Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Bernardino Soares «É preciso que as populações e os profissionais lutem pela defesa do SNS.»

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Interpelação centrada na política de saúde
Interpelação n.º 1/XII/1.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr. Ministro da Saúde,
Tínhamos marcado uma interpelação com o Ministro da Saúde mas, ouvindo o seu discurso, parece que nos saiu o Ministro das Finanças.
E isso diz bem da política de saúde deste Governo.
Trata-se de uma política e de um Ministro totalmente orientados para cortar na saúde e nada orientados para promover os ganhos em saúde, para melhorar a acessibilidade das
populações.
Diz o Sr. Ministro que se deve reformar o acessório, eliminar o redundante — palavras vagas, com as quais estamos todos de acordo. Mas, diga-nos, Sr. Ministro: despedir 50 enfermeiros nos centros de saúde de Lisboa nas últimas semanas é eliminar o acessório ou reformar o
redundante?
Diga-nos: quando, no Hospital de Torres Vedras, que já diminuiu despesa do ano passado para este ano, se propõe que, para uma despesa prevista de 43 milhões de euros, o orçamento seja de 30 milhões de euros, estamos a eliminar o redundante ou a reformar o acessório?
Quando as pessoas não têm acesso aos medicamentos, porque os senhores mantêm uma política — que,
é certo, vem do governo anterior — de diminuição das comparticipações, que se fez nos últimos meses e que já rendeu ao Estado (e custou mais aos utentes) cerca de 200 milhões de euros, estamos a fazer o quê?!
Estamos a reformar o acessório ou a eliminar o redundante?
Diz o Sr. Ministro que é insustentável que o SNS continue com as dívidas que tem. Tem razão! Mas sabe porque é que essas dívidas existem? Porque sucessivos governos subfinanciaram as unidade de saúde, transferiram menos dinheiro do que sabiam que era necessário para elas funcionarem, e é o que o senhor quer fazer também! Só há duas maneiras de resolver esse problema: ou dar o dinheiro que é necessário, gerindo bem esse dinheiro; ou, então, cortar cegamente, e isso significará encerramento de serviços e não atendimento das populações.
O Sr. Ministro fala da sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. Pergunto-lhe se é sustentável cortar milhões e milhões nos hospitais públicos e fazer acordos com o Grupo Mello, sucessivos acordos e alargamento de acordos, atribuindo dinheiro público da ADSE, que financia e sustenta financeiramente essas unidades privadas de saúde, como o Sr. Ministro bem sabe e como o Governo bem sabe.
Para os hospitais públicos, não há dinheiro; para os hospitais privados, aumenta o dinheiro a transferir!
Diga-nos quanto foi pago a esses hospitais privados nos últimos anos e quanto vai ser pago em 2012.
Finalmente, quanto às taxas moderadoras, diga-nos, Sr. Ministro: quanto vão aumentar as taxas
moderadoras? Quantos actos mais que hoje não estão sujeitos a cobrança vão ser incluídos na lista das taxas moderadoras? Diga-nos ainda se é verdade que elas vão aumentar a 1 de Dezembro e que aumentarão de novo a 1 de Janeiro, com a actualização da inflação.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Justificou-se plenamente esta interpelação. Foi a primeira interpelação desta Legislatura e justificou-se porque o ataque ao Serviço Nacional de Saúde está no centro da política do Governo. Como está no centro da política do Governo transferir funções do Estado nesta área para o sector privado, sobretudo acompanhadas de financiamento público.
O Governo não encara a saúde como um investimento não só na vida das pessoas, mas na economia, pelo aumento da produtividade, das condições de vida e de trabalho. O Governo tem a perspectiva dos privados: vê a questão como despesa causada pela doença, tal como os privados vêem na doença a oportunidade do lucro. Em vez disso, o Governo devia ver a política deste sector como centrada na promoção da saúde, o que é, aliás, económica e financeiramente mais vantajosa a prazo.
Há três questões fundamentais na política do Governo para a saúde: cortar de forma cega nos serviços de saúde, pôr a população a pagar cada vez mais directamente e favorecer o sector privado.
Argumenta o Governo com a melhoria da eficiência e o combate ao desperdício para suportar os cortes. A questão é que o Governo não está a promover a eficiência, está só a aplicar os cortes.
E já não há espaço para mais cortes. Cada restrição tem um efeito directo na diminuição do direito à saúde.
Traduz-se em encerramentos, em horários reduzidos, em falta de profissionais, em corte de valências, na dificuldade de acesso aos exames e aos tratamentos, na quebra da qualidade, no condicionamento do exercício profissional.
