Projecto de Lei N.º 135/XV/1.ª

Aprova o estatuto da condição policial

Exposição de motivos

De acordo com o artigo 272.º da Constituição da República Portuguesa, “a polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos”, cabendo ao legislador fixar o regime das forças de segurança, sendo a organização de cada uma delas, única para todo o território nacional.

A definição de polícia é tendencialmente funcional e teleológica, pois acentua a forma de ação ou atividade da Administração destinada à defesa da legalidade democrática, da segurança interna e dos direitos dos cidadãos. O facto, porém, de a polícia se inserir no âmbito da Administração Pública significa estar aqui subjacente um conceito orgânico de polícia, isto é, o conjunto de órgãos e institutos encarregados da atividade de polícia. Temos ainda que a interpretação atual da expressão legalidade democrática está ligada à ideia de garantia de respeito e cumprimento das leis em geral, no que à vida da comunidade respeita. Por outro lado, a função de garantir a segurança interna exclui a segurança externa da República e é exclusiva das forças de segurança. Há também que distinguir de entre as forças de polícia, as chamadas forças de segurança, cuja função é garantir a ordem jurídico-constitucional, através da segurança de pessoas e bens e da prevenção de crimes.

Temos, portanto, uma definição de polícia tendencialmente funcional e teleológica, pois acentua a forma de ação ou atividade da Administração destinada à defesa da legalidade democrática, da segurança interna e dos direitos dos cidadãos. Uma definição de polícia que abrange todos os órgãos e institutos encarregados da atividade de polícia, na vertente da segurança interna, ligada à ideia de garantia de respeito e cumprimento das leis em geral.

Condição policial é, pois, aquela em que se encontram todos os funcionários e agentes que exercem funções policiais, na vertente da segurança interna, no âmbito da Administração Pública.

O n.º 3 do artigo 2.º da Lei de Segurança Interna inscreve a formulação segundo a qual, “a lei fixa o regime das forças e dos serviços de segurança, sendo a organização de cada um deles única para todo o território nacional”. Por sua vez o artigo 25.º deste mesmo diploma dispõe que as forças e os serviços de segurança são organismos públicos, estão exclusivamente ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidários e concorrem para garantir a segurança interna. Ao nível das funções de segurança interna são identificados e referidos expressamente a Guarda Nacional Republicana, a Polícia de Segurança Pública, a Polícia Judiciária, o Serviço de Informações de Segurança, os órgãos da Autoridade Marítima Nacional e os órgãos do Sistema da Autoridade Aeronáutica. Da redação anterior à Lei n.º 73/2021, de 12 de novembro constava o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que, estando em processo de extinção, ainda existe à data da apresentação da presente iniciativa. Refere também no n.º 4 do artigo 25.º da Lei de Segurança Interna que “a organização, as atribuições e as competências das forças e dos serviços de segurança constam das respetivas leis orgânicas e demais legislação complementar”.

A Lei de Organização da Investigação Criminal define como órgãos de polícia criminal de competência genérica, a Polícia Judiciária, a Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública, possuindo todos os restantes órgãos de polícia criminal, competência específica. A Lei orgânica da Polícia Judiciária define no artigo 1.º a natureza deste organismo como um corpo superior de polícia criminal.

A Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana define este organismo como uma força de segurança de natureza militar que tem como missão, no âmbito dos sistemas nacionais de segurança e proteção, assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos. Nos artigos 10.º a 14.º deste diploma encontramos a referência expressa à qualidade de Agentes de Força Pública, Autoridades de Polícia e Autoridades e Órgãos de Polícia Criminal. E o Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana define no artigo 2.º que “O militar da Guarda, no exercício das suas funções, é agente da força pública, autoridade e órgão de polícia…”.

