Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP, Sessão Publica «Combater a especulação. Aumentar o investimento público. Mais intervenção pública no mercado de arrendamento»

Combater a especulação. Aumentar o investimento público. Mais intervenção pública no mercado de arrendamento

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Quero antes de mais agradecer a vossa presença nesta Sessão Pública centrada nos graves problemas da habitação, bem como todos os contributos que aqui vieram, resultado da vossa importante e útil reflexão sobre a realidade do País neste domínio bem como sobre as soluções para os debelar.

Em matéria de habitação os problemas dos portugueses têm vindo a agravar-se, atingindo os sectores mais carenciados e, em particular, as novas gerações de trabalhadores.

Como aqui se evidenciou a questão do acesso a uma habitação com dignidade e conforto continua a adiar-se no nosso País e a perspectiva de uma solução permanece longe com as actuais políticas.

A realidade que aqui foi revelada, confirma-o.

Um exponencial aumento do preço das rendas, incompatível com os salários e rendimentos de vasto leque da população trabalhadora. Foi sempre em crescendo nos últimos dez anos, com os preços da habitação agravados acima dos 60% e no mesmo período o preço das rendas cresceu 25,1%. Há famílias a viver em quartos, gente que volta para casa dos pais, idosos que deixaram de ter habitação autónoma, jovens que querem, mas não podem, ter uma vida independente em casa própria. Na verdade, os jovens estão entre os que mais sofrem com a especulação em torno da habitação: a percentagem de jovens a viver em casa dos pais tem vindo a aumentar de forma sustentada, atingindo os 64% em 2018.

Mantêm-se um elevado número de fogos sem condições de habitabilidade e falta de apoio à sua reabilitação. Isso é muito evidente, em particular nas áreas metropolitanas.

Um regime de arrendamento que privilegia os despejos e a precariedade. Há gente que continua a ser despejada com a cobertura da lei ou pela especulação imobiliária.

Expulsão dos centros urbanos das populações com a aquisição da habitação pelo mercado estrangeiro e pelos ricos, num processo de gentrificação crescente desses territórios. Expulsam-se milhares de famílias das zonas mais nobres das cidades, empurrando-as para cada vez mais longe - descaracterizando essas zonas, aumentando a carga sobre as redes viárias e de transportes -, ou condenando-as a cada vez piores condições de habitabilidade e de privacidade.
Depois temos a outra realidade da predominância de habitação própria, endividada à Banca, agora a enfrentar, ela também, a perspectiva de um agravamento das taxas de juro, num momento em que cada vez sobra menos salário em cada mês para pagar os custos de uma habitação e a inflação continua a aumentar para níveis insuportáveis.

Falta resposta do Estado no realojamento de milhares de famílias em total carência de habitação e onde está presente uma muito diminuta oferta de habitação pública para arrendamento.

Apesar da aprovação da Lei de Bases da Habitação, em 2019 – processo em que o PCP deu o seu contributo decisivo – o que esta realidade que aqui veio mostra bem é que está quase tudo por cumprir.

É inegável a existência de grave carência de habitação no País. É igualmente inegável que a superação desta carência exige medidas específicas nas áreas das políticas de solos, da habitação e da reabilitação do edificado. Não é, no entanto, possível ignorar que a carência de habitação tem raízes bem mais profundas que radicam na estrutura social e económica do País.

A carência de habitação resulta de políticas laborais, dos baixos salários e pensões, da precariedade e da desregulamentação das relações laborais.

Portugal ocupa, entre os países da OCDE e para dados do quarto trimestre de 2021, o primeiro lugar no rácio que relaciona a subida dos preços da habitação com o aumento de salários, tendo o preço das casas subido 31% acima dos salários.

Toda uma evolução preocupante que é o resultado das opções políticas de anos e anos de governos de política de direita. Política que nesta matéria prosseguiu com os Governos minoritários do PS e que o actual está longe de superar, como evidencia o seu último Programa Eleitoral, que adia para as calendas a resolução deste problema, e as suas propostas do Orçamento do Estado de 2022.

Na verdade, pouco ou nada se tem feito para conter a especulação imobiliária, deixando as pessoas à mercê dos negócios e o direito à habitação abandonado à lógica dos fundos de investimento e do capital financeiro ou da dominação da utilização turística.

Como pouco ou nada se fez na produção de habitação pública, é escandaloso que no nosso País a habitação pública seja apenas 2% do total da oferta de habitação, percentagem muito inferior a outros países europeus, que chegam a ter nalguns casos cerca de 20%.

Foi para dar, no imediato, passos na solução de problemas que exigem solução premente que o PCP vai avançar com um conjunto de propostas a considerar no actual Orçamento do Estado ainda em discussão, nomeadamente as propostas de:

Alteração ao Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) levando à extinção do ”balcão dos despejos” e estabelecimento de um período mínimo de dez anos de duração dos contratos;

Regime extraordinário de protecção dos arrendatários e com a criação de apoio extraordinário ao pagamento de rendas;
Limitar aos regimes de renda apoiada ou condicionada, a transferência de habitações do Estado para municípios ou instituições do sector social;

Garantir, aos municípios, o direito de preferência sobre habitações penhoradas em processo de execução fiscal, com vista a alargar a oferta pública de habitação;

Estabelecer medidas para o Apoio à Produção de Habitação Privada Sem Fins Lucrativos, visando o desenvolvimento do movimento cooperativo habitacional e o envolvimento de associações de moradores.