O que o Governo tem que dizer é quais são os hospitais, os serviços e os centros de saúde que vai encerrar em 2012 com esta política de cortes cegos.
Diz o Sr. Ministro que não se olha pela causa pública sem olhar a números. Sr. Ministro o que não se pode é olhar para os números sem olhar às consequências para as pessoas que precisam dos cuidados de saúde.
As pessoas não são acessórias, as pessoas não são redundantes.
Quando se corta no SNS, isso significa que os que têm dinheiro continuam a ter todos os direitos, porque podem comprá-los no privado, e os que não têm dinheiro só têm acesso àquilo que restar no SNS, nas condições que existirem. É por isso que o SNS tem de ser universal, geral e gratuito, porque para o pobre ter acesso à saúde é preciso que o rico também o tenha. Só assim se garante a saúde para todos.
O combate ao desperdício é um álibi para cortar na capacidade dos serviços e assim no direito à saúde. E verdadeiramente o Governo não o quer fazer, porque corta nos hospitais públicos e, ao mesmo tempo, assina novos acordos para financiar hospitais privados e entrega chorudas parcerias público-privadas aos principais grupos económicos do sector.
O Governo favorece os hospitais privados. Favorece-os quando mantém as PPP. Justifica a manutenção do contrato com o Grupo Mello, em Braga, com o espantoso argumento de que é mais fiscalizado do que as unidades públicas. Diz que temos de ter cuidado com os investimentos, com o reforço dos serviços, porque o dinheiro é dos contribuintes. Mas, Sr. Ministro, o dinheiro para o Grupo Mello, em Braga, não é dos contribuintes? Quando se trata da sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde já não conta o dinheiro que vai para o Grupo Mello, em Braga?
O Sr. Ministro não respondeu verdadeiramente à questão das transferências do Orçamento do Estado para os hospitais privados, mas ainda pode responder na última intervenção. Há anos que andamos a perguntar e nenhum governo responde. Apesar de tudo, o Sr. Ministro deu uma referência: será menos do que a despesa da ARS Centro. Ora, a verba da ARS Centro é de 621 milhões de euros. Vamos imaginar que a entrega ao privado é de 600 milhões de euros, e o Sr. Ministro desmentirá se não for assim. Se assim for, isso corresponde a 8% do total do orçamento do Serviço Nacional de Saúde. São milhões que faltam nos hospitais públicos, nos centros de saúde públicos e são entregues aos hospitais privados.
E o mais extraordinário é que o Sr. Ministro disse aqui que escandalosa não era a verba para os hospitais privados, mas, sim, a verba para os serviços públicos.
É o preconceito contra os serviços públicos que anima este Governo!
Dizem frequentemente os defensores desta política que mais dinheiro não significa melhores serviços, e é verdade que pode ser assim. Mas o que isso não significa é que menos dinheiro não constitua piores serviços, como está a acontecer por todo o País.
Durante anos, os governos impediram os hospitais e centros de saúde de contratar para os seus quadros os profissionais de que necessitavam e obrigaram-nos assim a multiplicar as horas extraordinárias e a favorecer o negócio das empresas de prestação de serviços. Agora, dizem-lhes que não podem fazer horas extraordinárias nem contratar empresas de prestação de serviços, mas continuam a não permitir a contratação efectiva dos profissionais; querem, aliás, diminui-los, como disse o Sr. Ministro. Fazem o mal e a caramunha.
Isto significa o encerramento de muitos serviços e mesmo de centros de saúde e hospitais por todo o País.
O subfinanciamento e as restrições ao pessoal efectivamente necessário saem sempre mais caro e obrigam a soluções mais dispendiosas. A única forma de o subfinanciamento não sair mais caro é cortar na prestação de cuidados à população, e é precisamente isso que o Governo está a fazer.
Com os cortes nos hospitais e centros de saúde, o Governo quer fazer como aquele camponês que queria habituar o seu cavalo a não comer e que para isso lhe foi, dia após dia, reduzindo a ração; e quando ele finalmente se habituou a não comer, morreu. É isso que o Governo quer fazer: quer matar o Serviço Nacional de Saúde, quer reduzi-lo a um estado de inanição.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A população paga cada vez mais custos directamente. É a diminuição nas comparticipações e é o aumento das taxas moderadoras que continua a não estar esclarecido. Qual vai ser o aumento? Que verba vai acrescer para o Estado? Que novos actos vão ser incluídos? Vai ou não haver um aumento em Dezembro e outro um mês depois, em Janeiro?
É por isso que é preciso defender o Serviço Nacional de Saúde. É preciso — e será assim — que as populações e os profissionais não guardem para amanhã o que têm de lutar hoje em defesa do seu direito à saúde.

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