A Lei Orgânica da Polícia de Segurança Pública define este organismo como uma força de segurança, uniformizada e armada, com natureza de serviço público e dotada de autonomia administrativa que tem como missão assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, nos termos da Constituição e da lei. Nos artigos 9.º a 12.º deste diploma também se encontra a referência expressa à qualidade de Agentes de Força Pública, Autoridades de Polícia e Autoridades e Órgãos de Policia Criminal. O Estatuto Profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública considera polícia o elemento que integra o corpo de profissionais da PSP, constituído em carreira especial, com funções policiais, armado e uniformizado, sujeito à condição policial, com vínculo de nomeação e formação específica, sendo que a condição policial se caracteriza:

  1. Pela subordinação ao interesse público;
  2. Pela defesa da legalidade democrática, da segurança interna e dos direitos fundamentais dos cidadãos, nos termos da Constituição e da lei;
  3. Pela sujeição aos riscos decorrentes do cumprimento das missões cometidas à PSP;
  4. Pela subordinação à hierarquia de comando na PSP;
  5. Pela sujeição a um regulamento disciplinar próprio;
  6. Pela disponibilidade permanente para o serviço, bem como para a formação e para o treino;
  7. Pela restrição ao exercício de direitos, nos termos previstos na Constituição e na lei;
  8. Pela adoção, em todas as situações, de uma conduta pessoal e profissional conforme aos princípios éticos e deontológicos da função policial;
  9. Pela consagração de direitos especiais em matéria de compensação do risco, saúde e higiene e segurança no trabalho, nas carreiras e na formação.

A Lei Orgânica do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras define este organismo como um serviço de segurança e órgão de polícia criminal, sendo autoridades de polícia criminal, todos os elementos identificados no artigo 3.º desse diploma.

O Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional define o seu âmbito de aplicação aos trabalhadores da DGRSP com funções de segurança pública em meio institucional e o pessoal do corpo da guarda prisional como agente da autoridade quando no exercício das suas funções.

O Estatuto do Pessoal militarizado da Polícia Marítima dispõe no n.º2 do artigo 2.º que “O pessoal da PM é considerado órgão de polícia criminal para efeitos de aplicação da legislação processual penal, sendo os inspetores, subinspetores e chefes considerados, no âmbito das suas competências, autoridades de polícia criminal.”

No que concerne à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, o artigo 15.º da lei orgânica deste organismo refere expressamente que “A ASAE detém poderes de autoridade e é órgão de polícia criminal.”.

Finalmente, o Estatuto da carreira de Guarda-Florestal, do mapa de pessoal civil da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei nº247/2015, de 23 de Outubro, estabelece no seu Artº5º que “O pessoal da carreira de guarda-florestal está investido do poder de autoridade nos termos definidos no Código de Processo Penal e noutros diplomas legais.”; o Artº8º fixa a obrigatoriedade do uso de uniforme e o Artº9º, a obrigação do uso de armamento; o Artº37º, nº1, define que “...integra a missão da Guarda, através do SEPNA enquanto polícia ambiental; e o nº2 do mesmo artigo, fixa que “...assegura todas as ações de polícia florestal, de caça e da pesca...”; o Artº38º, nº 1, estabelece que ”para efeitos do Código de Processo Penal, considera-se órgão de polícia criminal o pessoal da carreira de guarda-florestal, em funções no SEPNA da Guarda,...”.

Assim, não obstante a condição policial ser uma característica comum a todos os organismos suprarreferidos, o legislador português ainda não reconheceu a necessidade de caracterizar e definir essa condição e estabelecer as bases gerais do correspondente estatuto. Importa, pois, definir a condição policial e estabelecer as bases gerais dessa mesma condição.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece as bases gerais a que obedece o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres de todos os agentes e funcionários do Estado que desempenham funções policiais, qualquer que seja o vínculo e define os princípios orientadores das respetivas carreiras.

Artigo 2.º

Âmbito de aplicação

  1. A presente lei aplica-se a todos os agentes e funcionários do Estado com funções policiais, na vertente da segurança interna, adiante designados por polícias.
  2. Para efeitos do disposto na presente lei, considera-se polícia o elemento que integre um organismo ou estrutura do Estado destinada à defesa da legalidade democrática, da segurança interna e dos direitos dos cidadãos, constituído em carreira especial, com funções policiais, armado e uniformizado, sujeito à condição policial, com vínculo de nomeação e formação específica, prevista em diploma legal.
  3. A presente lei aplica-se ao pessoal com funções policiais da Polícia Judiciária, da Polícia de Segurança Pública, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, da Polícia Marítima, da Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica, aos militares e guardas-florestais da Guarda Nacional Republicana e ao Corpo da Guarda Prisional.