A habitação não pode ser um activo para compor carteiras de fundos de investimento ou usar em negócios especulativos. A habitação é um direito e um direito essencial à vida humana e à vida em sociedade. Por isso precisa de uma política que o ponha no topo das prioridades.

É preciso investimento nesta área, que não pode ficar apenas dependente de fundos da União Europeia e precisa de uma forte componente do Orçamento do Estado.

Sim, importa, no Orçamento do Estado, garantir verbas, para além das provenientes do PRR, capazes de alavancar um efectivo programa de promoção pública de habitação nos regimes de renda apoiada e de renda condicionada.

Precisamos de habitação pública, certamente, para realojar quem vive em condições precárias, mas igualmente para dar resposta a muitos milhares de famílias de trabalhadores, a jovens e menos jovens, a custos acessíveis para o seu nível de rendimento, o que contribuirá igualmente para regular um mercado fortemente marcado pela especulação imobiliária.

Os portugueses não podem ficar à mercê da chamada Nova Geração de Políticas de Habitação que, no essencial, procura passar para o Poder Local e para o chamado sector social a responsabilidade pela resolução dos problemas de quem não tem acesso ao chamado mercado, deixando para o Estado os programas da chamada renda acessível a que os baixos rendimentos não permitem aceder.

Não basta mitigar, não chegam medidas pontuais ou designações atractivas que, na essência, não mexem com os interesses económicos e financeiros instalados e continuam a favorecer os grandes proprietários que tomaram conta do mercado imobiliário.

O Governo maioritário do PS não pode continuar a adiar o que há muito devia ser feito, revogar a lei dos despejos, assegurar estabilidade no arrendamento, garantir que as rendas são compatíveis com os rendimentos disponíveis dos trabalhadores.

Não basta reconhecer, como se reconhece, os malefícios da financeirização do mercado da habitação ou as actuais políticas públicas de habitação como incipientes e inconsistentes ou ainda o desinvestimento do Estado na promoção habitacional e o destacado papel atribuído ao mercado.

O anterior Governo começou por definir como objectivo, até 2026, aumentar o “peso” da habitação pública de 2% para 5%. Isto significaria construir ou reabilitar cerca de 170 mil fogos. Agora fica-se na melhor das perspectivas, pelos 26 mil até 2026. E estes financiados em grande parte pelo PRR. Ficarão cerca de 100 mil famílias em situação de carência de habitação.

É preciso definir políticas que possam levar a inverter estas situações e essas não se vêem.

É preciso romper os bloqueios impostos pelas políticas de direita, concretizada seja pela mão do PS, seja pelas do PSD e seus sucedâneos.

Lutar contra a especulação significa tomar posição por um dos lados na contradição entre a dinâmica dos agentes do capital financeiro, na sua vertente imobiliária, e os interesses da população carenciada de habitação.

Só o Estado, cumprindo os imperativos constitucionais e da Lei de Bases da Habitação, pode, através da promoção pública de habitação e de acção regulamentadora do mercado privado, obstar à crise da carência de habitação.

Importa defender, regulamentando-o e garantindo o seu funcionamento, o arrendamento urbano.

Importa apoiar, com iniciativa pública, a promoção privada de habitação, para arrendamento, sem fins lucrativos, quer relançando o movimento cooperativo habitacional quer apoiando associações de moradores com esta finalidade.

Importa incentivar a reabilitação das habitações devolutas. Serão mais de 700 mil no País, sendo que Portugal é o País da OCDE com mais habitações por habitante. Servem, sobretudo nas grandes áreas urbanas, para a realização de mais-valias especulativas e, muitas delas, com um mínimo de investimento, poderão servir à sua função social. Neste sentido importa legislar possibilitando a posse administrativa de habitações devolutas em áreas de carência habitacional e onde não existam habitações do parque público, bem como a expropriação de fogos devolutos aquando de situações de emergência e catástrofes.

Importa, a exemplo do que já está legislado para as penhoras ao fisco, legislar a não execução de penhora da habitação, quando esta seja de habitação própria e permanente, nos casos de execução judicial de créditos. Medida tão mais importante e urgente quanto é conhecido o previsível aumento exponencial dos juros ligados ao crédito á habitação.

Importa dar ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), descapitalizado de meios financeiros e humanos por largos anos de indigência do Estado nas políticas de habitação, os meios necessários para se assumir, no quadro da Lei de Bases da Habitação, como efectivo organismo central de toda a intervenção pública na resposta à carência de habitação.

Importa dar ao Estado capacidade para se constituir como grande promotor imobiliário público, para as políticas de construção e reabilitação da habitação.

A habitação é um bem fundamental para suprir necessidades básicas das pessoas e dar estabilidade à vida das famílias.

Na luta por assegurar a todos esse direito, as populações podem contar com o activo empenhamento do PCP.

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