dêem por tal… e repetem, repetem em diversas escalas e tons, o que dizem há anos.

Há como sabemos alternativas à esquerda. Necessário se torna construir a alternativa política para romper com a política de direita.

(1) M Roberts, 17MAR22

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