Artigo 3.º

Definição

A condição policial caracteriza-se:

  1. Pela subordinação ao interesse nacional e ao interesse público;
  2. Pela defesa da legalidade democrática, da segurança interna e dos direitos fundamentais dos cidadãos, nos termos da Constituição e da lei;
  3. Pela sujeição aos riscos decorrentes do cumprimento das missões que lhes são cometidas;
  4. Pela subordinação à hierarquia de comando existente em cada uma das instituições;
  5. Pela sujeição a um regulamento disciplinar próprio;
  6. Pela existência em cada uma das carreiras de um horário de trabalho;
  7. Pela disponibilidade permanente para o serviço, bem como para a formação e para o treino;
  8. Pela restrição ao exercício de direitos, nos termos previstos na Constituição e na lei;
  9. Pela adoção, em todas as situações, de uma conduta pessoal e profissional conforme aos princípios éticos e deontológicos da função policial;
  10. Pela consagração de direitos especiais em matéria de compensação do risco, saúde e higiene e segurança no trabalho, nas carreiras e na formação a que digam respeito, nos termos da lei;
  11. Pela consagração de especiais direitos, compensações e regalias, designadamente nos campos da Segurança Social, assistência, remunerações, cobertura de riscos, carreiras e formação.

Artigo 4.º

Respeito pela legalidade

Os policias têm o dever de respeitar a Constituição e as demais leis da República e obrigam-se a cumprir os regulamentos e as determinações a que devam respeito, nos termos da lei.

Artigo 5.º

Horário de trabalho

  1. Todos os policias tem direito à consagração legal e estatutária de um horário de trabalho que não exceda as 35 horas de trabalho semanal e dois dias de descanso semanal.
  2. Todo o trabalho prestado para além dos limites referidos no número anterior deve ser remunerado como trabalho suplementar e dar origem a descanso compensatório igual ao número de horas de trabalho suplementar prestadas.

Artigo 6.º

Regime disciplinar

  1. A condição policial caracteriza-se pela existência de um regime disciplinar próprio.
  2. Em processo disciplinar são garantidos aos policias os direitos de audiência, defesa, reclamação e recurso hierárquico e contencioso.

Artigo 7.º

Apoio judiciário

Os policias tem direito a apoio judiciário, que abrange a contratação de advogado, a dispensa do pagamento de taxas de justiça e demais encargos do processo, sempre que nele intervenha na qualidade de assistente, arguido, autor ou réu, para defesa dos seus interesse e direitos legítimos, e o processo decorra do exercício das suas funções, mediante despacho fundamentado do superior hierárquico com competência para tal, proferido por sua iniciativa ou mediante requerimento do interessado.

Artigo 8.º

Livre acesso

  1. Aos policias, quando devidamente identificados e em ato ou missão de serviço, é facultada a entrada livre em estabelecimentos e outros locais públicos ou abertos ao público para a realização de ações de fiscalização ou de prevenção.
  2. Para a realização de diligências de investigação criminal ou de coadjuvação judiciária, os policias, quando devidamente identificados e em missão de serviço, têm direito de acesso a quaisquer repartições ou serviços públicos, empresas comerciais ou industriais e outras instalações públicas ou privadas, em conformidade com a lei.

Artigo 9.º

Uso de transportes públicos

  1. Aos policias, quando devidamente identificados e em missão de serviço, é facultado o livre acesso, em todo o território nacional, aos transportes coletivos terrestres, fluviais e marítimos.
  2. Os policias tem direito à utilização gratuita dos transportes referidos no número anterior nas deslocações em serviço dentro da área de circunscrição em que exercem funções e entre a sua residência habitual e a localidade em que prestam serviço até à distância de 50 km.
  3. O regime de utilização dos transportes públicos coletivos é objeto de portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela tutela da Administração Interna, das Finanças e dos Transportes.

Artigo 10.º

Uso de armas

  1. Os policias tem direito à detenção, uso e porte de arma de classes aprovadas por portaria do membro do Governo responsável pela tutela, independentemente de licença, ficando obrigados ao seu manifesto, nos termos da lei, quando as mesmas sejam de sua propriedade, salvo aplicação de pena disciplinar expulsiva.
  2. A isenção estabelecida no número anterior é suspensa automaticamente quando tenha sido aplicada medida judicial ou disciplinar de desarmamento ou de interdição do uso de armas.

