Projecto de Lei N.º 522/XV/1.ª

Carta de aptidão para a cultura de cereais, promoção da produção de cereais e acompanhamento da Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais

Exposição de Motivos

A falta de capacidade interna em suprir, em níveis razoáveis, as necessidades de bens alimentares, deixa o país sem mecanismos eficazes para combater a especulação dos preços dos alimentos e para garantir o direito de todos à alimentação.

Como o PCP tem vindo a afirmar, as dificuldades que atravessa o sector agrícola e agro-pecuário nacional, em particular os sectores da pequena e média produção, ficam bem patentes no registo da perda de 15,5 mil explorações agrícolas nos últimos 10 anos e do aumento em 13 % da área média das explorações.

A par da liquidação das explorações agrícolas, regista-se um decréscimo de 12 % de terras aráveis, com redução da área de produção de cereais para grão e com aumento de 24 % da área reservada a culturas permanentes e de 14 % da área de pastagens.

No atual quadro de crise, continuam a faltar estratégias e medidas concretas para combater o abandono das atividades agrícolas e agropecuárias, para incentivar a produção nacional de bens alimentares essenciais, com destaque para o sector dos cereais.

O crescente aumento dos preços dos bens alimentares no consumidor e o aumento dos custos dos meios de produção na agricultura, contribuem para um maior desequilíbrio da balança comercial associada aos bens alimentares.

Os dados mais recentes em termos de grau de autoaprovisionamento relativos ao período 2020/2021 evidenciam a dependência alimentar do País, em especial no que respeita a cereais (num total global de 19,4%), sendo o trigo aquele que apresenta valores mais preocupantes - grau de autoaprovisionamento de 6,4 %. Esta situação deixa Portugal numa situação particularmente frágil, que se tem materializado no aumento do custo de bens alimentares essenciais, nomeadamente o pão, que entre dezembro de 2021 e dezembro de 2022 aumentou mais de 23 pontos o Índice Harmonizado de Preços no Consumidor.

Os dados mais recentes em matéria de balança comercial de bens alimentares mostram que, entre janeiro e novembro de 2022, o país apresenta um défice de cerca de 1,9 milhões de toneladas de milho e 1 milhão de toneladas de trigo, que em termos económicos se traduz num défice de cerca de 588 milhões de euros correspondem a milho e 377 milhões de euros a trigo.

O Governo, face a esta preocupante situação, veio publicitar a retoma da Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais, aprovada em julho de 2018 Ministério da Agricultura, transpondo as metas de 2018, para novos prazos alargados. De acordo com o Governo, o objetivo subjacente será o de aumentar o autoaprovisionamento dos cereais para 38% até 2027.

Porém, a realidade mostra uma vez mais que estas metas estarão longe de se atingir, com os dados previstos da produtividade agrícola a mostrarem que 2022 terá tido uma das piores campanhas de cereais dos últimos anos, continuando a não se perspetivar um aumento da área agrícola ocupada com culturas cerealíferas.

Sendo certo que a resposta ao grave problema que está colocado não se resolve apenas com anúncios e intensões, torna-se necessário implementar medidas concretas capazes de recuperar a produção nacional de cereais, com particular destaque para as variedades autóctones.

O PCP, em diversos momentos, e designadamente no âmbito da discussão na especialidade do OE2023, apresentou propostas para incentivar a produção agrícola de cereais, que infelizmente não foram aprovadas.

Contudo, não deixando de intervir nesta matéria de elevada importância para o País, o PCP apresenta agora uma iniciativa legislativa que pretende por um lado garantir proteção aos solos com boa aptidão agrícola para a produção de cereais, promover a produção de cereais e garantir o seguimento, no concreto, do que vai sendo posto em prática no âmbito da Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei visa a realização do cadastro nacional de solos com especial aptidão para a produção de cereais, a promoção da produção de cereais, e a definição de medidas para acompanhamento da execução da Estratégia Nacional para a Promoção da produção de Cereais.

Artigo 2.º

Cadastro nacional de solos com especial aptidão para a produção de cereais

  1. Em 2023 é elaborada, para cada região agrária, a carta de aptidão agrícola do solo para a produção de cereais, baseada no reconhecimento dos solos e das características edafoclimáticas no território abrangido e dos dados de produtividade conhecidos.
  2. A elaboração da carta de aptidão agrícola do solo para a produção de cereais é da responsabilidade da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR).
  3. As áreas identificadas como de boa aptidão agrícola para a produção de cereais, em especial o trigo e o milho, são integradas no regime da Reserva Agrícola Nacional (RAN), sendo sujeitas a condicionantes especiais relativamente a usos não agrícolas ou à instalação de culturas em regime superintensivo.
  4. A utilização dos solos com boa aptidão agrícola para a produção de cereais, para outros fins que não seja a produção de cereais fica sujeita a parecer favorável da Direção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) competente.

Artigo 3.º

Promoção da produção de cereais

  1. Compete ao Governo lançar uma campanha publicitária institucional, divulgada nos meios de comunicação social audiovisuais, destinada a promover a produção de cereais, informando sobre os apoios disponíveis dedicados à produção cerealífera e regime de acesso aos mesmos.
  2. Compete igualmente ao Governo assegurar a criação de equipas técnicas, inseridas nas estruturas regionais do Ministério da Agricultura e da Alimentação, dedicadas a prestar apoio técnico aos agricultores no âmbito da promoção da produção de cereais, tendo em vista o aumento da superfície cultivada com estas espécies.

Artigo 4.º

Procedimentos

  1. O pedido de parecer para a utilização de solos com boa aptidão agrícola para a produção de cereais, para fim distinto da produção de cereais, é efetuado em formulário próprio a disponibilizar nos domínios das DRAP e enviado à Entidade Regional da Reserva Agrícola (ERRA) da região competente, definida de acordo com os artigos 30.º e 33.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 199/2015, de 16 de setembro.
  2. Após a receção do pedido de parecer, a ERRA da região competente emite a sua decisão no prazo máximo de 30 dias.

Artigo 5.º

Monitorização e acompanhamento da Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais

  1. O Governo, através do Ministério da Agricultura e da Alimentação, promove a realização de relatórios semestrais de acompanhamento e monitorização da execução da Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais, evidenciando as medidas implementadas, os objetivos previstos e os resultados alcançados em cada semestre.
  2. O Governo através do Ministério da Agricultura e da Alimentação, remete semestralmente à Assembleia da República, o relatório que integre a informação relativa à monitorização e seguimento referido no número anterior, bem como dos incentivos e apoios atribuídos no âmbito da produção de cereais.

Artigo 6.º

Regulamentação

Compete ao Governo, no prazo de 60 dias, aprovar a regulamentação necessária à execução da presente lei.

Artigo 7.º

Entrada em vigor

A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

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