Artigo 11.º

Regime prisional

  1. O cumprimento da prisão preventiva e das penas e medidas privativas de liberdade pelos policias ocorre em estabelecimento prisional legalmente destinado ao internamento de detidos e reclusos que exercem ou exerceram funções em forças ou serviços de segurança.
  2. Nos casos em que não seja possível a observância do disposto no número anterior, o estabelecimento prisional assegura o internamento em regime de separação dos restantes detidos ou reclusos, o mesmo sucedendo relativamente à sua remoção e transporte.

Artigo 12.º

Fardamento

  1. Os policias tem direito a comparticipação por parte do Estado nas despesas com a aquisição de fardamento através da atribuição de uma comparticipação anual a regulamentar por diploma próprio, ou à sua concessão por conta da entidade de que dependem, conforme regulamento respetivo.
  2. No momento do ingresso, os policias tem direito a uma dotação de fardamento.

Artigo 13.º

Alojamento

Os policias tem direito a alojamento por conta do Estado, para si e para o seu agregado familiar, quando tenham residência habitual a mais de 50 km da sede, unidade, subunidade ou serviço em que sejam colocados.

Artigo 14.º

Treino e formação

  1. Os policias têm o direito e o dever de receber treino e formação geral, cívica, científica, técnica e profissional, inicial e permanente, adequados ao pleno exercício das funções e missões que lhes forem atribuídas.
  2. Os policias têm ainda o direito e o dever de receber formação profissional contínua de atualização, reciclagem e progressão, com vista à sua valorização humana e profissional e à sua progressão na carreira.

Artigo 15.º

Reserva e aposentação

  1. Os policias tem direito à passagem à situação de aposentação voluntária, pré-aposentação, reserva e reforma de acordo com regras fixadas em diplomas legais próprios.
  2. O fator de sustentabilidade previsto no artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, na sua redação atual, não é aplicável no cálculo das pensões e reformas de velhice no âmbito dos regimes de antecipação da idade de acesso à pensão ou reforma previsto no número anterior.

Artigo 16.º

Subsídio de risco, penosidade e insalubridade

Os policias tem direito a subsídio de risco, penosidade e insalubridade, fixados em diplomas legais próprios, atendendo à natureza das missões.

Artigo 17.º

Compensação por danos

Os policias têm direito a compensação especial por morte, invalidez ou danos emergentes do exercício de funções a regular em diploma próprio.

Artigo 18.º

Direito à saúde

Os policias e seus familiares têm direito a serviços de saúde próprios, autónomos do Serviço Nacional de Saúde, bem como de serviços responsáveis pela higiene e segurança no trabalho e saúde ocupacional a regular em diploma próprio.

Artigo 19.º

Ação social complementar

Os policias e seus familiares têm direito a ação social complementar, através de Serviços Sociais próprios, a regular em diploma próprio.

Artigo 20.º

Progressão nas carreiras

  1. É garantido a todos os policias o direito de progressão na carreira, nos termos fixados nas leis estatutárias respetivas.
  2. O desenvolvimento das carreiras orienta-se pelos seguintes princípios básicos:
    1. Relevância de valorização da formação policial;
    2. Aproveitamento da capacidade profissional, avaliada em função de competência revelada e de experiência;
    3. Adaptação à inovação e transformação decorrentes do progresso científico, técnico e operacional;
    4. Harmonização das aptidões e interesses individuais com os interesses do serviço.
  3. Nenhum polícia pode ser prejudicado ou beneficiado na sua carreira em razão de ascendência, sexo, raça, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, situação económica ou condição social.
  4. O desempenho profissional dos policias deve estar sujeito a um sistema de avaliação de desempenho específico, a regulamentar em diploma próprio e onde esteja salvaguardado o direito de participação, contraditório e recurso do interessado.

Artigo 21.º

Direito de associação

Todos os polícias têm o direito de se organizar em associações socio-profissionais ou sindicais para prossecução e defesa dos seus interesses de classe.

Artigo 22.º

Regulamentação

Compete ao Governo proceder à elaboração ou à alteração dos diplomas necessários para a execução da presente lei no prazo de um ano após a sua entrada em vigor.

Artigo 23.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

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